Nascida em Macieira de Cambra, vila do município de Vale de Cambra, no distrito de Aveiro, Maria Paula Mourão do Amaral Coutinho estudou na Faculdade de Medicina do Porto, onde se licenciou com 18 valores. Foi ainda durante a faculdade que conheceu o seu mentor, o neurologista Corino de Andrade que em 1965 a levou para o seu serviço no Hospital de Santo António, onde trabalhou até 1998, primeiro como estagiária, depois como interna geral, interna complementar, especialista, assistente, chefe de clínica e de serviço. No início da década de 1970, foi para a Suíça, onde foi assistente de neuropatologia no Instituto de Patologia da Universidade de Genebra (1971-1972) e assistente de neurologia do Hospital Cantonal de Genebra (1973-1974). Ali aproximou-se do "grupo de Genebra de exilados", onde pontificavam Medeiros Ferreira e Maria Emília Brederode Santos, de quem ficou amiga para toda a vida.
Paula Coutinho era a única mulher na equipa do Serviço de Neurologia do Hospital de Santo António em 1967. Foto: Arquivo pessoal de colegas e amigos de Paula Coutinho.
Regressa ao Porto em 1974 e, com Corino de Andrade, o médico que descobriu a paramiloidose (ou polineuropatia amiloidótica familiar, PAF) em famílias das Caxinas, uma comunidade de pescadores originários de Vila do Conde e Póvoa de Varzim, fundou o serviço de neurologia no Hospital de Santo António e viajou pelas ilhas dos Açores em 1976 e depois, num estudo sobre a doença que viria a ser chamada de Machado-Joseph. Paula Coutinho demonstrou que, ao contrário do que se pensava até então, não se tratava de três doenças diferentes em descendentes de açorianos nos EUA, mas uma doença única que depois viria a ser encontrada no continente e noutros países, sendo atualmente a ataxia (doença que afeta o equilíbrio, a fala e a coordenação) hereditária mais frequente.
Corino Andrade e Paula Coutinho nos Açores, em janeiro de 1976. Foto: Arquivo pessoal de colegas e amigos de Paula Coutinho.
Paula Coutinho é a responsável pela criação dos critérios clínicos para diagnóstico da doença, e na altura fê-lo contra a opinião de figuras eminentes na neurologia mundial, com quem debateu em acaloradas polémicas científicas. A sua tese de doutoramento sobre o assunto valeu-lhe o prémio Bial de Medicina em 1992 e a reputação internacional, com dezenas de artigos científicos em autoria e coautoria publicados em revistas de referência e citados milhares de vezes em estudos posteriores.
Paula Coutinho a ver uma doente de paramiloidose no Japão, em 1987. Foto: Arquivo pessoal de colegas e amigos de Paula Coutinho.
Além do trabalho clínico e científico no hospital, Paula Coutinho dedicou-se ao ensino da Neurologia no ICBAS/HSA de 1981 a 1998. No ano seguinte, fundou o Serviço de Neurologia do novo Hospital de São Sebastião, Santa Maria da Feira, onde também foi diretora do Centro de Responsabilidade Médico. Desde 1992 integrou a equipa de investigação da Unidade de Investigação Genética e Epidemiológica em Doenças Neurológicas (UnIGENe) no IBMC (atualmente no i3S) da Universidade do Porto, onde também integrou como neurologista principal a equipa clínica do Centro de Genética Preditiva e Preventiva.
Ao longo de mais de doze anos, organizou o rastreio sistemático de ataxias hereditárias em Portugal, que se tornou uma referência na área e influenciou o rumo da investigação científica sobre estas doenças. A ela se deve a criação de uma valência da paramiloidose em centros de saúde das regiões mais afetadas e o acesso a medicação gratuita, num processo contínuo de luta ao lado das associações de pessoas com paramiloidose e doença de Machado-Joseph.
Paula Coutinho em 1998 no seu gabinete no Centro de Estudos da Paramiloidose no Hospital de Santo António. Foto: Arquivo pessoal de colegas e amigos de Paula Coutinho.
Os estudos de campo, com visitas às casas dos doentes no continente e ilhas, era "um dos seus grandes prazeres", recordou num artigo publicado no Público o médico geneticista e professor emérito da Universidade do Porto, Jorge Sequeiros, que a acompanhou ao longo da sua carreira nesta área. O ensino era outra das atividades preferidas desta pioneira da neurogenética em Portugal, o que lhe permitiu formar várias gerações de clínicos e investigadores que prosseguem o seu trabalho e o alargam a outras áreas.
Homenagem do Centro de Genética Preditiva e Preventiva a Paula Coutinho em 2016, dedicando-lhe uma magnólia plantada no jardim entre os dois edifícios do i3S, simbolizando a ligação da clínica à investigação. Foto i3S
"Dotada de inteligência fina, inquisitiva e perseverante, tinha um faro clínico raro e uma perspicácia diagnóstica invulgar", escreve Jorge Sequeiros, sem esquecer o lado "temperamental" e avesso "à presunção e à pompa" e o facto de ter deixado muitas vezes de fumar, "quase sempre por pouco tempo, o que normalmente não ajudava a amenizar o seu feitio".
Jorge Sequeiros e Paula Coutinho trabalharam juntos muitos anos. Foto tirada em 2016 na homenagem à neurologista no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S), no Porto. Foto: I3S
Adepta "emotiva" do Futebol Clube do Porto, fã do piloto de Fórmula 1 Ayrton Senna, apaixonada pelas ilhas dos Açores e com pavor a aviões, que nunca perdeu apesar das inúmeras viagens inter-ilhas nos pequenos aviões da SATA e no Aviocar da Força Aérea, "nada na vida a deixava indiferente", destaca Jorge Sequeiros sobre esta figura invulgar da Ciência em Portugal.
Paula Coutinho no seu gabinete no Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga. Foto: Arquivo pessoal de colegas e amigos de Paula Coutinho.
Para uma homenagem que a C.M. Vale de Cambra lhe fez em 2014, escreveu um texto em que disse que tinha escolhido esta área de medicina por ter crescido numa casa cheia de livros policiais. “Gosto de analisar e encadear factos, e encontrar o denominador comum, de juntar as peças do ‘puzzle’ e fazer sínteses, de pesar decisões com alguns riscos”, contava Paula Coutinho, acrescentando que foi na Suíça que ultrapassou a “fase policial” e onde aprendeu “a não parar no diagnóstico e tentar encontrar soluções possíveis para cada doente, mesmo que sem solução terapêutica”.
Para conhecer melhor a vida e a obra desta cientista de referência do nosso país, a RTP2 emitiu um documentário neste dia Internacional da Mulher, a 8 de Março, intitulado "Era Bonito Vê-la Pensar". Está agora disponível na plataforma RTP Play e pode ser visto aqui.