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A vez do interesse público

Os especuladores da dívida têm ainda muito para saquear até chegar aos níveis de remuneração de capital conseguidos nas parcerias público-privadas contratualizadas pelos governos PS e PSD dos últimos 20 anos. Artigo de Jorge Costa.
A gestão do Hospital de Braga foi entregue ao Grupo Mello, responsável pela gestão desastrosa do Hospital Amadora-Sintra. Foto de Hugo Delgado, Lusa.

Não tem faltado quem chore lágrimas de crocodilo ao assistir à sangria da especulação com os títulos da dívida. Também não falta quem aponte o dedo a nebulosos agiotas internacionais, que arrecadam o fruto do assalto às vítimas da austeridade.

Cabe lembrar que um terço dessa dívida – e dos ganhos de agiotagem que ela gera – está nas mãos de banqueiros portugueses, que recebem empréstimos do BCE a 1% para aplicar em títulos a 5 e a 10 anos com remunerações de quase 8%. Não se devia esgotar a indignação na especulação "internacional": é cá dentro que actuam alguns dos piores agiotas.

Pois bem, esses especuladores têm ainda muito para saquear até chegar aos níveis de remuneração de capital conseguidos nas parcerias público-privadas contratualizadas pelos governos PS e PSD dos últimos 20 anos. Os que se espantam com a especulação com a dívida portuguesa, deviam olhar para as taxas de dois dígitos oferecidas aos agiotas a que o Estado português chama "parceiros".

O Bloco de Esquerda tem defendido a limitação das taxas de remuneração de capital dos agiotas-parceiros ao valor da taxa de juro média paga aos compradores de títulos da dívida no ano anterior. Essa medida moderada causa o maior escândalo nas hostes do bloco central. Afinal, foi dali que nasceram os contratos leoninos a que se submeteu o Estado português, bem como as renegociações desses contratos, agravando sempre o interesse público. É ainda o bloco central que, em plena crise das finanças públicas, mantém aberta esta veia por onde centenas de milhões de euros, em cada ano, se perdem (Estado) e se ganham (grupos económicos).

A história das parcerias público-privadas é a de uma profunda promiscuidade entre governos e conselhos de administração destes grupos económicos. Em ambos os lados desta promiscuidade, encontramos muitas vezes os mesmos protagonistas: os concedentes e parceiros públicos de ontem são os concessionários e parceiros privados de hoje. Entre os ministros e secretários de Estado dos sectores estratégicos - saúde, obras públicas e transportes, economia, finanças - (ver lista aqui), vamos encontrar expoentes dos "parceiros" privados do Estado.

As PPP são uma factura milionária, passada por governantes megalómanos e em trânsito para os mesmos grupos privados aos quais ofereceram rendas de várias décadas. Mas diz-nos o bloco central que cometeu estes desvarios: agora está feito, é irreversível, é uma questão de “responsabilidade do Estado”.

A vez do interesse público

O país atravessa um contexto excepcional, uma gravíssima recessão da qual só sairá com rupturas profundas, a fazer pelos trabalhadores de hoje, em seu nome e dos que ainda não nasceram mas já são esperados por décadas de encargos insuportáveis. Não há democracia, e muito menos “responsabilidade do Estado”, quando governantes tomam decisões que transcendem os recursos nacionais, o alcance dos seus mandatos e mesmo o das suas vidas.

O interesse público não coincide com esta “responsabilidade do Estado” que só quer manter os interesses rentistas privados. Aliás, esses privados reconhecem bem tal “responsabilidade do Estado”, porque sempre tiveram no Estado um cúmplice do seu próprio roubo. É por isso que o Bloco defende que os grupos económicos beneficiários destas rendas devem ser obrigados a uma renegociação de base, que parta da promiscuidade na negociação destes contratos e das suas exorbitantes taxas de remuneração para introduzir o interesse público e dos contribuintes neste processo, mesmo a posteriori e em condições mais difíceis.

Como se verificou no caso dos contentores de Alcântara, decisões erradas e completamente “irreversíveis” podem afinal ser paradas ou minoradas nos seus danos. Essa é a verdadeira “responsabilidade de Estado” que deveria ser cumprida. Mas para isso é necessário acabar com a maioria PS-PSD: um dos negociadores do orçamento do Estado para 2011 pela parte laranja argumentou por uma comissão “para repensar e reavaliar” todas as PPP ainda não adjudicadas. Ao lado de Eduardo Catroga (PSD/grupo Mello), dizia este negociador: “a questão não é dizer se lança ou não novas PPP, mas sim que, após esse lançamento, todas terão que passar pelo crivo da comissão”. The show must go on...

O bloco central trouxe-nos ao buraco onde nos encontramos. Já chega. A opção por PPP em Portugal deve passar à história definitivamente e ser guardada como caso de estudo da má gestão dos recursos comuns. As PPP que já existem devem ser renegociadas pelo Estado, com o rigor que faltou até agora e sob a vigilância do Tribunal de Contas. Em nome das gerações presentes e futuras, a quem são pedidos todos os sacrifícios para pagar este abuso.

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Neste dossier:

Parcerias Público-Privadas

As Parcerias Público-Privadas, utilizadas como verdadeiras ferramentas para camuflar o défice, constituem rendas blindadas para os privados, em detrimento do interesse dos contribuintes. Ler mais

Vídeo: Bê-á-Bá das Parcerias Público-Privadas

É um negócio de milhares de milhões que o país paga de renda a juros astronómicos aos principais grupos financeiros. E os que decidem estas "parcerias" em nome do Estado acabam sempre a trabalhar para as empresas que favoreceram.

Bloco reivindica renegociação imediata das PPP’s

O Bloco de Esquerda tem vindo a denunciar, ao longo dos anos, os efeitos profundamente nefastos para os contribuintes resultantes das Parcerias Público-Privadas promovidas pelos sucessivos governos do PS e PSD.

Hospitais de Cascais e Braga: exemplos de más práticas

A PPP do Hospital de Cascais chegou a ser alvo de chumbo por parte do Tribunal de Contas e a Escala Braga, empresa do grupo Mello que gere o Hospital de Braga, já foi multada por duas vezes por falhas graves na urgência e “incumprimento de deveres de informação”.

Cronologia das PPP na área da Saúde

Até finais de 2009, estariam em funcionamento, segundo as previsões iniciais avançadas pelo Ministério da Saúde, os Hospitais de Braga, Guarda, Vila Franca de Xira, Sintra, Cascais, Loures, Algarve e Évora. Nenhum dos objectivos foi cumprido.

Cada contribuinte paga 4.512€ para financiar PPP

Até 2050, cada contribuinte português pagará 4.512 euros para financiar as Parcerias Público-Privadas, num total de mais de 48 mil milhões de euros. Os encargos mais elevados - 25.875,4 milhões - relacionam-se com as PPP do sector rodoviário.

As sucessivas derrapagens das PPP no sector dos transportes

As PPP no sector dos transportes têm sido pautadas por sucessivas derrapagens com consequências dramáticas para o erário público. As renegociações do contrato com Lusoponte representam um custo acrescido de 410 milhões e erros de previsões no Metro Sul do Tejo custam cerca de 8 milhões anuais.

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Grandes grupos privados lucram com a saúde

O governo esqueceu rapidamente a “lição” do Hospital Amadora-Sintra e apressou-se a distribuir o “bolo” dos hospitais PPP pelos grandes grupos privados com interesses na área da saúde, anunciando novas Parcerias Público-Privadas que englobam a gestão clinica das unidades de saúde.

O negócio milionário das PPP rodoviárias

No último trimestre de 2010, as PPP rodoviárias representavam 76% dos encargos suportados pelo Estado neste tipo de contratualizações. Em 2011, os encargos neste sector vão disparar para 1.444 milhões de euros. Até 2050, os encargos com as PPP rodoviárias ascendem a 25.875,4 milhões.

Governantes público-privados

A história das parcerias público-privadas é a de uma profunda promiscuidade entre governos e conselhos de administração destes grupos económicos. Em ambos os lados desta promiscuidade, encontramos muitas vezes os mesmos protagonistas. Artigo de Jorge Costa.

PPP: rendas blindadas a favor dos privados

As PPP constituem negócios muito apetecíveis para os privados e para a banca. Utilizadas como um instrumento para camuflar o défice, as PPP têm-se traduzido na deterioração das contas do país, resultando apenas na acumulação de vantagem privada contra o interesse público.