José Afonso: O Homem, o Professor, o Companheiro, o Amigo

No dia da sua partida, ia apanhar o comboio, de regresso, mas, quando chegou à estação, tinha uma quantidade de gente – população e alunos – a querer despedir-se do professor e do homem. Por Francisco Naia.

07 de março 2017 - 17:29
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Estava eu nos meus quinze anos de idade. Frequentava O Colégio Filipa de Vilhena, em Aljustrel. Era um colégio do tipo misto nas aulas, mas com separação de sexos nos intervalos e recreios. Os nossos professores eram, na generalidade, contratados aqui ou ali. Eram sempre um motivo de curiosidade para os alunos que logo os alcunhavam (eram: Osso duro de Roer; o Terror, Besugo, o Abutre Negro etc).

Um dia vagou o lugar do professor de história. Um nosso professor de português, com formação coimbrã (dr. Delgado), que nos contava estórias e aventuras dos estudantes de Coimbra, disse-nos, numa aula, que iríamos ter um novo professor de história, que era um destacado membro da academia, um cantor de fados e baladas de Coimbra e poeta. Ficámos curiosos…

E aconteceu, dois dias depois esse professor apresentar-se na aula de história. Era o professor José Afonso. Era simpático, conversador, jovial, de olhar muito vivo.

Naquela disciplina falava-se de tudo. Era uma novidade total aquele jovem professor.

Enquanto esteve em Aljustrel, foi conhecendo e contatando a população, os mineiros, os meios culturais. E por vezes aconteciam momentos em que ele pegava numa viola e cantava. Foi uma figura diferente que apareceu na vila, que rapidamente se tornou muito popular.

Eu morava na Estação dos caminhos de ferro, onde o meu pai era Chefe de Estação e músico. Meu pai dizia que ele era um artista diferente, cheio de objetivos e muita inspiração.

O tempo correu e, em dada altura soube-se que o José Afonso, estava doente e iria deixar o colégio e regressar a Coimbra.

Assim aconteceu! No dia da sua partida, ia apanhar o comboio, de regresso, mas, quando chegou à estação, tinha uma quantidade de gente – população e alunos – a querer despedir-se do professor e do homem. Entre vivas, acenos e lágrimas, o professor cantor, sempre à janela da carruagem, sempre sorrindo. O meu pai, preocupado, lá atrasou o comboio uns minutos, correndo o risco de ser penalizado...

Depois… um silêncio profundo


*Francisco Naia - Autor, poeta e cantor de música popular portuguesa. Foi aluno de história de José Afonso no Externato D. Filipa de Vilhena, em Aljustrel, e, a partir de 1968, foi companheiro de andanças do Zeca na contestação ao regime e contra a guerra colonial.

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