NERMEEN SHAIKH: Membros da Global Sumud Flotilla prometem continuar os seus esforços para quebrar o cerco de Israel à Faixa de Gaza, depois de dois dos navios do grupo terem sido alvo de aparentes ataques com drones enquanto estavam atracados na Tunísia. Depois de inicialmente minimizar os ataques, o Ministério do Interior da Tunísia disse na quarta-feira que foram, citação, «atos premeditados», mas não nomeou nenhum suspeito. Ativistas implicaram diretamente Israel.
Entre os passageiros a bordo da flotilha está a ativista climática sueca Greta Thunberg, que foi detida por Israel em junho, quando as forças israelitas invadiram uma flotilha anterior com destino a Gaza.
GRETA THUNBERG: O genocídio está a ser possibilitado e alimentado pelos nossos governos, nossas instituições, nossas empresas, nossos representantes eleitos, que deveriam nos representar. Acabem com a sua cumplicidade!
AMY GOODMAN: Outro passageiro da flotilha é o neto do falecido presidente sul-africano Nelson Mandela, o deputado sul-africano Mandla Mandela.
MANDLA MANDELA: Vir de longe, da África do Sul, para participar nisto é realmente uma alegria poder mais uma vez zarpar e ir quebrar o bloqueio em Gaza e acabar com o cerco, que já dura há 18 anos. E esperamos que seja recebido como tal, porque somos um povo pacífico. Não representamos nenhuma ameaça. Estamos a levar ajuda humanitária para os nossos irmãos e irmãs em Gaza.
AMY GOODMAN: Temos agora dois convidados. No barco no porto está Mariana Mortágua, deputada portuguesa e economista. E temos connosco Saif Abukeshek, um ativista palestino radicado em Barcelona, que organiza a solidariedade palestina em toda a Europa há 20 anos e foi um dos principais organizadores da Marcha Global para Gaza.
Sejam ambos bem-vindos ao Democracy Now! Vamos começar com a deputada portuguesa, que está agora connosco. Mariana Mortágua, porque está no barco? Explique o que aconteceu com esses dois ataques e o que você acredita que aconteceu.
MARIANA MORTÁGUA: Estou no barco porque acho que, se os governos, os nossos governos, não estão a fazer nada para impedir o genocídio e quebrar o cerco, então a sociedade civil tem que se organizar. E sinto que, como membro do Parlamento, é meu dever fazer isso. É meu dever estar aqui e ajudar de todas as formas que puder para chamar a atenção para a situação em Gaza e para o genocídio, e para quebrar o cerco.
Flotilha para Gaza
Governo da Tunísia já admite “agressão premeditada” à flotilha
Como sabemos, muitas flotilhas antes desta foram de alguma forma atacadas pelas forças israelitas, seja através de ataques com drones antes de partirem, ou foram intercetadas, ou através de sabotagem burocrática. O que sabemos é que nos dois últimos dias, dois dos nossos barcos foram atacados. Um deles é o barco em que estou agora, chamado Family Boat, e foi atacado quando um dos meus camaradas de Portugal estava no barco e viu o drone e viu o fogo que veio do drone e atacou o barco. No dia seguinte, eu estava no barco e vi o outro ataque ao barco Alma, que estava mesmo à nossa frente. Estes ataques foram feitos em águas tunisinas. Estávamos ancorados nos portos da Tunísia.
E sabemos quem tem interesse em impedir estas flotilhas, em impedir esta missão a Gaza. E também estamos muito conscientes do facto de que Israel fez isto ao mesmo tempo que estava a deslocar 1 milhão de pessoas em Gaza. Portanto, há estas táticas que eles usam o tempo todo para mudar a atenção, para desviar o olhar de Gaza para a flotilha, da flotilha para o Qatar. E eles estão a usar isto para desviar a atenção de Gaza. E queremos voltar a colocar a atenção lá. Portanto, há 1 milhão de pessoas a serem deslocadas na cidade de Gaza neste momento e a serem bombardeadas neste momento.
NERMEEN SHAIKH: Saif, pode comentar? Fez parte da Marcha Global para Gaza no início deste ano. Fale sobre o significado, a importância destas repetidas tentativas de quebrar o cerco israelita a Gaza.
SAIF ABUKESHEK: Bem, quero dizer, vemos a cumplicidade de tantos governos no genocídio, no bloqueio em torno de Gaza e, é claro, no apoio à ocupação israelita durante os últimos 78 anos. Sem a sociedade civil a pressionar esses governos, não conseguiremos nenhum avanço para as pessoas, para os cidadãos que vivem lá.
Vimos como o governo espanhol tomou a decisão de um embargo, um embargo militar, que irá impedir qualquer tipo de tratamento militar com Israel. Este é o caminho a seguir, e isso só acontece através da mobilização.
Em junho, mobilizámos três movimentos — por terra, em comboio a partir do Norte de África; por mar, com o Madleen; e depois por ar, com mais de 4000 pessoas vindas de mais de 80 países para o Egito, para tentar pressionar os governos cúmplices na sua participação no genocídio.
Temos de continuar a trabalhar. Não há uma missão ou campanha que tenha um impacto direto nos resultados. Mas acredito que o trabalho de solidariedade é um processo cumulativo que temos de construir. Temos de mobilizar pessoas em todo o mundo. Temos de pressionar os governos, porque essa é a única maneira de Israel ouvir e parar os seus crimes. Esses governos estão a permitir que Israel continue.
NERMEEN SHAIKH: E, Mariana Mortágua, você é uma deputada portuguesa. Pode falar sobre o efeito que acha que estas tentativas, as flotilhas, a Marcha Global, estão a ter nas pessoas, nos cidadãos comuns em Portugal e, sabe, em toda a Europa?
MARIANA MORTÁGUA: Sim, acho que o principal objetivo da flotilha, além de quebrar o cerco e abrir um corredor humanitário para Gaza, é mostrar às pessoas que Gaza é um lugar real. Não é um local abstrato. Gaza existe. Está lá. Pessoas reais vivem lá e vivem sob ataque, apesar do facto de os nossos governos fingirem que nada está a acontecer e que Israel não está a violar o direito internacional todos os dias na Palestina, mas também a atacar estas flotilhas humanitárias.
Portanto, uma das consequências destas flotilhas é tentar fazer com que os nossos governos tomem uma posição, tentar pressionar a Comissão Europeia, as instituições europeias a tomarem uma posição. É lamentável que precisemos de cidadãos europeus e parlamentares europeus em barcos rumo a Gaza para que os nossos governos digam algo sobre Israel. É lamentável que precisemos de um barco português com bandeira portuguesa a ser atacado com cidadãos e parlamentares portugueses a bordo, por alguns — não diria que o drone não tem bandeira, mas sabemos quem tem interesses e quem ganha com estes ataques. E é lamentável que precisemos disso para que o governo português diga algo sobre o genocídio e diga algo sobre Gaza.
Mas se é isso que é preciso, então continuaremos com a flotilha para abrir o corredor humanitário e garantir que todos os governos do mundo tenham de dizer algo sobre o genocídio. Eles têm de reconhecer o genocídio.
AMY GOODMAN: Mariana Mortágua, queremos agradecer muito por estar connosco. É deputada portuguesa a bordo de um dos barcos que fazem parte da flotilha que espera desafiar o cerco de Israel a Gaza. E Saif Abukeshek, ativista palestiniano radicado em Barcelona. Ambos participam na Global Sumud Flotilla.
Transcrição da entrevista publicada a 10 de setembro no programa Democracy Now!