O meu amigo Francisco Fanhais pediu-me que contasse, por escrito, um pouco do relacionamento que houve entre mim e o Zeca e, referindo uma situação que o tocou. Faço-o porque ele, que me conhece bem, mo pede, e sabe que com isso não pretendo tirar daí dividendos de espécie alguma.
Posto isto, vamos ao assunto: Eu era pároco em Palmela e, aí por Setembro de 1969, o Zeca bateu-me à porta. Andava numa iniciativa de levar as pessoas a inscreverem-se nos cadernos eleitorais para poderem votar nas eleições que tiverem lugar logo em Outubro. O que me veio pedir? Informações, colaboração, apoio… ? Não me lembro. Devemos ter falado de preocupações comuns. A partir daí o Zeca aparecia com alguma frequência. Almoçava / almoçávamos do que havia (lembro-me que era frequente, no verão, a tomatada com sopas e um ovo escalfado; o Zeca não era esquisito. Almoçavam também, o sr. Manuel e sr.ª Maria, casal idoso e extraordinário que cuidava de mim e da casa e com quem aprendi tanto e tanto contribuiu para que aquela casa fosse o que foi. Só um pormenor no que respeita às refeições: naquele tempo era hábito, tanto mais em casa de padre, fazer pequena oração antes das refeições. A partir aí da segunda vez em que o Zeca apareceu, eu e o casal combinámos deixar de fazer a rezinha para que ele se sentisse mais à vontade.
Um dia o Zeca, que vinha com a Zélia, apareceu preocupado; andava com medo que a Pide o fosse prender de noite. Pediu-me se, uma vez por outra, lhes dava abrigo. Passei-lhes, a chave da casa, indiquei-lhe a minha cama, a mais adequada para o casal. Sr. Manuel e srª. Maria aceitaram perfeitamente a decisão (não fossem eles quem eram!). Eu deitava-me tarde: reuniões, conversas com estes e aqueles… Bastas vezes, quando chegava a casa e me ia deitar, já o Zeca e a Zélia dormiam sossegados. Havia mais um divã.
O que nos unia? Sei que nunca por nunca tentámos “converter-nos” um ao outro a opções religiosas ou ideológicas; tínhamos em comum o ideal que Mário Sacramento sintetizou naquela recomendação lapidar: “Por favor, façam que o mundo seja bom”.
*António Correia – professor reformado, antigo pároco de Palmela (1967 - 1974)
Testemunho enviado ao Esquerda.net a 18 de fevereiro de 2017.