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Uma resposta de esquerda à inflação

No relatório sobre a resposta necessária ao aumento da inflação, o Bloco de Esquerda defende medidas concretas e que podiam ser tomadas desde já se houvesse vontade política do Governo, à semelhança do que já fazem outros países europeus e no resto do mundo.
Algumas das medidas propostas inserem-se na política orçamental que o Parlamento agora discute e que o Governo rejeita por considerar a inflação um fenómeno "transitório", a começar pela atualização de salários face ao aumento da inflação. Enquanto isso, as pessoas continuarão a perder poder de compra e algumas empresas de setores monopolistas continuarão a obter faturações recorde às custas de quem trabalha e não tem como fugir à inflação.
Para o Bloco, estas deviam ser as prioridades da política orçamental no próximo período:
- Garantir que os salários nominais sobem, pelo menos, em linha com a inflação e a produtividade, de forma a garantir a manutenção do poder de compra das pessoas e a parte dos salários na distribuição da riqueza;
- Limitar as margens de lucro nos setores onde as empresas pressionam a subida dos preços para além da componente importada da inflação (recorde-se que, no início da pandemia, o Governo limitou as margens de lucro na comercialização de máscaras e gel desinfetante);
- Tributar os lucros extraordinários das grandes empresas, tal como recomendado até por instituições internacionais como a OCDE ou o FMI, para impedir que as empresas internalizem os benefícios da inflação e financiar as medidas de resposta;
- Promover o investimento público na transição energética, em três eixos essenciais: reforço da produção de energias renováveis (para reduzir o peso das energias de fonte fóssil no mix energético), promoção da eficiência energética dos edifícios (reduzindo o consumo de combustíveis fósseis, maioritariamente importados e a dependência externa do país) e aposta nos transportes públicos, aumentando a cobertura e reduzindo os custos de acesso para as pessoas;
- Reduzir o IVA da energia para 6%;
- Introduzir mecanismos de controlo de preços de bens essenciais.
Controlar preços para controlar a inflação
Outro elemento possível e desejável de uma resposta de esquerda à inflação deverá consistir no controlo dos preços de alguns tipos de bens e serviços através da imposição de preços máximos, taxas de variação máxima ou margens de exploração máxima para certos produtos ou serviços. Isto nada tem de especialmente original. Por um lado, muitos preços na economia já são objeto de controlo administrativo (atualização anual das rendas da habitação ou dos preços de alguns produtos energéticos). Por outro lado, são vários os países que estão já a aplicar este tipo de medida em resposta ao contexto de inflação atual.
As justificações do controlo de preços em contexto de inflação são diversas. Por um lado, visa garantir que certos bens e serviços especialmente importantes na estrutura de consumo das famílias não se tornam economicamente inacessíveis para muitas dessas famílias. Em segundo lugar, no caso dos bens como a energia, que determina os custos da produção de outros bens, o controlo de preços evita que o seu aumento gere ainda mais inflação. Em terceiro lugar, previne a possibilidade de as empresas com maior poder oligopolístico tirarem partido do contexto inflacionista para aumentarem extraordinariamente as suas margens.
Controlar preços e margens de lucro excessivas contribui para a eficiência da economia
No atual contexto português, estas justificações aplicam-se com especial premência a dois setores: o fornecimento de energia e a distribuição alimentar. Tanto um como o outro ocupam um lugar especialmente importante na estrutura de despesa das famílias portuguesas, especialmente as de menores rendimentos. E tanto um como o outro são dominados por um número reduzido de empresas oligopolísticas, que têm aumentado significativamente as suas margens neste contexto.
Alguns economistas argumentam habitualmente que os controlos de preços impedem o sistema de preços de refletir adequadamente as condições da oferta e da procura, gerando ineficiência. Isso não é verdade: se aplicados de forma judiciosa e inteligente, os controlos de preços em contexto inflacionista promovem não só a equidade (protegendo as famílias de menores rendimentos e atenuando os efeitos distributivos regressivos que vimos anteriormente neste relatório), mas também a eficiência, na medida em que contrariam o poder oligopolístico das empresas que controlam os mercados da distribuição alimentar e energética, cujos aumentos extraordinários de margens constituem, esses sim, fatores geradores de ineficiência.
Fonte: Bruegel (2022)
Como é visível na Figura anterior, vários países europeus (Bélgica, Bulgária, República Checa, Hungria, Lituânia, Polónia, Espanha e Reino Unido) colocaram já em prática mecanismos de controlo do preço final no comércio a retalho de produtos energéticos. Para além disso, vários outros países (Bulgária, França, Alemanha, Espanha, Itália, Roménia e Espanha) têm vindo a aplicar diversos tipos de impostos sobre os lucros extraordinários associados ao contexto inflacionista (“windfall taxes”), os quais constituem uma forma adicional de contrariar as distorções associadas ao poder de mercado das empresas oligopolísticas que controlam estes mercados.
A par da atualização salarial em linha com a inflação, a imposição de controlos de preços em mercados oligopolísticos especialmente sensíveis e a tributação dos lucros extraordinários indevidos constituem um pacote adequado de resposta de esquerda à inflação. Permitirão proteger as famílias de menores rendimentos, conter a espiral inflacionista e evitar uma redistribuição regressiva do rendimento. Ao invés da posição timorata e favorável ao capital que teve até agora, o governo português deve juntar-se ao grupo dos países europeus mais ativos nestes domínios, protegendo as famílias que trabalham e as pequenas empresas face à atual conjuntura, ao mesmo tempo que avança no sentido da transição energética.
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