Autonomia corporal das mulheres recua no mundo segundo relatório da ONU

17 de abril 2024 - 17:11

O documento da UNFPA sublinha que mulheres e meninas portadoras de deficiência, migrantes e refugiadas, minorias étnicas, pessoas LGBTQIA+, pessoas que vivem com o VIH e castas desfavorecidas enfrentam maiores riscos para a saúde sexual e reprodutiva e um acesso desigual aos cuidados de saúde sexual e reprodutiva.

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Pormenor da capa deste relatório.

O relatório sobre a Situação da População Mundial em 2024 da agência da ONU para a saúde sexual e reprodutiva, a UNFPA, intitulado Vidas Entrelaçadas, Fios de Esperança: Acabar com as desigualdades em matéria de saúde e direitos sexuais e reprodutivos e publicado esta quarta-feira, conclui que há retrocessos no mundo ao nível do sexismo, racismo e outras formas de discriminação.

Percebe-se nele que o mundo continua marcado por fortes desigualdades e que mulheres e raparigas de grupos minoritários, racializados e indígenas, ou que vivam em zonas de conflito, têm mais probabilidade de morrer por falta de cuidados de saúde.

O documento assinala que muitas mulheres continuam sem acesso a contracetivos, a partos seguros, cuidados de maternidade adequados. Assim, “os grandes ganhos globais em matéria de saúde e direitos sexuais e reprodutivos nos últimos 30 anos estão manchados por uma dura verdade: milhões de mulheres e meninas não beneficiaram desse progresso por serem quem são ou por terem nascido onde nasceram”.

Isto significa que as melhorias “beneficiaram, sobretudo, as mulheres mais ricas e as que pertencem a grupos étnicos que já tinham um melhor acesso aos cuidados de saúde”. E que “as mulheres e as meninas portadoras de deficiência, os migrantes e os refugiados, as minorias étnicas, as pessoas LGBTQIA+, as pessoas que vivem com o VIH e as castas desfavorecidas enfrentam todos maiores riscos para a saúde sexual e reprodutiva e também um acesso desigual aos cuidados de saúde sexual e reprodutiva”.

Em 40% dos países sobre os quais há dados disponíveis a autonomia das mulheres sobre o seu próprio corpo está a diminuir. Há 800 mulheres que morrem a cada dia durante o parte, um quarto das mulheres não pode recusar sexo ao parceiro e uma em cada dez não pode decidir sobre contraceção.

Face à dureza destes números, a diretora executiva da UNFPA, Natalia Kanem, contrapõe uma nota de esperança: “no espaço de uma geração, reduzimos a taxa de gravidez indesejada em quase um quinto, diminuímos a taxa de mortalidade materna em um terço e aprovámos leis contra a violência doméstica em mais de 160 países”. Reconhece que “o nosso trabalho está incompleto mas com investimento sustentado e solidariedade global não é impossível”.

Ao Diário de Notícias, Mónica Ferro, do escritório do Fundo das Nações Unidas para a População em Londres, explica que há um sentimento misto há volta do que é descrito no relatório: “por um lado queremos celebrar as imensas conquistas e sucessos desde há 30 anos (quando foi desenhado, no Cairo, este programa que colocou pela primeira vez a saúde sexual e os direitos reprodutivos das pessoas no coração do desenvolvimento global), por outro há preocupação e uma certa estupefação com a desigualdade, com a falta de progresso em muitas comunidades.”

Por outro, “custa-me ver de uma forma tão nua e crua as comunidades que têm sido deixadas para trás, as desigualdades”, o que “significa que nós não temos conseguido desmontar as barreiras sistémicas que nos impedem de chegar a estas pessoas, que ficaram ainda mais para trás do que estavam”.