Desde a publicação a 15 de outubro de 1921, como quinzenário num tempo já de fragilidade política do governo republicano até à atualidade, o percurso acidentado em que, por vezes, se confrontam correntes ideológicas diversas mas de comum matriz democrática, a Seara será, é, essencial na história da História.
Manifestando-se desde o primeiro número, a contra “o egoísmo dos grupos, classes e partidos”, a Seara compromete-se a uma constante ação crítica, compromisso constante ainda que agudamente molestado pela censura que o fascismo instala.
Auto denominando-se, desde a origem, como “revista de doutrina e crítica” de “poetas militantes artistas militantes, economistas e pedagogos militantes “a Seara será mais do que qualquer outra, uma revista política no sentido originário grego, aristotélico, da palavra.
A pólis é a cidade / mundo onde os seres humanos agem e este agir é inevitavelmente político. O ser humano é um animal político. Marx retomará, atualizando-o o pensamento de Aristóteles. É na pólis que a palavra, o discurso, o debate suscita questionamento, confronto. Daí que todos os regimes de ditadura procurem silenciar, deter a palavra que é outra, que questiona. Excetuando o período da República, assim sucederia inevitavelmente com a Seara Nova antes que o 25 de Abril fosse.
É notável o grupo fundador da Seara:
Raul Proença, escritor, principal impulsionado e autor da programação da revista, critico dos “deslizes” da República, combatente contra a ditadura fascista, terá de exilar-se em Paris.
Aquilino Ribeiro cuja obra inclui ficção, ensaio e biografias, desde jovem militante da luta revolucionária, que se manifesta em vários dos seus romances e particularmente em “Um escritor confessa-se”, em que aborda o seu envolvimento no golpe contra o instalado regime fascista, exilar-se-á também em Paris.
Câmara Reis, professor e escritor, fundador e diretor da Seara de 1921 a 1961, cujo lema “Sejamos imprudentes” marca desde o início da revista, sem desmobilizar perante a vigilância e os cortes da censura no período do fascismo.
Jaime Cortesão, diretor da Biblioteca Nacional de 1919 a 1927, data em que perseguido pelo envolvimento na revolta contra a Ditadura Militar no poder desde o 28 de maio de 1926, emigra para Espanha.
Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, poeta e escritor, fundador da corrente estética do saudosismo, mais conhecido pelo pseudónimo Teixeira de Pascoaes.
Raul Brandão, ensaísta e sobretudo escritor notável, cuja obra alguns consideram percursora do existencialismo e outros, como David Mourão Ferreira, percussora do nouveau romain.
No primeiro número, a 15 de novembro de 1921, no editorial, a revista manifesta-se “contra o egoísmo dos grupos, classes e partidos” e compromete-se a uma ação critica, compromisso constante ainda que ferozmente molestada pela censura que o fascismo instalará.
O início da publicação assinala o que os historiadores denominam por primeiro ciclo da vida da Seara, (1921 -1926), período de divulgação doutrinária e de critica aos “males da República” e o alerta para o perigo de um regime fascista.
O segundo ciclo (1926-1939), já sob o domínio fascista, será politicamente mais intenso na critica social e política, ainda que flagelado pela censura, e marcado pelo envolvimento de seareiros na luta e até conspiração contra o governo, que perseguidos se exilam. É também o período de domínio doutrinário de António Sérgio que se demitirá por divergências com Câmara Reis.
O terceiro ciclo (1939 -1958) marca um período de resistência, persistindo na linha republicana reivindicativa de liberdade cívica. A Seara atravessará um período financeiramente agreste manifesto na irregularidade de publicação.
O quarto ciclo (1959-1974), assinalado pela influência do marxismo na orientação editorial e a emergência de novas gerações na colaboração redatorial, traduz-se no considerável aumento de tiragem da revista.
O quinto ciclo (1974-1979) aberto com o movimento revolucionário de 25 de Abril, doutrinariamente dominante a orientação comunista, suscitará cisões no grupo seareiro, que refletindo-se agudamente na venda da revista, desencadeia uma crise por muitos considerada inultrapassável.
Não o será.
Restabelecido um equilíbrio das forças democráticas, a Seara Nova sobrevive e conhecerá nomeadamente, nos últimos anos, um folego que urge conservar e desenvolver.
A intencionalidade e ação dos grupos que fizeram a história da Seara Nova enraíza-se sempre no pensamento e ação democráticos.
Foi longo o seu percurso. E complexo.
Até este momento das nossas vidas em que celebramos o seu centenário.
Celebração de um passado que se não encerra e antes, pelo contrário, urge abrir para o futuro. Futuro de mais Seara e mais Nova.
Para tal, julgo indispensável não apenas a divulgação, particularmente entre os jovens, nos liceus e nas Universidades, do que foi e é a Seara, mas também a reflexão sobre o que a revista deve acrescentar para que a possibilidade de um novo centenário não resulte em utopia.
O magnífico trabalho de Diana Andringa, “100 Anos de Seara Nova” exibido na RDP 2, tem inevitável e necessariamente de ser exibido em universidades e em associações diversas. E porque não na Cinemateca?
Mas não basta.
Para conquistar um público jovem, garantia da sua sobrevivência e da nossa memória, urge incluir na Seara temáticas que hoje mais mobiliza a juventude. Saliento a questão climática que, já em tantos países, une jovens, conscientes de que o futuro depende das searas que formos capazes de semear e cuidar.