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"Deve haver solidariedade entre os países periféricos da Europa"

Manuel Carlos Silva, sociólogo da Universidade do Minho, explica as razões da sua candidatura enquanto independente nas listas do Bloco de Esquerda e sublinha a necessidade das convergências à esquerda para travar a austeridade e o domínio do capital financeiro
Manuel Carlos Silva, sociólogo e candidato independente do Bloco de Esquerda às eleições europeias.

Porque aceitou o desafio do Bloco para ser candidato a estas eleições europeias?

Antes de mais, porque atravessamos um momento de grande importância a nível nacional e europeu, uma vez que a desastrosa política dos últimos anos, e em particular dos últimos três anos deste Governo PSD/CDS, tem destruído o país e colocado em causa a própria soberania, com a sua política de bom aluno, subserviente face à Europa, e que tem implicado diversos ataques aos direitos sociais, a gradual redução do Estado Social, os cortes nas pensões e nos salários. 

Toda esta situação de empobrecimento e a necessidade de combater esta política neoliberal em benefício do capital financeiro na Europa, exige uma resposta. Tenho um percurso de esquerda, fui membro do PCP, do qual me desvinculei. Neste momento, sendo independente, creio que não posso ficar no meio da ponte. Ser independente não significa não ser engajado e comprometido com as causas. E esta causa é uma causa patriótica e de defesa dos direitos dos trabalhadores e do povo português. Nesse sentido, temos de bater-nos contra esse capital financeiro, mas também parar a austeridade e toda esta política que é desastrosa para o povo português e para os povos que estão em situação difícil, como é o caso do povo grego e doutros povos do Sul, como a Espanha, Itália ou Chipre, e inclusive da Irlanda. 

Deve haver solidariedade entre os países periféricos dependentes, para bater o pé e estar de pé contra esta política agressiva e devastadora dos direitos das pessoas.

Qual o tema que mais gostava de ver debatido nesta campanha?

O problema da dependência de Portugal e outros países periféricos do Sul face a uma Europa do Norte, mediada pela troika em benefício do capital financeiro.

Este é o tema central, porque se insere numa estratégia de longo prazo, ou seja, esta crise tem os seus antecedentes nos anos 1970 e 1980, com a chamada crise do petróleo. A partir da onda liberal dos anos seguintes, quer na Europa quer nos EUA, liberalizaram-se os mercados, os capitais foram introduzidos em países não só do Sul da Europa mas também da África ou Ásia. As economias nacionais mais vulneráveis acabaram por ficar reduzidas a uma situação de enorme dependência e fragilidade. 

Nesse sentido, o que está em jogo neste momento são os lucros astronómicos do capital financeiro, que nem sempre corresponde a um capital de economia produtiva. Neste contexto da crise de 2008/9, acabaram por ser os Estados a salvar e a recapitalizar a banca, em prejuízo das populações, que perderam muito nos cortes de pensões e salários, na diminuição dos seus direitos. É um ataque às conquistas sociais que foram feitas desde o pós-guerra, e em Portugal no pós 25 de Abril. 

Com o aumento do desemprego e da precarização do trabalho, a situação torna-se insustentável, os nossos jovens mais qualificados têm emigrado e continuam a emigrar porque não têm perspetivas. Ou seja, é um país sem esperança e sem futuro neste quadro. E nós temos de combater esta política a nível nacional e internacional. 

O Bloco é o partido que está mais aberto e tem propostas concretas, tanto a nível nacional como europeu, para mudar esta Europa para outra Europa mais social e amiga dos trabalhadores e dos pobres. 

Creio que é urgente uma plataforma ou um compromisso das forças de esquerda, incluindo alguma plataforma com o próprio PS, que tem de deixar a sua política de resquícios neoliberais e aproximar-se à esquerda e não à direita. É importante esse entendimento, mas enquanto isso não ocorre temos de bater-nos, e eu faço-o com toda a honra junto com o Bloco de Esquerda, justamente porque penso que é o partido que está mais aberto e tem propostas concretas, tanto a nível nacional como europeu, para mudar esta Europa para outra Europa mais social e amiga dos trabalhadores e dos pobres. É nesse sentido que eu me bato também. Evidentemente que se esta estratégia não surtir efeito teremos de encontrar outras formas. Mas neste momento temos de lutar para que dentro da Europa haja outra Europa que não seja esta Europa dos mercados, da finança, da austeridade que esmaga os pobres.

Enquanto professor universitário, quais os impactos da austeridade tem assistido na vida dos estudantes e da própria universidade?

Tenho sentido esses impactos de maneira acentuada. Para já, há alunos que desistem porque nem eles nem as suas famílias têm meios financeiros que lhes permitam manter-se nos seus estudos. É um problema grave, até porque não há bolsas de estudo para os estudantes mais carenciados. Sente-se também um desânimo muito grande entre os jovens que se começam a questionar para que serve o Ensino Superior. "Porquê tirar um curso se depois não tenho trabalho?". Até no próprio ensino secundário isso já se verifica, de acordo com alguns inquéritos. 

Mas também aqui na Universidade vemos os nossos alunos um pouco desanimados, sentindo um desencanto e uma incapacidade de fazer face às situações, vejo os nossos alunos muitas vezes sem trabalho, com trabalhos precários ou que não são propriamente da sua formação. Através do trabalho que foi feito pela Associação Portuguesa de Sociologia foi possível saber que os jovens sociólogos conseguem algum trabalho, mas não é um trabalho qualificado e de acordo com as suas competências. Conheço mais a área da sociologia, mas outros cursos sentem fortemente o impacto da crise e da austeridade. 

Mas o impacto que mais se coloca é às pessoas que não têm sequer os meios mínimos de sobrevivência. Há pessoas subalimentadas, que não têm abrigo, que não têm os meios mínimos para sobreviver e inclusivamente há fome. Algumas instituições dão aqui e ali algum apoio, mas esta não é uma situação digna. As pessoas estão constantemente dependentes e como tal não podem ser cidadãos de pleno direito, no sentido de uma democracia social e económica efetiva. 

Que propostas traz esta candidatura para inverter o rumo do país e sair desta crise?

 Acho que há muito a fazer e Portugal necessita de uma viragem política à esquerda para superar esta crise. Isso pode significar a reestruturação e mutualização da dívida e impor outras condições e instrumentos a nível da União Europeia, nomeadamente ter a possibilidade de pagar com prazos mais alargados, redução de juros, mas também a redução ou eliminação da dívida que é ilegítima. Há muita dívida que é resultado da especulação financeira e essa dívida não é devida. 

É necessária uma viragem na relação de forças a nível europeu, fazendo que haja mais esquerda  e que o Partido da Esquerda Europeia possa ter capacidade de decisão nas escolhas mais importantes. 

É necessário o crescimento com repartição da riqueza por todos e não apenas por uma minoria. Só uma política de esquerda traz a proposta e a estratégia capaz de virar esta situação. O Bloco de Esquerda tem propostas muito concretas para a Europa e o país. Propostas para sairmos da situação de bloqueio em que nos encontramos agora, devido a esses constrangimentos da integração no euro, que só nos trouxe problemas e prejuízo, em benefício de países excedentários como é o caso da Alemanha e outros do Norte. Enquanto estes têm possibilidades de acesso ao crédito muito mais barato, no nosso país quer o Estado quer as famílias têm de se socorrer da banca, quando é a própria banca que pode socorrer-se de dinheiro muito mais barato. Podia haver uma decisão política a nível europeu que resolvesse estes problemas. Isso é possível desde que haja vontade política. Mas para isso acontecer é necessária uma viragem na relação de forças a nível europeu, fazendo que haja mais esquerda e que o Partido da Esquerda Europeia possa ter capacidade de decisão nas escolhas mais importantes. 

Por outro lado, é preciso preparar o terreno para que nas próximas eleições legislativas possamos também ter outra plataforma de entendimento com as forças de esquerda, de maneira que signifique a derrota desta política da direita no poder, que de facto só tem trazido uma devastação dos serviços públicos, com empresas que são vendidas a preço barato, quando muitas delas são rentáveis. Estão a entregar o país e os recursos públicos a interesses privados nacionais e estrangeiros. Esse não é o caminho que Portugal necessita e é nesse sentido que o Bloco de Esquerda pode dar um contributo enorme. 

Vejo com apreensão que no quadro do próximo QREN não haja mais investimento a Norte, tendo em conta também uma outra situação: para cima do Porto, a desigualdade territorial que existe no país entre litoral e interior reproduz-se com maior acuidade, por exemplo entre o Minho Litoral e o Minho Interior.

Enquanto candidato independente, pretendo dar esse contributo, tendo em conta a região onde me situo - a região Norte - que é a mais pobre do país e que apesar de acolher mais de um terço da população, não tem os devidos benefícios. Há uma desigualdade na distribuição de recursos a nível europeu e nacional e não vemos no Norte projetos de desenvolvimento que possam ser financiados. Vejo com apreensão que no quadro do próximo QREN não haja mais investimento a Norte, tendo em conta também uma outra situação: para cima do Porto, a desigualdade territorial que existe no país entre litoral e interior reproduz-se com maior acuidade, por exemplo entre o Minho Litoral e o Minho Interior. É nesse sentido que creio que a Região deve ser olhada de outra forma, de maneira a potenciar o seu desenvolvimento. Uma política de esquerda é necessária no país e na Europa e é por isso que me bato enquanto candidato independente do Bloco de Esquerda.

ESQUERDA.NET | Entrevista | Manuel Carlos Silva

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