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Saúde Precária
Ao longo dos últimos anos, os processos de precarização laboral têm vindo a intensificar-se, não só no que concerne ao número de pessoas atingidas como também no que diz respeito às várias atipias encontradas.
Atualmente, cerca de metade dos trabalhadores têm situações contratuais precárias, num contexto em que se atingiu a mais elevada taxa de desemprego desde que há registos e em que a emigração superou os níveis dos fluxos migratórios dos anos '60.
Por outro lado, as contratações precárias têm-se complexificado, dando origem a modalidades de trabalho atípico como os contratos a prazo, contratação através de empresas de trabalho temporário, falsos recibos verdes, constituição de trabalhadores como empresas, estágios (remunerados ou não), trabalho não declarado ou Contratos Emprego Inserção (CEI). Cada uma destas realidades de precarização apresenta um acesso diferenciado a direitos laborais - criando desequilíbrios no contrato social entre as pessoas e o Estado – e instigando desigualdades entre trabalhadores.
O Serviço Nacional de Saúde (SNS) não é imune a esta conjuntura. A precarização tem-se disseminado bem como a externalização de serviços. O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda já questionou o Governo mais do que uma vez sobre estes números, mas as respostas nunca chegaram. No entanto, os números e factos conhecidos, mesmo que parcelares, demonstram bem a generalização da precariedade no SNS.
Uma face muito indecorosa da exploração laboral remete para os CEI, uma medida que obriga os beneficiários de subsídio de desemprego ou de rendimento social de inserção trabalhar para instituições públicas (e também em Instituição Particulares de Solidariedade Social – IPSS) sob pena de deixarem de receber a prestação social. Por iniciativa do Bloco de Esquerda, sabemos que 2161 pessoas foram colocadas no SNS ao abrigo de CEI em 2011. Em 2012, este número subiu para 2326. Aguardamos ainda os números de 2013...
Relativamnete à externalização de serviços, constata-se por exemplo que há unidades hospitalares que não têm no seu mapa de pessoal um único funcionário de limpeza, sendo esta uma função integralmente entregue ao setor privado. É o caso do Centro Hospitalar de São João, que necessitaria de 169 funcionários para assegurar a limpeza, mas não tem um único nos seus quadros pois são todos contratados a uma empresa externa (ver aqui).
Também o recurso à contratação de trabalhadores tidos como temporários para o exercício de funções permanentes, através do recurso a empresas de trabalho temporário (ETT) tem vindo a recrudescer. Um exemplo remete para o Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST) que sistematicamente contrata trabalhadores através de ETT. Em novembro de 2013, o Tribunal de Contas (Acórdão n.º 28/2013 de 14 de novembro) declarou a nulidade de um contrato celebrado entre o IPST e a ETT ‘A Temporária’, com o valor de 449.434,90€ mais IVA, por seis meses de serviços.
O motivo para esta recusa não podia ser mais claro: o Tribunal de Contas considerou que o IPST violou os requisitos previstos na lei para o recurso a contratos de prestação de serviços, referindo que “não parecem restar dúvidas de que o contrato em causa pretende contratar trabalhadores para assegurarem o normal funcionamento do IPST, cumprindo a atividade para que está vocacionado e realizando as funções que tem que fazer. Funções que, aliás, o próprio Instituto reconhece que vem fazendo pelo menos desde 2010 através da contratação de recursos humanos no mesmo modelo”. Em resposta ao Bloco de Esquerda, fica a saber-se que o IPST recorre a ETT pelo menos desde 2007, tendo celebrado 90 contratos desde então!
Uma outra realidade de precarização remete para a utilização dos recibos verdes, fazendo de verdadeiros trabalhadores por conta de outrem falsos trabalhadores independentes. De enfermeiros a médicos, são muitos os profissionais que exercem funções como falsos recibos verdes. A este propósito, veja-se a difícil e tão meritória luta dos enfermeiros da Linha Saúde 24, contratados a falsos recibos verdes por uma empresa privada a quem o Ministério da Saúde entregou a gestão desta linha, mais de 400 trabalhadores que têm um horário de trabalho, estão inseridos numa equipa, têm chefia e local de trabalho definido, portanto, são trabalhadores por conta de outrem para os deveres mas trabalhadores por conta própria para os direitos.
A análise de casos concretos, como aqui foi feito, não é relevante pela sua excecionalidade mas sim por estes exemplos serem tristemente sintomáticos da generalização da precariedade laboral no SNS, um processo que impossibilita a estabilidade profissional, fundamental para a construção das equipas, para a sua especialização e diferenciação. A precarização laboral arrasta consigo a precarização na vida dos trabalhadores e, consequentemente, a precarização dos serviços públicos disponibilizados. Defender o SNS é também defender os profissionais que aí trabalham e portanto, defender seus direitos laborais, uma luta tão difícil quanto fundamental.
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