Grécia: redes de solidariedade e intervenção política

25 de January 2015 - 11:15

A reportagem do Esquerda.net visitou um dos muitos centros sociais que se organizam por iniciativa autónoma para responder aos efeitos da crise. São organismos que podem vir a ser o suporte para o governo do Syriza quando ele necessitar de entrar em confronto com as antigas estruturas. Por Catarina Príncipe, Nuno Moniz e Ricardo Sá Ferreira.

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Confrontados com a pergunta se querem continuar com o trabalho até aqui realizado depois das eleições de domingo, a resposta é sempre “sim, vamos continuar”. Foto de Catarina Príncipe
Confrontados com a pergunta se querem continuar com o trabalho até aqui realizado depois das eleições de domingo, a resposta é sempre “sim, vamos continuar”. Foto de Catarina Príncipe

Sábado é dia de reflexão, domingo é dia de mudança. Mas este sábado foi de ação.

É certo que hoje o Syriza não fez campanha, mas a sua tenda central na Praça Klaftoumono estava ainda mais cheia do que nos dias anteriores.

Fomos visitar um centro social de solidariedade em Galatsi que existe há cinco anos para responder aos efeitos da crise. O centro organiza várias atividades desde as mais culturais (que segundo aqueles e aquelas que dirigem o centro são essenciais para as pessoas que estão em situações mais vulneráveis), línguas, creche para as crianças do bairros e para as famílias mais carenciadas, mas também acolhe na sua cave uma pequena fábrica de sabonetes.

[caption align="left"]A pequena fábrica de sabonetes mantida por desempregados de Galatsi. Foto de Catarina Príncipe.[/caption]

Todos os materiais desta fábrica foram montados e produzidos por desempregados do bairro de Galatsi e utilizam apenas produtos que são comprados nos mercados sem intermediários. Depois da confecção dos sabonetes, estes são vendidos sem intermediários com o fim de financiar tanto o centro, como as necessidades básicas dos desempregados do bairro.

Para além disso, este centro social apoia uma farmácia social que distribui medicamentos às famílias mais necessitadas. Recebem cerca de 150 pessoas por semana, em grande maioria pessoas com doenças crónicas mas sem seguro social de saúde, que lhes permita aceder aos cuidados médicos mais básicos. Tal como na clínica que visitámos anteriormente, muitas vezes os hospitais públicos enviam doentes que têm apenas acesso ao seguro de saúde mais elementar às farmácias sociais, dado que os orçamentos para os hospitais públicos não lhes permitem financiar os medicamentos necessários para as doenças mais complexas. Esta farmácia social, tal como o centro social, aceitam apenas donativos em géneros porque, dizem, o dinheiro aliena as relações humanas. Esta iniciativa é apoiada tanto pelas associações de pais da freguesia como pelo sindicato dos professores e todas as decisões são tomadas em assembleia. 

Este centro social participa e organiza um mercado sem intermediários todas as semanas. A intenção é permitir a produtores venderem os seus produtos diretamente aos consumidores, o que significa para ambos mais ganho e menos despesa. Estimam que os preços dos produtos mais básicos (farinha, açúcar, arroz, feijões, leite, manteiga, azeite...) custem metade do preço do supermercado. Desde que começaram este mercado, já venderam mais de 600 toneladas de comida a mais de 5 mil famílias.

Redes de solidariedade e intervenção política

Uma das semelhanças que encontrámos em todas as iniciativas populares e solidárias que visitámos, é o entendimento de que estas iniciativas não pretendem ser de caridade, mas sim de solidariedade. Isto significa que o interesse não é apenas resolver os problemas diários das populações mais afetadas pela crise, mas também comunicar, na prática, que os problemas sociais como a pobreza, a fome, o desemprego, não podem ser resolvidos individualmente. Todas estas iniciativas mantém um carácter autónomo, sempre com a ideia de organizar e consciencializar politicamente todos e todas aquelas que intervém nas iniciativas de solidariedade. Confrontados com a pergunta se querem continuar com o trabalho até aqui realizado depois das eleições de domingo, a resposta é sempre “sim, vamos continuar”.

Todas estas iniciativas mantém um carácter autónomo, sempre com a ideia de organizar e consciencializar politicamente

Afirmam que a vitória do Syriza é a única esperança para acabar com a crise humanitária mas que num primeiro momento, estas estruturas continuarão a ser essenciais para dar resposta às populações mais pobres. Para além disso, pretendem continuar de forma cooperativa a criar e melhorar estruturas que não só envolvam politicamente mais pessoas, como também possam ser o suporte para este governo quando ele necessitar de entrar em confronto com as antigas estruturas.