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Seara Nova: Cem anos de um trajecto a prosseguir

Os cem anos da Seara Nova são marcados por vivências históricas e ideológicas diversas, mas, com exceção do primeiro período de publicação e o período aberto com o 25 de Abril de 1974, todas emergindo na oposição à ditadura, abrindo para um tempo pelo qual os seareiros tanto lutaram. Por Helena Neves.

Desde a publicação a 15 de outubro de 1921, como quinzenário num tempo já de fragilidade política do governo republicano até à atualidade, o percurso acidentado em que, por vezes, se confrontam correntes ideológicas diversas mas de comum matriz democrática, a Seara será, é, essencial na história da História.

Manifestando-se desde o primeiro número, a contra “o egoísmo dos grupos, classes e partidos”, a Seara compromete-se a uma constante ação crítica, compromisso constante ainda que agudamente molestado pela censura que o fascismo instala.

Auto denominando-se, desde a origem, como “revista de doutrina e crítica” de “poetas militantes artistas militantes, economistas e pedagogos militantes “a Seara será mais do que qualquer outra, uma revista política no sentido originário grego, aristotélico, da palavra.

A pólis é a cidade / mundo onde os seres humanos agem e este agir é inevitavelmente político. O ser humano é um animal político. Marx retomará, atualizando-o o pensamento de Aristóteles. É na pólis que a palavra, o discurso, o debate suscita questionamento, confronto. Daí que todos os regimes de ditadura procurem silenciar, deter a palavra que é outra, que questiona. Excetuando o período da República, assim sucederia inevitavelmente com a Seara Nova antes que o 25 de Abril fosse.

É notável o grupo fundador da Seara:

Raul Proença, escritor, principal impulsionado e autor da programação da revista, critico dos “deslizes” da República, combatente contra a ditadura fascista, terá de exilar-se em Paris.

Aquilino Ribeiro cuja obra inclui ficção, ensaio e biografias, desde jovem militante da luta revolucionária, que se manifesta em vários dos seus romances e particularmente em “Um escritor confessa-se”, em que aborda o seu envolvimento no golpe contra o instalado regime fascista, exilar-se-á também em Paris.

Câmara Reis, professor e escritor, fundador e diretor da Seara de 1921 a 1961, cujo lema “Sejamos imprudentes” marca desde o início da revista, sem desmobilizar perante a vigilância e os cortes da censura no período do fascismo.

Jaime Cortesão, diretor da Biblioteca Nacional de 1919 a 1927, data em que perseguido pelo envolvimento na revolta contra a Ditadura Militar no poder desde o 28 de maio de 1926, emigra para Espanha.

Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, poeta e escritor, fundador da corrente estética do saudosismo, mais conhecido pelo pseudónimo Teixeira de Pascoaes.

Raul Brandão, ensaísta e sobretudo escritor notável, cuja obra alguns consideram percursora do existencialismo e outros, como David Mourão Ferreira, percussora do nouveau romain.

No primeiro número, a 15 de novembro de 1921, no editorial, a revista manifesta-se “contra o egoísmo dos grupos, classes e partidos” e compromete-se a uma ação critica, compromisso constante ainda que ferozmente molestada pela censura que o fascismo instalará.

O início da publicação assinala o que os historiadores denominam por primeiro ciclo da vida da Seara, (1921 -1926), período de divulgação doutrinária e de critica aos “males da República” e o alerta para o perigo de um regime fascista.

O segundo ciclo (1926-1939), já sob o domínio fascista, será politicamente mais intenso na critica social e política, ainda que flagelado pela censura, e marcado pelo envolvimento de seareiros na luta e até conspiração contra o governo, que perseguidos se exilam. É também o período de domínio doutrinário de António Sérgio que se demitirá por divergências com Câmara Reis.

O terceiro ciclo (1939 -1958) marca um período de resistência, persistindo na linha republicana reivindicativa de liberdade cívica. A Seara atravessará um período financeiramente agreste manifesto na irregularidade de publicação.

O quarto ciclo (1959-1974), assinalado pela influência do marxismo na orientação editorial e a emergência de novas gerações na colaboração redatorial, traduz-se no considerável aumento de tiragem da revista.

O quinto ciclo (1974-1979) aberto com o movimento revolucionário de 25 de Abril, doutrinariamente dominante a orientação comunista, suscitará cisões no grupo seareiro, que refletindo-se agudamente na venda da revista, desencadeia uma crise por muitos considerada inultrapassável.

Não o será.

Restabelecido um equilíbrio das forças democráticas, a Seara Nova sobrevive e conhecerá nomeadamente, nos últimos anos, um folego que urge conservar e desenvolver.

A intencionalidade e ação dos grupos que fizeram a história da Seara Nova enraíza-se sempre no pensamento e ação democráticos.

Foi longo o seu percurso. E complexo.

Até este momento das nossas vidas em que celebramos o seu centenário.

Celebração de um passado que se não encerra e antes, pelo contrário, urge abrir para o futuro. Futuro de mais Seara e mais Nova.

Para tal, julgo indispensável não apenas a divulgação, particularmente entre os jovens, nos liceus e nas Universidades, do que foi e é a Seara, mas também a reflexão sobre o que a revista deve acrescentar para que a possibilidade de um novo centenário não resulte em utopia.

O magnífico trabalho de Diana Andringa, “100 Anos de Seara Nova” exibido na RDP 2, tem inevitável e necessariamente de ser exibido em universidades e em associações diversas. E porque não na Cinemateca?

Mas não basta.

Para conquistar um público jovem, garantia da sua sobrevivência e da nossa memória, urge incluir na Seara temáticas que hoje mais mobiliza a juventude. Saliento a questão climática que, já em tantos países, une jovens, conscientes de que o futuro depende das searas que formos capazes de semear e cuidar.

Sobre o/a autor(a)

Professora universitária, investigadora
(...)

Neste dossier:

Cem anos da Seara Nova

Nos seus cem anos de existência, a Seara Nova congregou expressões ideológicas diversas que, durante a ditadura, foram decisivas na oposição ao domínio fascista. Muitos dos princípios fundadores deste projeto político e cultural voltam hoje a ser ameaçados. Dossier organizado por Mariana Carneiro.

Seara Nova: A consciência crítica da República

A Seara Nova afirmou-se desde o início como a face visível de um projeto cultural e político que balizava a sua ação pela construção de um pensamento crítico, inspirador para as elites que governavam o país e escola de civismo para a nação republicana. Por Luís Farinha.

A Seara Nova, o Governo da Esquerda Democrática e a opção da oligarquia pela ditadura

Entre novembro de 1924 e fevereiro de 1925, a Seara Nova inclui uma das suas figuras, Ezequiel de Campos, no único governo nitidamente de esquerda da 1ª República, o Governo da Esquerda Democrática de José Domingues dos Santos. Por Álvaro Arranja.

A Seara Nova e a questão colonial

A historiadora Cláudia Castelo afirma que “o programa que une os republicanos em torno da defesa do Império, das colónias como uma condição de sobrevivência da própria nação”, é “um discurso que se encontra na Seara Nova abundantemente”. Mas assinala uma viragem em 1959.

Seara Nova: Cem anos de um trajecto a prosseguir

Os cem anos da Seara Nova são marcados por vivências históricas e ideológicas diversas, mas, com exceção do primeiro período de publicação e o período aberto com o 25 de Abril de 1974, todas emergindo na oposição à ditadura, abrindo para um tempo pelo qual os seareiros tanto lutaram. Por Helena Neves.

Há 100 anos, a Seara Nova

Se muito daquilo por que os seareiros lutaram se realizou (tristemente após a morte dos seus fundadores), muito está ainda por realizar e parece por vezes voltar a estar em perigo. Por Diana Andringa.

Disponível online documentário “Há 100 anos, a Seara Nova”, de Diana Andringa

A RTP play disponibiliza os dois episódios do documentário “Há 100 anos, a Seara Nova”, de Diana Andringa, que foram transmitidos a 14 e 15 de outubro na RTP2. Partilhamos neste artigo os links para a sua visualização.

Podcast Convocar a História sobre o Centenário da Seara Nova

Foi sobre a Seara Nova, a intervenção intelectual em tempos sombrios, as suas ambiguidades e contradições, que decorreu a conversa com António Rafael Amaro, moderada por Fernando Rosas e Luís Trindade.

A 15 de outubro de 1921 foi publicado o primeiro número da Seara Nova

Na página de internet da Seara Nova é disponibilizado um espólio digital no qual é possível consultar as edições da revista de 1921 a 2021.

Comemorações do centenário da Seara Nova

Até 2022, realizar-se-ão várias iniciativas de comemoração do centenário da Seara Nova. O Esquerda.net compila neste artigo alguns desses eventos.