Num debate entre duas forças políticas que habitualmente convergem na grande maioria das votações do Parlamento, o moderador começou por tentar que Paulo Raimundo e Mariana Mortágua expusessem os temas que os separam logo a abrir o frente-a-frente. Ambos sublinharam o passado de convergência, mas não deixaram a questão sem resposta. Paulo Raimundo apontou a extinção do SEF como uma das medidas que o Bloco defendeu e o PCP não, enquanto Mariana Mortágua respondeu que lhe custa ver que o PCP não se levanta para defender o direito à eutanásia ou as leis de paridade.
Selecionadas as divergências, o debate prosseguiu para as propostas fiscais com vista à redução das desigualdades e logo aí surgiu outra divergência, mais inesperada. Mariana Mortágua apresentou a proposta do Bloco para taxar os milionários, neste caso “os 0,05% mais ricos” do país, uma medida que a Tax Justice Network calculou que pode render mais de três mil milhões de euros aos cofres do Estado. “Se alguém me disse que isto não é um imposto justo, não sei o que será um imposto justo. Certamente não será o IVA que as pessoas pagam na eletricidade”, afirmou a coordenadora do Bloco.
Na intervenção seguinte, Paulo Raimundo comentou esta proposta de taxar os mais ricos afirmando que “é um caminho, mas não precisamos de ir tão longe” e defendendo que há recursos no Orçamento do Estado suficientes para produzir o mesmo resultado. Deu o exemplo dos 1700 milhões em benefícios fiscais a não residentes, os mais de 1000 milhões em PPP rodoviária e ou a receita perdida com a descida do IRC que “pagava a rede pública de creches”.
No tema da habitação, o líder do PCP disse que a origem do problema é que “não tivemos um governo com coragem e é isso que precisamos”. Quanto a soluções, além de um governo com coragem, diz que a crise da habitação “não é simples de resolver de um dia para o outro: precisamos de investir para construir, remodelar, atacar o problema das rendas, dar estabilidade aos contratos de arrendamento”.
“Teto às rendas resolve o que mais nenhuma medida resolve, que é baixar o preço das rendas agora”
Por seu lado, Mariana Mortágua insistiu na proposta de criar tetos às rendas. Uma medida que “não resolve tudo, mas resolve o que mais nenhuma medida resolve, que é baixar o preço das rendas agora”. E recorreu ao anterior debate com o líder do PS para concluir que “esperar que a construção de faça, como propõe Pedro Nuno Santos, é desistir das pessoas”.
“O teto às rendas resulta e consegue baixar o preço das casa já, para esta geração. Vai ser preciso construir, reduzir o alojamento local, parar construção de hotéis em cidades saturadas, alocar e reabilitar património público, combater o mercado informal. Mas essas propostas demoram tempo e as pessoas precisam de uma casa hoje, não é daqui a 15 nem 20 anos”, prosseguiu.
No tema da imigração, Paulo Raimundo começou por reconhecer que “Portugal é um país de recursos limitados” para a seguir perguntar “Se os imigrantes que cá estão trabalhar se fossem embora, o que sobraria da economia?”. Pegando na sua proposta de construção de habitação, diz que “não temos gente para trabalhar”, pelo que “ou olhamos isto como a realidade que é ou estamos a falar de um país que não existe”.
Mariana Mortágua aproveitou o tema para regressar à divergência colocada por Paulo Raimundo no início do debate e explicar a razão de o Bloco ter defendido o fim do SEF: “A imigração não é um crime, não precisa de uma força policial mas de meios administrativos”. Recordou ainda o contexto da medida, na sequência da morte de um imigrante ucraniano à guarda do SEF no Aeroporto de Lisboa. Em seguida, afirmou que a AIMA, criada para suceder ao SEF na parte administrativa, “não funcionou”, não sendo isso razão para dizer o mesmo do mecanismo da manifestação de interesse.
“É uma enorme hipocrisia dizer que não há integração de imigrantes quando não se dá duas coisas básicas: acesso aos serviços públicos e documentos”, afirmou a coordenadora bloquista, atribuindo a deriva recente do Governo e do PS ao que chamou de “tanque ideológico da extrema-direita que arrastou os grandes partidos para a direita”.
Russos no porto de Leixões, americanos nos Açores: o “papão” das invasões fechou o debate
Sobre cenários pós-eleitorais, Mariana Mortágua mantém disponibilidade para discutir com os deputados da esquerda as propostas que leva a esta campanha para baixar as rendas, uma política fiscal justa e a defesa dos trabalhadores por turnos. E chamou a atenção para “a viragem à direita do PS nesta campanha, à espera de ter mais um deputado que o PSD para que este lhe viabilize o governo”.
Para Paulo Raimundo, o que está em causa nesta campanha não são só os casos que envolvem Luís Montenegro - com quem teve oportunidade de debater na tv, ao contrário da coordenadora do Bloco -, mas sim as consequências da política do Governo, pois “o que está na calha é a privatização da saúde e meter a mão na Segurança Social”.
O clima político internacional, com os apelos europeus ao aumento da despesa com armamento, voltou a colocar os dois candidatos em acordo. A quem a acusa de “ingenuidade”, nas palavras do moderador, Mariana respondeu que “ingenuidade é achar que o mundo não mudou, que a Europa que exporta armas e tem um arsenal muitas vezes superior ao da Rússia, que está indefesa e que os russos nos vão invadir pelo porto de Leixões”.
Paulo Raimundo complementou esta imagem, afirmando que “devemos estar tão preocupados com a invasão dos russos no porto de Leixões como com a dos americanos nos Açores”. E reafirmou a “posição de clareza sobre os acontecimentos na Ucrânia, que não começaram em 2022 mas em 2014”.