Pequenos grandes nadas

porMarisa Matias

Um dado parece adquirido: foi a maior Greve Geral de sempre tanto no sector público como no privado.

30 de novembro 2011 - 18:57
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A última Greve Geral teve como singularidade juntar sindicatos e outros movimentos, entre eles os dos precários e dos indignados. Nas ruas, juntou trabalhadores e quem não tem trabalho: os com contrato, os 'a recibo verde', os assim-assim, os desempregados. Houve sectores que foram fortes e outros que foram menos fortes, já o sabemos. Mas um dado parece adquirido: foi a maior Greve Geral de sempre tanto no sector público como no privado. É esta mesma singularidade que coloca questões às contas da sempre previsível contabilidade do dia... e escuso-me de comentar os números fantasiosos do governo.

Voltando às contas: como é que se contam os que não cabem nos números do dia? Falo dos que nunca tiveram emprego e não têm perspetiva de vir a tê-lo num futuro próximo. Falo dos que, tendo emprego, não têm contrato de trabalho e, por isso mesmo, por muitas greves que façam, nunca hão-de ter o direito de não picar o ponto. Os primeiros não cabem efetivamente nos números da greve, mas os segundos deveriam lá estar. Há, desde logo, uma lição a tirar: não há contabilidade que funcione quando o trabalho com vínculo e o trabalho precário saem juntos à rua. Não se contam, mas estão lá. Dir-se-á: ' o que esses fizeram não foi bem greve, trabalham por conta própria ou não fazem parte da regularidade'. Pois é, mas é de muitos dos 'não empregos regulares' que é feito o mercado de trabalho em Portugal.

A austeridade, que outra virtude não tem, teve o poder de unir todos os trabalhadores e trabalhadoras, com ou sem direitos de papel passado. Uns e outros estão a perder, estamos todos a perder. Os muitos milhares de contratados que aderiram à greve deram um sinal fortíssimo de recusa do medo e da chantagem, deram a cara pela luta numa altura em que se lhes pede 'serenidade'. Bem sabemos que o medo de represálias não é exclusivo dos chamados regimes não democráticos. Estamos num momento em que a reivindicação pelos direitos laborais se faz por via quer dos chamados 'velhos movimentos sociais', os sindicatos, quer por via de outros movimentos que, pelas suas características, se enquadrariam no quadro dos chamados 'novos movimentos sociais'. Tempos interessantes estes, saibamos estar à altura deles. Se é verdade que à luz dos números, os precários que aderiram à greve não contaram 'nada' para as estatísticas finais, e independentemente delas, a sua adesão fez a diferença. É, afinal, dos pequenos 'nadas' que muita da vida se faz e se abrem portas para a transformação social.

Artigo publicado no jornal “As Beiras” de 26 de novembro de 2011

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