Lisboa

Carris ocultou dois acidentes anteriores no Elevador da Glória

20 de setembro 2025 - 12:39

Sindicato e comissão de trabalhadores tinham levantado questões de segurança à empresa em várias ocasiões. Esta última pediu uma reunião a Carlos Moedas há dois anos que nunca se realizou. O papel da empresa de manutenção dos elevadores de Lisboa continua a gerar dúvidas.

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Flores em memória das vítimas do acidente do Elevador da Glória.
Flores em memória das vítimas do acidente do Elevador da Glória. Foto de Miguel A. Lopes/Lusa.

O acidente trágico com o Elevador da Glória, no passado dia 3 de setembro, no qual morreram 16 pessoas e mais de 20 ficaram feridas, não foi o único a acontecer nos últimos dois anos. Uma investigação da CNN Portugal dá a conhecer que, em outubro de 2024 e em maio passado, já tinham acontecido outros dois acidentes, ambos sem vítimas.

De acordo com a reportagem, “a Carris chegou mesmo a negar o acidente do ano passado” mas, depois de confrontada com o testemunho de Manuel Leal, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Rodoviários e Urbanos, passou a reconhecer os acidentes. Este contou que “o guarda-freio, ao terminar o percurso ascendente, quando foi para ativar o freio, este não respondeu no imediato. Ativou depois o travão de emergência, que também não fez a paragem imediatamente necessária, e a cabine acabou por embater nos degraus”.

O sindicalista acrescenta que tal foi discutido nas reuniões da empresa: “Basta pedir elementos da reunião da Comissão de Apreciação e Risco para a Descaracterização de Acidentes, que ocorreu no dia 31 de janeiro deste ano, relativamente ao acidente no Elevador da Glória do ano passado”.

Depois de negar os acidentes, agora, relativamente ao do ano passado a empresa passou a culpar o guarda-freio. Na versão da empresa, este não teria acionado o travão. Afirma o canal televisivo que esta versão “contrasta com os alertas antigos sobre falhas nos travões do elevador, que, segundo fontes internas, “não funcionam há anos”.” É o que confirmam declarações sob anonimato de um dos trabalhadores.

Já Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, remete as responsabilidades da ocultação dos acidentes para a Carris. A comissão de trabalhadores da Carris também lhe tinha pedido uma reunião a 20 de novembro de 2023 sobre os problemas na empresa mas esta “nunca aconteceu”. Denunciava-se por escrito, entre outras questões de condições de trabalho e higiene e segurança, “manutenção deficiente dos veículos”.

Empresa de manutenção continua a gerar questões

A mesma reportagem volta-se a debruçar sobre o papel da empresa que é responsável pela manutenção dos elevadores de Lisboa, a Main. Recorda-se que esta foi criada em 2009 como empresa de construção civil, que em 2012 fazer manutenção de piscinas e que só dois meses antes do concurso da Carris de 2022 mudou de objeto social para passar a incluir a manutenção de elevadores. Isto “apesar de em 2017 já fazerem alguns trabalhos para a Carris” e de ter sido em 2019 que ganhou o primeiro contrato para a manutenção dos elevadores mas “não teria sequer certificação”.

Em 2022, o critério decisivo para ganhar o concurso para a manutenção dos elevadores da Carris foi ter apresentado o preço mais baixo. Diz a investigação jornalística que “houve concorrentes que contestaram os “preços anormalmente baixos” apresentados pela empresa, alertando para o risco de degradação da qualidade do serviço”. Em causa estava não só este concurso mas outro para manutenção nos STCP onde os valores apresentados por esta empresa foram também mais baixo do que empresas experientes no setor.

Já em 2025, o concurso público para a manutenção dos elevadores, que tinha um preço base de 1,1 milhões de euros, inferior em 600 mil euros, ao valor de 2022, acabou por ser anulado porque nenhuma empresa apresentou uma proposta dentro desse valor. A Carris escolheu então fazer um ajuste direto à Main por mais seis meses até que fosse feito novo concurso.

De acordo com a reportagem, várias “fontes internas da Carris” apontam Joaquim Fraga, da Direção de Manutenção dos Elétricos, e Alberto Francisco, como tendo ligações à Main. Sobre isto, a empresa respondeu: “os membros do Conselho de Administração da CARRIS, não têm qualquer relação de amizade ou pessoal, com qualquer pessoa da MNTC. Nem foram realizadas quaisquer reuniões profissionais com estas pessoas. Relativamente aos restantes trabalhadores da empresa, não nos é possível responder a essa questão”.

No interior da Carris há “silêncio e medo”, afirmam os jornalistas. De acordo com outra fonte citada “instalou-se um clima de perseguição aos trabalhadores” e “a ordem é para que ninguém fale, sobretudo com jornalistas que investigam as causas da tragédia que matou 16 pessoas e feriu mais de 20.”