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Último discurso de Salvador Allende

Às 7h40, o presidente Allende entra no Palácio de La Moneda. Às 11h55 inicia-se o bombardeamento liderado pelos militares. Allende recusa a oferta de exílio e combate ao lado da sua guarda e colaboradores, e faz seu último discurso pela rádio Magallanes às 10h10.
Salvador Allende durante discurso no Chile (Fundação GAP).

No dia 11 de setembro de 1973, após receber a informação do levante dos oficiais da Marinha em Valparaíso, cidade portuária do Chile, o então presidente Salvador Allende dirigiu-se para o Palácio La Moneda, sede do governo, numa tentativa de resistir ao golpe.

Às 7h40, o presidente Allende entra no Palácio de La Moneda. Às 11h55 inicia-se o bombardeamento liderado pelos militares. Allende recusa a oferta de exílio e combate ao lado da sua guarda e colaboradores, e faz seu último discurso pela rádio Magallanes às 10h10.


Seguramente, esta será a última oportunidade em que poderei dirigir-me a vocês. A Força Aérea bombardeou as antenas da Rádio Magallanes. Minhas palavras não têm amargura, mas decepção. Que sejam elas um castigo moral para quem traiu o seu juramento: soldados do Chile, comandantes-em-chefe titulares, o almirante Merino, que se autodesignou comandante da Armada, e o senhor Mendoza, general rastejante que ainda ontem manifestara a sua fidelidade e lealdade ao Governo, e que também se autodenominou diretor geral da polícia.

Diante destes factos só me cabe dizer aos trabalhadores: Não vou renunciar! Colocado numa encruzilhada histórica, pagarei com a minha vida a lealdade ao povo. E digo-lhes que tenho a certeza de que a semente que entregamos à consciência digna de milhares e milhares de chilenos, não poderá ser ceifada definitivamente. [Eles] têm a força, poderão avassalar-nos, mas não se detém os processos sociais nem com o crime nem com a força. A história é nossa e fazem-na os povos.

Trabalhadores de minha Pátria: quero agradecer-lhes a lealdade que sempre tiveram, a confiança que depositaram num homem que foi apenas intérprete de grandes anseios de justiça, que empenhou a sua palavra em que respeitaria a Constituição e a lei, e assim o fez.

Neste momento definitivo, o último em que eu poderei dirigir-me a vocês, quero que aproveitem a lição: o capital estrangeiro, o imperialismo, unidos à reação criaram o clima para que as Forças Armadas rompessem a sua tradição, que lhes ensinara o general Schneider e reafirmara o comandante Araya, vítimas do mesmo setor social que hoje estará à espera com as mãos livres, reconquistar o poder para continuar a defender os seus lucros e os seus privilégios.

Dirijo-me a vocês, sobretudo à mulher simples da nossa terra, à camponesa que acreditou em nós, à mãe que soube da nossa preocupação com as crianças. Dirijo-me aos profissionais da Pátria, aos profissionais patriotas que continuaram a trabalhar contra a sedição auspiciada pelas associações profissionais, associações classistas que também defenderam os lucros de uma sociedade capitalista. Dirijo-me à juventude, àqueles que cantaram e deram a sua alegria e o seu espírito de luta. Dirijo-me ao homem do Chile, ao operário, ao camponês, ao intelectual, àqueles que serão perseguidos, porque no nosso país o fascismo está há tempos presente; nos atentados terroristas, explodindo as pontes, cortando as vias férreas, destruindo os oleodutos e os gasodutos, frente ao silêncio daqueles que tinham a obrigação de agir. Estavam comprometidos.

A historia os julgará.

Seguramente a Rádio Magallanes será calada e o metal tranquilo de minha voz não chegará mais a vocês. Não importa. Vocês continuarão a ouvi-la. Sempre estarei junto de vós. Pelo menos a minha lembrança será a de um homem digno que foi leal à Pátria. O povo deve defender-se, mas não sacrificar-se. O povo não deve deixar-se arrasar nem tranquilizar, mas tampouco pode humilhar-se.

Trabalhadores da minha Pátria, tenho fé no Chile e seu destino. Superarão outros homens este momento cinzento e amargo em que a traição pretende impor-se. Saibam que, antes do que se pensa, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

Viva o Chile! Viva o povo! Viva os trabalhadores! Estas são minhas últimas palavras e tenho a certeza de que o meu sacrifício não será em vão. Tenho a certeza de que, pelo menos, será uma lição moral que castigará a perfídia, a covardia e a traição.


Discurso reproduzido no portal EBC.
Adaptação de português do Brasil (PT-BR) para português de Portugal (PT-PT) por Mariana Carneiro.

(...)

Neste dossier:

50 anos do golpe no Chile

No dia 11 de setembro assinala-se o cinquentenário do golpe militar que derrubou o governo de Salvador Allende e abriu caminho a 17 anos de ditadura violenta de Pinochet, alimentada pela cartilha económica neoliberal. Dossier organizado por Mariana Carneiro.

Salvador Allende em 1971.

Cronologia: Chile (1970-1975)

Cronologia dos principais acontecimentos desde o Governo de Unidade Popular ao golpe militar de Pinochet e suas consequências (1970/1975).

Palácio La Moneda a ser bombardeado.

A tragédia chilena

O golpe militar que derrubou, em 11 de setembro de 1973, o governo da Unidade Popular, esmagou de forma trágica uma aposta na via pacífica e legal para o socialismo. Até ao último dia, o presidente Salvador Allende acreditou que as concessões que fizera à direita e aos militares seriam suficientes para evitar um golpe de Estado. Enganou-se. Por Waldo Mermelstein.

Waldo Mermelstein, no regresso ao Brasil, dezembro de 1973.

Como vivi o 11 de setembro de 1973 e os dias seguintes

Fugindo da repressão dos ditadores brasileiros depois do golpe militar de 1964, o jovem Waldo Mermelstein, então com 18 anos, foi para Santiago do Chile estudar economia e engajou-se intensamente nas lutas sociais, militando no MIR. Aqui, o seu relato do dia 11 e seguintes. Por Waldo Mermelstein.

O primeiro ano da Unidade Popular

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Revolução e contra-revolução

Em vez de se apoiarem na mobilização para encurralar e derrotar a direita e os militares, os dirigentes da UP optaram pelo caminho da conciliação. Quando o lock-out dos camionistas, promovido pelos golpistas, foi derrotado, Allende concluiu um acordo com a DC para incluir os comandantes das Forças Armadas no gabinete. O golpe ocorreu pouco depois. Por Waldo Mermelstein.

Allende no 11 de Setembro de 1973.

O que o Chile nos mostrou

Revolução e contrarrevolução enfrentavam-se nas ruas, fábricas campos e minas do país. Diante disto, a UP ficou na metade do caminho, tentando desesperadamente conter o movimento que de certa forma provocou e que a ultrapassou completamente. Por Waldo Mermelstein.

Manifestação de jovens contrários à ditadura, após uma manifestação organizada pelo Comando Nacional dos Trabalhadores, 1 de maio de 1984.

Chile: 50 anos após a ignomínia - O neoliberalismo imposto à força de bala

Com o golpe contra Salvador Allende, foi imposto um modelo económico contrário aos interesses das classes populares. O famoso "milagre" económico baseado nas privatizações revelou-se um verdadeiro inferno. Por Eric Toussaint e Roberto González Amador.

Carlos Prats.

O legado dos militares que respeitaram a Constituição em 1973

As tentativas dos militares legalistas de impedir que as Forças Armadas transgredissem o governo em 1973 levantam a questão do reconhecimento histórico: quem agiu corretamente em 1973? Os golpistas ou os legalistas? Por Jorge Magasich Airola.

Certificado da ITT

Uma transnacional contra Allende

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Podcast The Santiago Boys.

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O escritor bielorusso Evgeny Morozov, criador da série em podcast The Santiago Boys, fala sobre as implicações políticas e sociais do progresso tecnológico e digital promovido por Salvador Allende.

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A 5 de setembro de 1973, a Coordenação Provincial de Cordões Industriais enviou uma carta ao Presidente da Unidade Popular, Salvador Allende. Nele, exigem medidas urgentes para evitar um golpe e uma ditadura militar.

Salvador Allende durante discurso no Chile

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