Esta quinta-feira, o Conselho Constitucional francês decidiu-se pela inconstitucionalidade da reintrodução de um pesticida que fazia parte de um pacote legislativo conhecido como a “Lei Duplomb”.
O acetamiprido é um pesticida considerado tóxico para os insetos polinizadores como as abelhas. Foi banido em França em 2020 mas tem autorização de uso na União Europeia até 2033. As grandes confederações da agro-indústria francesa protestavam por causa desta disparidade com o argumento da concorrência desleal mas enfrentando a oposição de outras organizações do setor como a Confederação Camponesa e muitos apicultores.
O Constitucional considera que a reintrodução deste químico viola o princípio da “Carta do Ambiente” que garante “o direito a viver num ambiente equilibrado e saudável”. Esta integra a Constituição francesa desde 2005.
A mesma instância questiona também outra das medidas emblemáticas do pacote, a facilitação da construção das megabacias, grandes reservatórios de água que tem uso predatório deste recurso para uso sobretudo da agricultura intensiva.
Sobre esta parte manifestou “reservas de interpretação”, considerando que a captação de água para este fim não pode ser feita a partir de aquíferos “inerciais”, isto é, águas subterrâneas que demorem muito tempo a recarregar ou a esvaziar, o que pode abrir caminho para a sua inviabilização. Da mesma forma, considerou que a “razão imperiosa de superior interesse público” consagrada no texto para estes projetos pode ser contestada judicialmente.
Outros recuos ambientais contidos na lei passaram sem nenhum reparo. Como por exemplo o que facilita a construção e ampliação de edifícios para pecuária intensiva.
Mais de dois milhões tinham-se mobilizado contra a lei Duplomb
A decisão judicial segue-se a uma mobilização sem precedentes. A petição contra a lei, criada por uma estudante desconhecida do grande público na página da Assembleia Nacional, conseguiu ultrapassar os dois milhões de assinaturas. Trata-se de um recorde absoluto em França.
Numa reação ao anúncio, o presidente francês, Emmanuel Macron, limitou-se apenas a emitir um comunicado em que dizia que “tomou boa nota decisão”, esperando avançar com o resto das normas que constam da lei.
No resto do mundo político francês, a decisão é tida como uma derrota para todo o campo governamental, sobretudo para a ministra da Agricultura, Annie Genevard. Laurent Wauquiez, chefe parlamentar dos Republicanos, foi dos mais vocais, apressando-se a criticar “o nível de ingerência dos juízes constitucionais” que “se torna um verdadeiro problema para a nossa democracia”.
Mas, para além do “centro liberal” de Macron e da direita conservadora, também a extrema-direita, que apoiou a lei, sai derrotada. E também ela se junta à ideia de que o Conselho Constitucional teria ultrapassado as suas competências. Marine Le Pen, a figura mais conhecida da União Nacional, acusou o órgão de comportar “como um legislador” sem “legitimidade democrática”. Enquanto o seu colega de bancada, Sébastien Chenu, prefere fustigar os seus adversários do governo: “adeus agricultura francesa, olá importações. Mais um setor devastado por Emmanuel Macron e Bayrou”, publicou.
Já a esquerda sabe que a vitória não é total mas ainda assim assume que o que aconteceu foi positivo. A deputada da França Insubmissa Aurélie Trouvé sublinha nas redes sociais que foi “graças ao nosso recurso ao Conselho Constitucional” que a decisão foi tomada, insistindo que agora “o combate continua” já que toda a lei “deve ser rejeitada”.
Da mesma forma, Delphine Batho, ex-ministra da Ecologia e deputada pelo partido centrista Génération écologie diz tratar-se de “uma primeira vitória para para as forças cidadãs e comunidade científica mobilizadas contra este texto”, lamentando que se mantenham “várias outras disposições obscurantistas”.
Olivier Faure, líder do Partido Socialista, alinhou pelo mesmo tipo de conclusões, saudando “uma vitória para a ecologia, a saúde, a democracia”. E o senador comunista Ian Brossat disse ser “uma excelente notícia para a saúde pública e para o ambiente”.