Responder aos trabalhadores por turnos: reconhecimento e novos direitos

Dois em cada 10 trabalhadores em Portugal trabalham por turnos e a tendência é que sejam cada vez mais. Por José Soeiro.

27 de abril 2017 - 14:47
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São mais de 725 mil pessoas a trabalhar por turnos: na indústria ou nos transportes públicos, na distribuição da energia ou no sistema de saúde, na distribuição de água ou nas telecomunicações, na segurança privada ou em espaços comerciais, nos aeroportos ou nos hotéis, na seleção e distribuição do correio ou nos call centres e em linhas de apoio disponíveis 24 horas.

Como a maioria dos trabalhadores em Portugal, muitos e muitas dos que trabalham por turnos têm salários baixos e nem sequer estão protegidos e enquadrados por contratação coletiva. Mas a somar a isso, a legislação que temos não responde às suas necessidades nem reconhece as dificuldades especiais que lhes são colocadas pelo seu trabalho, pelo modo como é organizado, pelo impacto que trabalhar por turnos tem na saúde e na vida.

O horário de trabalho por turnos, especialmente quando envolve a realização de trabalho noturno representa uma perda de tempo de vida muito vezes irreparável. E as consequências do ponto de vista biológico, psicológico e social têm vindo a ser estudadas por toda a Europa, com conclusões sólidas sobre os seus efeitos.

O trabalho por turnos tem custos pesados: perturbações no sono, maior fadiga, sintomas depressivos, alterações no apetite e no sistema gastrointestinal, perturbações cardiovasculares. E até uma maior incidência de doenças como o cancro. No trabalho por turnos, há também mais insegurança no contexto do trabalho, mais acidentes (por vezes mortais), há o cansaço como companhia e vidas em contraluz. E há, claro, o tempo que é retirado à vida. Os seus horários descoincidem com o dos amigos e o da família. Muitos não conseguem sequer planear coisas básicas, como fins de semana para estar com os filhos. Não é nenhuma coincidência que os trabalhadores por turnos tenham mais dificuldade em gerir os seus relacionamentos, que percam contacto com os amigos, que não consigam responder à família, que percam tanto do crescimento dos filhos.

O direito ao descanso

Nos últimos anos, temos assistido a uma liberalização dos horários de trabalho que põe em causa o direito das pessoas ao descanso, a possibilidade de preverem e organizarem a sua vida, de não serem escravizadas pelo trabalho. Em cada vez mais sectores, o trabalho por turnos resulta não apenas de uma necessidade social, mas de uma lógica de acumulação por parte das empresas. Só que essa lógica tem custos para as pessoas e não vale a pena olhar para o lado.

Os trabalhadores por turnos têm sido em grande medida esquecidos e invisíveis. O objetivo das propostas do Bloco é afirmar a importância de responder a estes e a estas trabalhadoras.

Primeiro, é preciso que a lei clarifique os conceitos de trabalho por turnos, trabalho noturno, de trabalhador por turnos e de trabalhador noturno, para que estas mais de 700 mil pessoas possam estar enquadradas num regime que as protejas.

Em segundo lugar, o mínimo que se exige da lei é que defina regras sobre a organização por turnos que garantam mínimos de sincronização entre a vida destes trabalhadores e a vida social; que garanta um período razoável de descanso na mudança de horário de turno; que garantam coisas básicas como, por exemplo, o direito a ter pelo menos dois fins-de-semana de descanso em cada 6 semanas de trabalho

Em terceiro lugar, os trabalhadores por turnos e as suas estruturas representativas devem ter uma palavra determinante na definição dos turnos e na organização dos horários. Aos trabalhadores por turnos deve ser também garantido um acesso alargado a exames médicos e a cuidados de saúde.

Além disso, os trabalhadores por turnos devem ser reparados do desgaste que lhes causa a sua atividade e devem ser compensados pela penosidade do modo como prestam o seu trabalho. Por isso mesmo, o Bloco propõe que se defina um máximo de 35 horas semanais de trabalho para quem trabalha por turnos e para quem é trabalhador noturno e que se consagrar o direito a mais um dia de férias por cada 2 anos de trabalho noturno ou por turnos.

Com o seu projeto de lei, o Bloco quer ainda intervir em duas outras dimensões. Definir o valor dos acréscimos retributivos pagos por trabalho por turnos e trabalho noturno (entre 25% a 30%) e reconhecer que ao trabalho por turnos, provavelmente o mais penoso e desgastante de todos os regimes de trabalho, até pelo envelhecimento precoce que provoca, deve estar associado o direito à antecipação da idade legal de reforma (2 meses por cada ano de trabalho por turnos ou noturno).

As transformações na economia e na vida social têm feito crescer a realidade do trabalho por turnos e do trabalho noturno. Mas a esse crescimento não podem corresponder modalidades de organização do trabalho que são formas de abuso sobre quem trabalha. Responder aos trabalhadores por turnos e noturnos, garantindo o reconhecimento do seu trabalho e novos direitos, é essencial.

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José Soeiro é deputado do Bloco de Esquerda

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