Ao longo das duas últimas décadas a estratégia da Europa fortaleza, corolário das drásticas restrições nas políticas migratórias europeias, resultaram na morte de dezenas de milhares de pessoas nas fronteiras marítimas europeias. Perante as sucessivas tragédias na costa marítima da Europa e, nomeadamente, na mediterrânea, que culminaram com a morte de cerca de 400 pessoas em outubro passado, um conjunto de organizações e de pessoas decidiram iniciar um processo de construção de uma alternativa política face às atuais políticas migratórias e às suas trágicas consequências.
Neste âmbito, cerca de 400 delegados oriundos de vários países europeus encontram-se em Lampedusa para elaborar e lançar a Carta de Lampedusa. À imagem da Carta Mundial dos Migrantes, aprovada em 4 de Fevereiro de 2011 no Fórum Social Mundial de Dakar, a Carta de Lampedusa resulta dos contributos de várias e diversas experiência de luta, de construção de resistências e de alternativas levada a cabo por muitas organizações de base de defesa dos direitos dos migrantes e de defesa dos direitos humanos.
Esta carta é portanto um processo político em construção. Como pontapé de saída, a Carta de Lampedusa pretende encetar um movimento, não apenas de mudança de paradigma sobre as realidades migratórias, mas sobretudo, de enfrentamento e de rutura com o atual modelo político que sustenta as políticas de imigração da União Europeia.
Assim, a Carta de Lampedusa reclama um rutura total com a atual política, exigindo uma política de imigração que garanta a cidadania, os direitos políticos, culturais, sociais e económicos de e para todas e todos os imigrantes. A Carta de Lampedusa denuncia a Europa como mecanismo político de construção de geografias excludentes e racistas, de mercantilização da mobilidade humana, de fechamento, externalização e militarização das fronteiras.
A Carta de Lampedusa assume-se como um momento político em que os migrantes, mais do que números de uma sinistra contabilidade macabra da gestão geopolítica da imigração, tornam-se sujeitos políticos e atores de transformações reais das políticas migratórias numa lógica de rutura com a ideologia mercantilista e utilitarista que os reduz apenas a números e não a cidadãs e cidadãos portadores de direitos.
A Carta de Lampedusa também reafirma o facto d@s imigrantes serem sujeitos historicamente construídos numa lógica de continuidade histórica colonial e post colonial que lutam pelo direito à liberdade de movimentos e ao legítimo direito a aspirar construir uma vida melhor na Europa.
A Carta de Lampedusa defende que a liberdade de circulação, o direito de ir e vir, de escolher e mudar de residência deve manter-se na esfera dos direitos e, assim, inalienáveis e inegociáveis.
De Portugal, está o SOS Racismo no encontro de Lampedusa onde, já da parte da manhã, foi aprovada a revogação dos dispositivos legais de vigilância e perfilagem dos migrantes, o fim do Frontex, da criminalização dos migrantes, da externalizacão e militarização das fronteiras. Foi ainda reafirmado pela Carta de Lampedusa a necessidade de deixar claro que esta alternativa se fará na base de um compromisso político inegociável de luta contra o racismo, o sexismo e o machismo, empenhado na construção de uma Europa política, social, cultural e económica de igualdade entre cidadãs e cidadãos.
Lampedusa, 01 de fevereiro de 2014