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BlueLeaks: TikTok entrega informação de utilizadores às autoridades dos EUA

O jornal online The Intercept analisou um arquivo de documentos intitulado BlueLeaks que confirma que a rede social partilha sistematicamente informação com as autoridades norte-americanas.
BlueLeaks revela o que a TikTok partilha com as autoridades dos EUA. Fonte: TheIntercept.com
BlueLeaks revela o que a TikTok partilha com as autoridades dos EUA. Fonte: TheIntercept.com

Recentemente, Donald Trump promulgou uma ordem executiva banindo as operações do TikTok, uma rede social com sede em Beijing, devido a preocupações sobre o acesso aos dados pessoais de cidadãos americanos por parte das autoridades chinesas.

Documentos revelados pelo The Intercept confirmam que, de facto, a empresa mantém relações estreitas com o governo e o Partido Comunista Chinês. Mas também com as forças de segurança e informação dos Estados Unidos da América.

Os EUA não têm a mesma relação de controlo e censura com as empresas digitais que o governo chinês estabelece com o TikTok, mas os métodos utilizados pela administração Trump para lidar com os protestos #BlackLivesMatter ecoa os métodos utilizados em Hong Kong pelo Partido Comunista Chinês.

O governo liderado pelo Partido Comunista Chinês mantém um controlo e censura apertada sobre as redes sociais e os seus utilizadores a partir de Beijing, com o governo a investir significativamente em tecnologias de inteligência artificial para monitorizar e manipular a opinião pública. Mas a violação sistemática da privacidade acontece igualmente nos EUA.

Segundo o The Intercept, os documentos que fazem parte do arquivo BlueLeaks foram obtidos por hackers com ligações aos Anonymous e publicados pelo coletivo Distributed Denial of Secrets. Entre vários assuntos, os documentos comprovam que a TikTok entrega informação às autoridades norte-americanas de forma rotineira. Peritos contactos pelo Intercept confirmam que a informação entregue iguala o que empresas norte-americanas como a Amazon, Facebook, Twitter ou Google entregam regularmente às autoridades federais, informação que não respeita regras de privacidade.

O TikTok, tal como o Twitter ou Facebook, foi amplamente utilizado pelas autoridades norte-americanas para espiar cidadãos que participaram nos protestos do #BlackLivesMatter, após a morte de Goerge Floyd a 25 de maio. Um relatório do FBI, de 2 de junho, intitulado Civil Unrest May 2020 Situation Report [Desobediência Civil, Maio de 2020, Relatório de Situação], coloca o TikTok como uma das redes sociais utilizadas para promover “atos potenciais de violência”. Na ausência de exemplos concretos de violência física, o documento aponta para a identificação de polícias não identificados nas ruas como atos agressivos.  

Os documentos, analisados pelo Intercept, revelam também que há dois representantes da ByteDance com endereços de e-mail bytedance.com registados no Northern California Regional Intelligence Center [Centro de Informação Regional do Norte da Califórnia], um centro dedicado a acompanhar a área de Silicon Valley, onde todas as multinacionais digitais têm sede.

O número de pedidos de informação que a TikTok diz receber das autoridades é menor do que outras empresas digitais, o que estará mais relacionado com o facto das autoridades estarem mais habituadas a trabalhar com empresas norte-americanas.

No seu relatório bianual da transparência, a TikTok enumera os requerimentos das autoridades. Na segunda metade de 2019, por exemplo, a empresa recebeu 100 requerimentos oficiais relativos a 107 eventos. A TikTok entregou informação para 82% destes casos. Por seu lado, o Facebook declarou ter recebido 51,121 requerimentos no mesmo período, tendo entregado a informação em 88% dos casos.

Nos documentos analisados pelo The Intercept, comprova-se que a TikTok entregou múltiplos endereços, informação sobre os dispositivos móveis utilizados para utilizadores se registarem nas redes sociais, números de telemóvel, e identificações de acesso ao Instagram, Facebook ou Google, utilizadas para login e publicações de conteúdos.

Não é possível confirmar se esta informação foi entregue como resposta a mandatos judiciais ou outros requerimentos e a empresa não entregou quaisquer detalhes, invocando a privacidade dos seus procedimentos.

Qualquer empresa está obrigada a entregar informação sob mandato dos tribunais. Mas o que incluem na informação entregue pode variar drasticamente. Têm também o direito a contestar os requerimentos de informação, mas é raro levarem estes casos a tribunal.

A informação entregue pela TikTok abrange desde influencers com milhares de seguidores, até utilizadores com redes fechadas de amigos. A Intercept contactou alguns dos utilizadores cuja informação foi entregue às autoridades que reveleram total desconhecimento sobre o sucedido, violando uma das regras para com os utilizadores. A entrega voluntária de informação das empresas diretamente às autoridades sem notificar o utilizador só pode acontecer em situações de emergência, com ameaças credíveis à integredidade física do utilizador.

A TikTok está a dar vários passos para se distanciar das suas origens chinesas, tendo contratado um executivo da Disney para CEO, bem como lobistas próximos de Donald Trump, e prometendo 10 mil postos de trabalho nos EUA. Sucede que essa expansão se faz sentir sobretudo na cooperação com as autoridades, tendo reforçado a equipa que acompanha as forças federais na sua sede de Los Angeles.

A ByteDance estabeleceu recentemente uma parceria com um grupo de comunicação estatal, deixando em aberto a possibilidade da sua tecnologia ser utilizada para propaganda.

A política de privacidade do TikTok confirma que a empresa pode utilizar informação do utilizador com “uma parceira, subsidiária ou outra filiada ou corporação”. A empresa tem censurado sistematicamente discurso político que não seja favorável ao governo chinês, incluindo vídeos de protestos em Hong Kong ou sobre o internamento forçado de milhões de Uigures em campos de trabalho e reeducação política.

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