Carlos Mendes:“Festejo a vida, 50 anos depois de ter começado a cantar”

17 de abril 2016 - 16:37

Anda a percorrer o país com um concerto a que deu o nome “Festa da Vida”. Ao esquerda.net diz que os contratempos nunca o levaram a desistir. Esta terça-feira subirá ao palco do Teatro Tivoli, em Lisboa, onde espera que estejam muitos daqueles que nos últimos tempos lhe têm dito “ainda bem que voltaste”. Por Pedro Ferreira.

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"Comemorar 50 anos de vida artística é para mim um motivo de festa porque não foi fácil chegar até aqui", afirma o músico.

Quando é que começaram estes concertos?

Digamos que ganharam uma característica mais profissional a partir de janeiro deste ano porque fiz um contrato com uma empresa e a gestão do trabalho tem corrido muito bem. Há vários concertos agendados. Estou satisfeito.

Deste o nome de “Festa da Vida” a este projeto que é o título de uma canção já com alguns anos. Há alguma razão especial para esta escolha?

É uma música que tem letra do José Niza e música do José Calvário e que eu cantei, imagine-se, em 1972. Com ela ganhei o Festival da Canção desse ano.

Mas porque é que escolheste este nome?

Comemorar 50 anos de vida artística é para mim um motivo de festa. Devo dizer que não foi fácil chegar até aqui, embora pareça que tudo se passou muito rapidamente. Por outro lado, acaba também por ser uma homenagem ao José Niza, que teve alguma responsabilidade no reinício da minha carreira, precisamente em 1972.

Do ponto de vista musical, como é que caracterizas estes concertos?

São concertos com uma natureza intimista e são muito crus no seu aparato cénico. Em palco estou eu e o piano. Como se costuma dizer sem rede.

No entanto, e no caso do espetáculo do Tivoli e também noutros já agendados como, por exemplo, em Amarante (23 de abril), Olhão (24 abril) , e na Maia (1 de maio) estarei com mais três músicos e também com o Jazzafari, o meu filho. Atrás do palco estará o meu outro filho, o Miguel, a dirigir o som. Posso assim dizer que estou garantido.

E tens músicas novas para apresentar?

Haverá certamente músicas novas, embora a maior parte do concerto seja com temas que já fazem parte do meu percurso musical.

Os concertos têm sido bem recebidos pelas pessoas?

A recepção tem sido excelente. É um reencontro com o público que me continua a acarinhar e a gostar do meu trabalho.

Consegues definir o tipo de público que te vai ouvir?

Não tenho uma noção muito clara, mas pelo que me é dado ver, e sem conseguir ser totalmente rigoroso, são pessoas com idades acima dos 40 anos.

Tens tido convites para espetáculos?

Claro, já estamos a receber convites para o Verão.

E continuas a a compor?

Além das aulas de canto que continuo a dar e a receber estudo diariamente piano (cerca de duas horas) e faço uma hora de exercícios vocais. Respondendo concretamente à tua pergunta, tenho feito muitas canções e por isso tenho muitas músicas guardadas algumas das quais irão integrar o próximo CD de originais.

[caption align="right"]"São concertos com uma natureza intimista e são muito crus no seu aparato cénico. Em palco estou eu e o piano. Como se costuma dizer, sem rede."[/caption]

Desde a última vez que conversámos, muitas coisas mudaram quer em Portugal, quer na Europa. Enquanto homem que não tem receio de expressar as suas opiniões de natureza cívica e política, qual é a tua opinião sobre o país? Há lugar para uma nova esperança?

Devo dizer que tenho muita esperança nesta solução de governo. A ação política está de novo a recentrar-se nos problemas e no bem estar dos trabalhadores e a reverter muito do que se perdeu (salários, pensões etc.) não esquecendo o apoio prometido às pequenas e médias empresas que são a parte essencial do tecido económico do país.

Além disso, a Constituição está a ser respeitada, o que não aconteceu nos últimos anos. Espero que haja força e entendimento para que chegue a bom porto esta nova fase que Portugal está a viver.

Em relação a este cenário político, tens receio que ele falhe?

Todas as situações podem falhar mas, neste caso, o meu receio centra-se num possível desentendimento entre os partidos que apoiam o governo. E ainda desta Europa que teima em seguir o caminho do "quero, posso e mando" ditando as ordens dos ditos “mercados” sem rosto que andam por aí.

A crise económica generalizou-se (Brasil, Angola, China, etc) e a Europa continua vergada à imposição de políticas de austeridade. Achas que conseguiremos resistir?

Neste momento tenho muitas dúvidas sobre a continuidade de certos países na União Europeia, nomeadamente Portugal. A continuação destas políticas de austeridade acabará inevitavelmente por levar à saída de alguns Estados-membros, porque não é possível continuar a por em prática medidas que retiram dignidade às pessoas. Os programas de austeridade falharam e, desta forma, chegará o momento que se dirá basta passando das palavras aos atos. E nessa altura tudo pode acontecer.

[caption align="left"] "A Constituição está a ser respeitada, o que não aconteceu nos últimos anos. Espero que haja força e entendimento para que chegue a bom porto esta nova fase que Portugal está a viver".[/caption]

As políticas europeias para resolver a crise dos refugiados têm sido um fracasso tratando as pessoas como mercadoria. Qual é a tua opinião sobre este assunto?

Ocorre-me apenas uma palavra: vergonha.

Quando é que termina esta tournée musical?

Ainda agora começámos. Não temos previsão, até porque há ainda muito caminho para andar.

Além desta, estás a pensar noutras iniciativas de cariz musical?

Não. Neste momento, além das aulas de canto, estou apenas concentrado nestes concertos e no CD que estou a gravar com canções minhas revisitadas. Além disso, estamos a trabalhar no sentido de redimensionar a minha carreira.

Continua a não haver lugar para músicos com o teu percurso e anos de carreira?

Começo a acreditar que há lugar. Às vezes o público pensa que me afastei por iniciativa própria, ou que estou tão bem na vida que já não necessito de cantar. Acredito que existem alguns, felizmente poucos, que nos querem ver pelas costas e outros que acreditam demasiado nos "mercados". Contudo, quando reapareci, essa memória foi imediatamente reativada e lá está o público presente e satisfeito com o meu trabalho. Alguns dizem mesmo após os concertos "ainda bem que voltaste".

E para os mais novos, os que começam agora?

Não é fácil para os mais novos, sobretudo para os que sentem esta profissão como arte. Para aqueles que a entendem apenas como puro comércio, sem critérios de qualidade o caminho é inquestionavelmente mais fácil.

Significa que a aposta na qualidade é o caminho mais rápido para o fracasso?

Desde os anos 80 que a musica e os autores se vêm a braços com essa palavra que prolifera no  nosso léxico, os fatídicos " mercados". Isto traduz-se na estafada questão: vendes ou não vendes? O artista passou a estar sujeito ao arbítrio de uma empresa que fará dele um produto de venda, tal como um pastel de nata ou uma camisa. É uma realidade com que temos de saber lidar. Por essa razão, perde-se a criatividade, a vontade do artista é sacrificada em prol da vontade e da "criatividade" dos "mercados". É uma luta desigual, a que muitas vezes os mais novos têm de ceder sob pena de ficarem com os seus projetos eternamente adiados. Claro que há soluções para os mais resistentes que podem juntar-se criando sistemas de produção dos seus trabalhos ao arrepio do status quo. Mas é muito difícil, porque é uma luta muito desigual. Mas vale a pena e por isso é preciso dar força à juventude.

Quais são as músicas que nunca deixas de cantar ou que te pedem para cantares?

Entre outras, a “Amélia dos Olhos Doces “, “Alcacer que Vier”, “Ruas da minha Cidade”, “Vagabundo do Mar, “Lisboa meu Amor...” que são indiscutivelmente marcantes no meu percurso.

Se for necessário, ainda dirás que vais cantar para a rua?

Claro que sim. Sou um homem que luta por causas, um ativista por natureza, nunca deixarei que me calem. Por isso, tal como te disse uma vez, se me tirarem o palco, farei da rua o meu palco".