O regresso às aulas é normalmente um momento de preocupação por parte das famílias, muitas vezes com bastante entusiasmo à mistura, mas este ano letivo vai ser diferente de todos os outros. Em primeiro lugar, pelo grau de incerteza que o rodeia, claro, devido à pandemia da covid-19. Em segundo, por todas as adaptações que vai exigir das crianças, dos pais e da estrutura escolar. Seguem-se algumas sugestões para acompanhar as crianças nesta fase.
Treinar as novas rotinas de higiene
As crianças que regressaram ao ensino presencial no final do ano letivo passado já estarão mais habituadas ao “novo normal”, mas as restantes podem estranhar o facto de os pais não poderem entrar na escola, de terem de trocar de sapatos à entrada e de constantemente terem de lavar ou higienizar as mãos. A melhor forma de dar tempo às crianças para se ajudarem e para reduzir a estranheza destas rotinas no regresso à escola será começá-las em casa. Sobretudo para as crianças mais pequenas, há truques como contar em voz alta ou cantar uma determinada música (que dure mais de 20 segundos) enquanto se lavam as mãos - os “Parabéns a você” são apenas uma possibilidade, podemos adaptar a ideia à música preferida da criança. E é importante insistir em lavar as mãos antes e depois de comer, depois de brincar no exterior, depois de tossir ou espirrar (claro, sempre para a zona interna do braço, o que já deve ser um hábito, mas não é mau de relembrar).
O distanciamento social também será praticado, dentro do possível e consoante as idades, nas escolas. É importante explicar previamente às crianças que nas salas de aula para as quais vão regressar estarão sentadas mais distantes dos colegas, passarão mais tempo ao ar livre, os materiais não serão partilhados como anteriormente e muitas escolas irão dividir as turmas em grupos. Para fazer face a isto, em algumas escolas os professores e professoras começaram no ano letivo passado a ensinar as crianças a abraçarem-se para exprimir afeto pelos colegas. Se não se devem tocar, abraçam-se a si mesmas para demonstrar carinho.
Conversar sobre as mudanças, antecipando-as
A covid-19 já entrou nas vidas, brincadeiras e pensamentos das crianças, mas o facto de já não ser novidade não significa que não crie ansiedade e que deva ser ignorada. Para descansar os mais pequenos, é importante relembrar que na escola irão aprender e brincar com os amigos, mas também devemos voltar a falar sobre o vírus, o que se sabe sobre ele, como se transmite e o que podemos fazer para o evitar.
Devemos explicar que todas as alterações são para prevenir a propagação da doença, ouvir com tempo as preocupações e dúvidas das crianças e não ter medo de admitir que não sabemos responder a tudo e que há muita incerteza neste regresso, mas que toda a gente está a trabalhar em conjunto para ultrapassar a situação. As crianças – e os adultos - podem sentir em relação à pandemia vários sentimentos contraditórios ao mesmo tempo, e isso pode ser muito difícil de exprimir e verbalizar. Devem perceber que em casa têm o apoio emocional e que podem ter todos esses sentimentos.
Por outro lado, para as crianças mais pequenas que não tenham ainda regressado à escola, o facto de os adultos estarem todo o dia com máscara e viseira pode ser complicado. Em casa, devemos explicar a importância das máscaras na proteção das pessoas e podemos habituar as crianças a elas através da brincadeira: pondo máscaras em todos os peluches, ou com os adultos a pôr e tirar as máscaras, ou a fazer diferentes caretas atrás da máscara que as crianças têm de adivinhar (é um sorriso, uma cara de zangado, uma cara de espanto, etc).
Por último, podemos perguntar na escola acerca dos seus planos de contingência e saber exatamente que medidas de segurança vão implementar, para estarmos informados e falarmos sobre isso com as crianças.
Importância da escola
Não são apenas as crianças que se sentirão angustiadas com o regresso às aulas. A pandemia não deixa ninguém indiferente e é totalmente normal que os adultos também questionem se é segura a reabertura das escolas. Na era da superinformação, é importante evitar o pânico transmitido por sites de notícias falsas, a generalização de estudos – que, ainda que sejam científicos, podem não ser generalizáveis, ou a extrapolação do que possa ter ocorrido ou estar a ocorrer noutros países para a realidade portuguesa. Para tal, é essencial recorrer à informação da Direção-Geral de Saúde, que recebe todas as investigações, as avalia, compila e a partir desse estudo exaustivo emite diretivas. Podem também ser consultados sites como o do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC, a sigla em inglês), ou o seu congénere norte-americano, o Center for Disease Control and Prevention.
Alguns dados breves:
Num comunicado conjunto, a Direção da Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP), a Direção da Sociedade de Infeciologia Pediátrica da SPP e a Direção do Colégio de Especialidade de Pediatria da Ordem dos Médicos explicam que as crianças “parecem ter menor incidência da doença e desenvolver sintomas ligeiros e transitórios, de evolução benigna, sendo os internamentos e as fatalidade excecionais”. Além disso, segundo o ECDC, “as crianças transmitem o vírus quando estão sintomáticas”, mas “a maior parte das crianças não desenvolve sintomas quando está infetada”.
Em relação à possibilidade de surtos nas escolas, Hanks Kluge, o diretor regional da Organização Mundial de Saúde para a Europa afirmou que “as escolas não têm sido um dos principais locais que tenham contribuído para a epidemia”, facto que é corroborado pelo ECDC, ao acrescentar que “apesar de haver provas de transmissão de adultos para crianças dentro de casa, há poucos casos em que isto tenha acontecido nas escolas”. Em relação à transmissão inversa, de crianças para adultos, o ECDC explica que quando o vírus foi detetado em crianças e os adultos da escola foram testados, o resultados foram negativos, o que aponta para que “as crianças nas escolas não são os principais transmissores de covid-19 para adultos”.
Em termos dos benefícios da frequência da escola, o comunicado das três instituições de pediatria afirma que a interrupção escolar o ano passado “teve grande impacto na saúde das crianças, a nível da aprendizagem, da socialização e da saúde mental”. O impacto foi sentido sobretudo pelas crianças mais desfavorecidas que não tinham acesso a meios informáticos, pelas crianças com necessidades educativas especiais ou com doença crónica complexa, que “ficaram privadas das diferentes terapias de que beneficiavam em ambiente escolar, o que contribuiu, em muitos casos, para a regressão da condição de base”. Na reabertura das escolas, “dever-se-á assegurar normalidade nas relações entre crianças, não impondo medidas estritas que sejam impossíveis de cumprir, sobretudo pelas mais jovens. É essencial que se retomem as brincadeiras nos intervalos das aulas e que estes tenham uma duração adequada”, concluem.
Para terminar, um despacho do Ministério da Educação informou que as crianças de grupos de risco com declarações médicas que o atestem podem ter aulas em casa à distância. Crianças que apresentem sintomas de doença não devem ir à escola e os adultos devem contactar a linha saúde 24.