Várias mulheres contam histórias de assédio sexual vividas no Caminho de Santiago. Afirma-se a existência de um problema “endémico” nos percursos de Espanha, Portugal e França enfrentado por mulheres que sigam sozinhas.
Ao Guardian, nove mulheres falaram da sua experiência “aterradora”. Casos que sucederam nos últimos cinco anos mas que ecoam outros que têm acontecido ao longo dos tempos.
Sete delas contam que encontraram homens em Espanha e Portugal que se masturbaram ou tocaram à sua passagem. Um deles perseguiu a peregrina depois disso. Outra disse que teve de se esquivar a toques indesejados e comentários obscenos de vários homens. Uma última afirmou que houve um homem que a tentou fazer entrar numa carrinha em troços remotos do Caminho de Santiago. Seis dos casos foram reportados à polícia mas apenas num deles o agressor foi identificado.
Estes casos não surpreendem quem conhece o que se passa no terreno. Lorena Gaibor, fundadora do Camigas, um fórum online de mulheres sobre esta via de peregrinação explica que “o assédio sexual é endémico no Caminho. É muito comum. Todos os malditos anos recebemos relatos de mulheres a vivenciar as mesmas coisas”.
Johnnie Walker, administrador de outro fórum, o Camino de Santiago All Routes Group, com 450.000 membros, confirma que à medida que o número de peregrinos cresceu também cresceram relatos de exibicionistas e defende que o tema “precisa de ser abordado de forma mais enérgica e coerente em todo o país.”
Em 2015, a questão da segurança das mulheres que fazem este percurso tornou-se mediática depois do desaparecimento de Denise Thiem, uma cidadã norte-americana, em Leão. Já então tinham vindo a público vários testemunhos neste sentido. Depois disso, em 2018, uma venezuelana foi raptada e violada por dois homens. No ano a seguir, um homem de 78 foi preso e acusado de raptar e tentar violar uma alemã. O ano, outra mulher da mesma nacionalidade foi retida contra sua vontade e sofreu uma tentativa de abuso sexual, o agressor foi preso.
A polícia portuguesa confirma que, desde o ano passado, houve já cinco queixas de casos de exibicionismo. Nenhum foi identificado. As polícias espanhola e francesa não apresentaram dados.
Uma segunda reportagem do mesmo jornal detalha algumas destas agressões. Rosie, de 25 anos, foi uma das mulheres que relatou um caso em Portugal. Sozinha, num caminho rural, perto de Tomar, encontrou um homem sem calças a masturbar-se para ela ver e seguindo-a. Fugiu o mais depressa que pôde e tentou ligar à polícia. Primeiro não teve rede, depois foi aconselhada a ligar para a polícia local. Esta não atendeu a sua chamada nessa altura. A experiência foi “aterradora”. “Senti-me completamente sozinha nessa altura”, realça, tendo de lidar com “este enorme problema de segurança”. Só dias mais tarde conseguiu explicar numa esquadra o que se tinha passado a um agente policial que falava inglês. Quando partilhou o sucedido, outras mulheres disseram-lhe ter vivido casos semelhantes: “estava a acontecer em todo o lado ao nosso redor” mas continua a ser “visto como um incidente isolado”.
Com Sara Dhooma, uma canadiana, isto aconteceu em Mieres em 2019. Quando reparou que um homem a seguia, fugiu para um café. Passado algum tempo, quando saiu e retomou caminho, o mesmo homem estava à sua espera mais à frente no caminho, abriu o fecho das calças, mostrou-lhe os genitais e avançou para ela. “Estava horrorizada”, fugiu e foi perseguida até conseguir alcançar uma casa. Neste caso, o homem foi identificado. Soube-se que tinha uma faca e balas na sua mochila e que já tinha sido condenado por violação.
Outra canadiana, Martine Bergeron, de 61 anos, em maio do ano passado, foi abordada por um homem completamente nu entre Lezama e Bilbo. Fugiu a correr. Agora sente que nunca mais foi a mesma depois disto.
Os outros casos têm aspetos semelhantes. Yasmina, de 27 anos, enfrentou um homem que se masturbava à sua passagem perto de Astorga. A perspetiva de ser alguém que fazia o mesmo percurso atormentou-a tanto que decidiu apanhar um voo para casa. Jolien Denyayer, de 27 anos, denuncia que a polícia nada fez depois de, no ano passado, ter ligado três vezes a contar que encontrou um homem a masturbar-se à sua passagem em Logroño.