A próxima cimeira do clima do ONU, a COP 29, vai acontecer no próximo mês de novembro no Azerbaijão. As notícias que dela nos chegam, para além da urgência da crise climática, dizem respeito também à repressão de jornalistas e de ativistas no país que acaba de anunciar um português, Fernando Santos, para dirigir a sua seleção nacional de futebol.
A Human Rights Watch denuncia a existência de pelo menos 25 prisões e condenações durante o último ano. Quase todos estes jornalistas e ativistas continuam entretanto presos. A União para a Libertação dos Presos Políticos do Azerbaijão contabilizava em março um total de 288 presos por razões de consciência.
Para lembrar a questão, um grupo de ativistas protestou na passada sexta-feira em Bona, onde se tem realizado uma reunião de preparação da cimeira durante duas semanas. Myrto Tilianaki, da Human Rights Watch, defendeu então que os Governos presentes na reunião preparatória deveriam denunciar “a repressão da sociedade civil e deixar claro que vão confrontar ativamente quaisquer tentativas de enfraquecer políticas climáticas robustas”.
Entre os manifestantes estava também Ibad Bayramov, que está a tentar chamar a atenção para a prisão do seu pai, Gubad Ibadoghlu, investigador na London School of Economics, dirigente do Partido do Azerbaijão para a Democracia e a Prosperidade e ativista dos direitos humanos, acusado de “imprimir, adquirir ou vender dinheiro falso” e “apoiar o extremismo religioso”. A sua saúde tem vindo a deteriorar-se. E a família denuncia que não tem recebido o tratamento médico de que precisa. Em declarações citadas pelo Guardian, afirma: “A Cop29 dá legitimidade no cenário mundial à prisão ilegítima do meu pai pelo governo. Enquanto a sua saúde se deteriora a níveis extremos, os governos ocidentais continuam a reunir-se semanalmente com os seus homólogos do Azerbaijão sobre a Cop29. Não é possível alcançar progressos significativos em matéria de alterações climáticas num país onde indivíduos como o meu pai são presos e torturados por se manifestarem”.
This year's #COP29 climate talks will be in Azerbaijan, where Dr Gubad Ibadoghlu, critic of the fossil fuel industry, was imprisoned on fabricated charges & beaten by police
His daughter @BayramovaZhala spoke to us at the Bonn climate talks#FreeGubadhttps://t.co/yaZ0ShtcCU pic.twitter.com/E7iYAsCL52— Global Witness (@Global_Witness) June 11, 2024
O Azerbaijão é conhecido por ser um Estado autoritário e corrupto, ocupando o 154º lugar na lista de 180 países da Transparência Internacional. É presidido por Ilham Aliyev, reeleito em fevereiro com mais de 92% dos votos para um quinto mandato consecutivo. Tinha sucedido ao seu pai, Heydar Aliyev, após a sua morte. Heydar primeiro dirigira o país sob a União Soviética e depois alcançou a presidência em 1993 através de um golpe de Estado.
As #COP29 approaches we are deeply concerned about escalating oppression in Azerbaijan including the inhumane treatment of Gubad Ibadoghlu, a lifelong anti-corruption campaigner.
We call for his immediate release. #FreeGubad!https://t.co/4u9ocko4W3 pic.twitter.com/QjiiwULHfI— Center for International Environmental Law (@ciel_tweets) June 12, 2024
O resultado eleitoral não foi surpresa. A maioria dos partidos da oposição boicotou a eleição e, aliás, muitos dos que poderiam opor-se-lhe eficazmente estão presos ou no exílio.
Também jornalistas de investigação como Sevinc Vaqifqizi e Ulvi Hasanli, do site noticioso Abzas Media, estão presos desde novembro, acusados de “conspirar para contrabandear moeda estrangeira para o país”. Numa carta aberta, Hasanli denuncia também pressões sobre as famílias: “as nossas mães estão a ser impedidas de recuperar o seu único rendimento – as suas pensões – porque os seus cartões estão bloqueados, enquanto as contas bancárias dos nossos amigos foram congeladas e estão proibidos de sair do país”.
Antes das eleições de fevereiro, outros quatro jornalistas do mesmo meio de comunicação social foram presos, assim como uma dezena de outros trabalhadores da comunicação social, ativistas e políticos da oposição. Vários membros da confederação sindical independente İşçi Masası também foram presos, noticia o Equal Times, que falou com Cesare Figari Barberis. Este especialista no Cáucaso afirma que “os ativistas estão a chamar a isto uma segunda onda maior de repressão, tendo sido a primeira em 2014”. Nela, “nem todas as vozes críticas são suprimidas mas é-o qualquer forma de oposição organizada”. Para além disso, implementou-se um “autoritarismo digital” que passa, por exemplo, “por contratar exércitos de trolls para assediar vozes dissidentes na Internet”.
Em março, diz o mesmo órgão de comunicação social, foi a vez dos jornalistas do canal de YouTube Toplum TV e dos membros do movimento III Respublika, um grupo de oposição liberal que planeava apresentar candidatos às eleições parlamentares de 2025.
O cientista político Bahruz Samadov da Universidade Charles University de Praga, salienta que o presidente do país que organizará a próxima COP se mantém no poder graças aos combustíveis fósseis, ou seja, aos rendimentos do petróleo e do gás que lhe permitem reforçar o controlo da polícia e do exército, e ao apoio tanto dos EUA e de Israel quanto da Turquia de Erdogan. Já a União Europeia toma posições de princípio relativamente à repressão mas, na sequência das sanções à Rússia, assinou um acordo de abastecimento de gás que “legitimou a consolidação do poder de Aliyev”.
Assim, complementa Barberis, “em resposta à guerra de setembro de 2023, que resultou na limpeza étnica dos arménios do Karabakh, o Parlamento Europeu adotou uma resolução não vinculativa a condenar o Azerbaijão mas a Comissão Europeia não adotou nenhumas sanções”.