Um novo paradigma para o envelhecimento

porGraça Marques Pinto

Nesta como em outras questões, urge adotar medidas que coloquem as pessoas e as suas opções no centro da política, potenciando a sua qualidade de vida. Haja vontade política para agir em conformidade! Por Graça Marques Pinto.

20 de janeiro 2020 - 21:24
PARTILHAR
Têm surgido, desde 1970, projetos de coabitação colaborativa sénior, a cohousing, que se multiplicaram em muitos países europeus e na América do Sul.

O número de pessoas com mais de 65 anos em Portugal tem crescido exponencialmente nos últimos anos. Para esta realidade contribuiu o aumento da esperança de vida graças, nomeadamente, aos cuidados assegurados pelo Serviço Nacional de Saúde, bem como à emigração de jovens, com particular destaque para o período em que a direita esteve no poder.

No entanto, as respostas às necessidades físicas e psíquicas deste setor da população continuam longe de proporcionar a sua qualidade de vida e autonomização. Acresce que os fracos rendimentos e o isolamento de um grande número de pessoas continuam a constituir um verdadeiro flagelo social.

Em 2018, a GNR sinalizou 45.563 “idosos” a viverem sozinhos ou isolados em todo o país, a maioria deles nos distritos de Vila Real, Guarda, Viseu, Beja, Bragança, Faro e Portalegre. O levantamento pecará, certamente, por defeito, mas, desde logo, resulta claro que o isolamento é transversal aos grandes centros urbanos e ao interior, sendo que a oferta de apoios é manifestamente inferior à procura.

Esta situação deve-se, em grande medida, à escassez de respostas sociais perspetivadas até ao momento, baseadas na institucionalização das pessoas em lares a rebentar pelas costuras e que não respondem à procura, penalizando, sobretudo, as mais carenciadas, que ficam “em infindáveis listas de espera”..

Acresce que, para além de não dar vazão à crescente procura, a institucionalização precoce não constitui uma solução que garanta a necessária qualidade de vida às pessoas com idades mais avançadas, já que lhes é exigido o abandono do seu espaço, obrigando-as a integrar-se num meio que é limitativo e que, na maioria casos, assume o controlo da sua vida. De facto, estudos feitos a várias instituições que acolhem idosos mostram que as mesmas, para além de retirarem toda a privacidade aos seus utentes, promovem uma extrema dependência e inatividade, que, por sua vez, potenciam uma maior incapacidade física e mental.

Face a esta realidade transversal a muitos países, têm surgido desde 1970 projetos de coabitação colaborativa sénior, a cohousing, que se multiplicaram em muitos países europeus e na América do Sul. Na vizinha Espanha, em poucos anos já encontramos cerca de 30 iniciativas, em funcionamento ou em desenvolvimento.

Estes projetos promovem “aldeias” sénior em zonas rurais ou urbanas, onde as pessoas disfrutam de habitação própria, mas vivem em regime colaborativo, numa espécie de “república”, usufruindo de espaços de atividade e convívio comuns e do apoio de equipas multidisciplinares. Em alguns casos, integram pessoas de várias gerações, nomeadamente de jovens que adotam este estilo de vida.

Independentemente de terem origem na iniciativa cooperativa ou pública, a maioria das iniciativas adotam regras e serviços de apoio partilhados para quem os integra, constituindo uma alternativa aos lares de idosos e à fatalidade de os mais velhos ficarem a viver sozinhos quando não têm retaguarda familiar e não lhes resta outra hipótese.

A meu ver, esta é a melhor alternativa para quem mantém autonomia e considera importante continuar “senhor/a da sua vida”, pelo que deveria ser abraçada pelo Estado, por forma a garantir o acesso à qualidade de vida de todas as pessoas, independentemente do seu extrato económico e social, ou contexto familiar.

Em Portugal têm sido dados alguns passos no sentido de se encontrarem novas soluções para o envelhecimento. No entanto, as experiências que conheço resultam de iniciativas privadas ou de parcerias entre autarquias e Instituições de Solidariedade Social, sendo que @s “utentes” desde o início não tiveram parte ativa no processo e não participam na sua gestão, pelo que o caráter colaborativo e emancipatório deste modelo não está presente.

O modelo cooperativo, previsto no artigo 65º da Constituição, na alínea d), que prevê que comete ao Estado o dever de ”Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respetivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação própria,” seria uma alternativa a equacionar.

Este ideário a nível da habitação tem, aliás, caminho feito, com destaque para o SAAL, Serviço de Apoio Ambulatório Local, que, em 1975, promoveu o apoio financeiro estatal e autárquico de iniciativas cidadãs, nomeadamente, sob a forma de cooperativas, e que, entre outros, tinha como objetivo a “Ação de assistência na gestão social: organização e preparação de estatutos das cooperativas; montagem do sistema de contabilidade, recurso ao crédito e repartição de responsabilidades entre os sócios; ações culturais e políticas com colaboração”. Experiências como esta, que prosseguiram o ideário constitucional, com resultados reconhecidos por diversos estudos, poderão constituir uma referência no que respeita à promoção da coabitação sénior.

Esta oferta contribuiria também para a coesão territorial, dando vida a muitas aldeias, fixando jovens técnicos que revigorariam o seu tecido social. Por outro lado, a alocação de meios financeiros à assunção desta opção não representaria um aumento de custos, já que iria libertar muitas verbas canalizadas para Instituições de Solidariedade Social apoiadas pelo Estado.

É importante exigir mais apoios para a chamada “terceira idade”. Mas, nesta como em outras questões, urge adotar medidas que coloquem as pessoas e as suas opções no centro da política, potenciando a qualidade de vida e o envelhecimento emancipado. Haja vontade política para agir em conformidade!

Termos relacionados: