O autor da música “Pedra Filosofal”, que é presidente da Assembleia Geral da Associação José Afonso, refere ainda que “a maior herança do Zeca tem a ver com o aspeto musical”.
Do primeiro encontro, tenho uma descrição divertidíssima feita pela PIDE
Tive contacto com as músicas do Zeca no final dos anos 50, princípio dos anos 60. Quando as suas músicas começaram a aparecer, fui tendo contacto com elas logo desde o início, ouvindo-as em casa de amigos que tinham os discos. Quando apareceram “Os Vampiros” e “Meninos do bairro negro” conhecia-as logo. Sou praticamente contemporâneo da aparição dessas coisas novas.
O primeiro contacto pessoal deu-se em 1968 no Festival Vilar de Mouros, que foi o festival que trouxe cá o Elton John. Mas antes desse, houve um outro em que o Zeca cantou. Penso que foi num deles, talvez no do Elton John, que encontrei o Zeca à noite, no quintal do Dr. Barge, que era o grande organizador desse festival, e que, pela primeira vez, chegámos à fala. E, no dia seguinte, ou dois dias depois, estávamos a cantar os dois juntos pela primeira vez numa coletividade de Viana do Castelo, que já desapareceu. Desse primeiro encontro, tenho uma descrição divertidíssima feita por um agente da PIDE que estava na sessão, e que consta do meu dossier, que está na Torre do Tombo. É um testemunho muito engraçado desse primeiro encontro.
Houve uma outra história muito engraçada durante uma digressão que fizemos à Galiza, já não me recordo em que ano. O José Jorge Letria, eu, o Zeca, a Zélia, alguns amigos, creio que o Rui Mingas também, fomos para a Galiza e todos os dias nos proibiam os espetáculos. Eram para ser feitos por duas associações de estudantes, por influência do Benedicto, que, na altura, era o acompanhante galego que o Zeca tinha. Todos os dias tínhamos sessões marcadas que nunca se realizaram, e acabámos por andar uns dias largos a passear pela Galiza até que, no último dia, cantámos na casa de uma avó ou uma parente do Benedicto, que era mais ou menos isolada e que estava vazia, e que lá se encheu com quem soube que a iniciativa ia acontecer.
O que aprendi de mais importante com o Zeca tem a ver com uma postura em relação ao mundo
O que aprendi de mais importante com o Zeca nem tem a ver com música, tem a ver com uma postura em relação ao mundo. O pôr-me em questão, aprendi com ele, essa dúvida permanente sobre o nosso comportamento. E uma grande honestidade perante os outros. Era uma outra característica dele. Portanto, são coisas que não têm diretamente a ver com a música, mas que me marcaram muito e que me influenciaram muito.

A maior herança do Zeca tem a ver com o aspeto musical
A maior herança do Zeca tem a ver com o aspeto musical. Porque o exemplo dele como cidadão chega a pouca gente, já a sua música chega a muita gente. Foi um criador genial, um homem que compôs coisas fantásticas, fez coisas lindíssimas. Algumas a pender para o surrealismo, umas com muita graça. E é essa a herança, digamos assim, principal hoje em dia, ligada também à sua postura enquanto cidadão, procurando sempre uma situação mais justa para si e para aqueles que o rodeavam. Mas é na parte musical que a coisa se estende a mais pessoas.
Um fulano normal que era um grande intérprete e um grande criador
O Zeca era um homem normal, cheio de dúvidas e de falhas, mas era uma pessoa da qual eu guardo uma recordação, como amigo, muito terna e muito grata. Mas nada o colocava para ser logo identificado como um ser absolutamente excecional. Era um fulano normal que era um grande intérprete e um grande criador.
Testemunho gravado pelo Esquerda.net via telemóvel a 20 de fevereiro de 2017.