Está aqui

Prémio "Precariedade 2008" para José Sócrates

O agravamento da precariedade em 2008, faz com que existam hoje 900 mil trabalhadores, aproximadamente 1/5 da população activa em Portugal, em situação precária. O Governo PS rejeitou a criminalização dos falsos recibos verdes, assim como a integração dos milhares de precários do Estado, e centrou a sua acção em falsos anúncios de "criação" de emprego.  

A meta dos novos 150 mil postos de trabalho foi falhada. A luta contra o emprego precário foi central na actividade do Bloco, que em Setembro realizou a Marcha contra a Precariedade nas zonas do país mais afectadas pelo desemprego e pelas políticas do governo.

Em 2008 existem em Portugal, entre os trabalhadores por conta de outrem, 20,3% de trabalhadores em condições de trabalho precárias, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). Cerca de 2 milhões de portugueses, ou seja, 20%, são pobres, de acordo com o estudo "Um olhar sobre a pobreza", de Alfredo Bruto da Costa.

Ainda de acordo com o INE o número de trabalhadores com contratos a prazo ou recibos verdes aumentou 83% em Portugal nos últimos dez anos, assinalando a crescente precariedade laboral na estrutura de emprego nacional. Cerca de 900 mil trabalhadores portugueses têm actualmente vínculos laborais precários - contratos a prazo ou recibos verdes - , quando em 1998 estavam identificados 483 mil trabalhadores nesta situação.

A precariedade afecta sobretudo os jovens dos 25 aos 34 anos, registando-se mais de 32 mil casos em 2008 (mais 93% do que em 1998) mas o aumento mais significativo registou-se no grupo etário dos 35 aos 44 anos, cujo número mais do que duplicou nos últimos dez anos, atingindo mais de 17 mil pessoas em 2008. Os licenciados são o grupo mais afectado pela precariezação, tendo o número de vínculos laborais precários triplicado numa década, passando de cerca de 10 mil em 1998 para 32 mil em 2008.

Quanto aos níveis salariais, há dez anos o salário médio dos jovens trabalhadores, com idades compreendidas entre os 25 e os 34 anos, com contrato precário era de 96% do salário médio nacional. Desde então a situação salarial destes trabalhadores tem vindo a degradar-se e actualmente o seu salário médio é de 594 euros mensais, 82% do salário médio nacional.

A chamada "geração dos 500 euros", apesar de mais qualificada está em risco de viver pior que os seus pais. A situação é ainda agravada pelo facto de existir cerca de 80% de precariedade no primeiro emprego.

Face ao panorama nacional, de forte agravamento da precariedade no trabalho assistiu-se em 2008 a uma forte contestação cívica, que exigiu respostas concretas ao Governo Sócrates, que continuam por ser dadas.

O Movimento Ferve - Fartos/as d'Estes Recibos Verdes, entregou em Janeiro na Assembleia da República uma petição com cerca de 5 mil assinaturas para exigir ao Parlamento que legisle para regularizar as situações de uso de "falsos recibos verdes" na Administração Pública e aumentar a actividade da Inspecção Geral da Administração do Território na verificação da utilização de "falsos recibos verde" por parte de entidades públicas.

Mas em matéria do Código do Trabalho, a Governo não deu sinais de querer resolver o problema, propondo a aplicação de uma taxa de cinco por cento às empresas que tenham ao seu serviço trabalhadores a recibo verde e o agravamento em três por cento na taxa social única que as empresas pagam pelos contratados a prazo.

A medida, duramente criticada pelos movimentos anti-precariedade, entre os quais os Precários Inflexíveis, foi encarada como forma de legitimar os falsos recibos verdes, sem haver nenhuma estratégia para criminalizar e evitar no concreto o abuso deste instrumento por parte dos patrões.

Em Abril surgiram declarações do responsável pela Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), que sugeriu a criminalização das empresas que utilizem "falsos recibos verdes" e salientou a necessidade de mais inspectores. Actualmente a ACT conta com 288 inspectores, quando a lei prevê 538.

O Bloco elegeu a luta contra a precariedade como uma das principais em 2008, e realizou, em Setembro, a Marcha contra a Precariedade, que percorreu muitos quilómetros nos distritos do Norte e Sul mais afectados pelo trabalho precário, em contacto directo com a população. A marcha serviu para denunciar as empresas de trabalho temporário e os patrões que mais se destacam na precarização dos trabalhadores, assim como os políticos que os protegem, os ataques os direitos dos trabalhadores estudantes ou as consequências da revisão do Código do Trabalho

Na AR, o Bloco apresentou uma proposta para reforçar a inspecção dos falsos recibos verdes com obrigação de celebração de contrato, limitação dos contratos a prazo a um ano, proibição de sucessivos contratos para o mesmo posto, através de falsos temporários, e integração de todos os 117 mil precários do Estado.

Mas o Governo mostrou que a regularização dos trabalhadores precários da função pública não estava nos seus horizontes em 2008, com a maioria socialista a chumbar as propostas do Bloco e também do PCP.

O Bloco apresentou uma solução idêntica à que o próprio PS levou a cabo em 1996, no governo de António Guterres, e que retirou da precariedade algumas dezenas de milhar de trabalhadores do sector público, mas que a actual bancada socialista considerou agora ser "inconstitucional".

A público vieram também em 2008, o caso dos Centros das Novas Oportunidades, tutelados pelo Ministério do Trabalho, com centenas de trabalhadores a recibo verde e salários em atraso e dos 5 mil trabalhadores contratados não-docentes na Educação, ameaçados de despedimento no mês de Agosto.

Seguiu-se o anúncio de José Sócrates, muito mediatizado, da criação em 2009, de 1200 novos postos de trabalho num call-center da Portugal Telecom em Santo Tirso, classificado por vários partidos como mera acção de propaganda.

O Bloco alertou para a substituição de postos de trabalho efectivos, encerrados na PT nos últimos anos, por trabalhadores precários e questionou o Governo sobre o salário e o tipo de contrato dos trabalhadores do novo call-center. "É o retrato do país: menos emprego efectivo e mais emprego precário mais mal pago", afirmou na altura o deputado do Bloco, Francisco Louçã.

Já em Outubro, ainda em sede de discussão do Código do Trabalho, o Bloco apresentou 186 propostas de alteração, entre as quais a da criminalização do recurso pelos patrões a falsos recibos verdes, ou seja, as situações em que o trabalhador está numa relação de dependência hierárquica e utiliza os materiais da empresa, mas não tem um contrato de trabalho. A criminalização destas situações já existe na legislação espanhola.

Depois do sucesso da parada Mayday, um desfile com cerca de mil jovens precários que se juntou à manifestação da CGTP no dia do trabalhador, o movimento Precários Inflexíveis organizou em Setembro a Gala dos Prémios Precariedade 2008.

A Gala teve como grande vencedor o Primeiro-ministro, o único nomeado que arrecadou dois "gasganetes dourados". José Sócrates venceu na categoria "Sem Vergonha" - por impor o novo código do trabalho e não ter criado os 150 mil postos de trabalho que prometeu - e ganhou também o prémio final para o qual concorriam os nomeados de todas as categorias. Belmiro de Azevedo, Manuela Ferreira Leite e o Programa Novas Oportunidades foram também galardoados, numa cerimónia que encheu o Ateneu Comercial de Lisboa.

(...)

Neste dossier:

Portugal em 2008

Em Portugal, o ano de 2008 fica marcado pelas gigantescas mobilizações de professores contra a política educativa do governo. A crise financeira internacional também fez as suas vítimas por cá, tendo o governo preferido salvar os bancos, em vez de defender os mais fracos. Exemplo disso é o novo código do trabalho, aprovado só com os votos do PS, e o aumento da pobreza, do desemprego e da precariedade

Prémio "Precariedade 2008" para José Sócrates

O agravamento da precariedade em 2008, faz com que existam hoje 900 mil trabalhadores, aproximadamente 1/5 da população activa em Portugal, em situação precária. O Governo PS rejeitou a criminalização dos falsos recibos verdes, assim como a integração dos milhares de precários do Estado, e centrou a sua acção em falsos anúncios de "criação" de emprego. 

Aprovado divórcio sem culpa

A nova lei do divórcio foi um dos temas do ano que agitou as relações entre o Presidente da República e o PS. Cavaco Silva vetou a nova lei depois de aprovada no Parlamento, numa posição que lhe mereceu críticas de toda a esquerda parlamentar que o acusou de conservadorismo. Em Setembro o diploma teve novamente luz verde. 

As gigantescas mobilizações dos professores

2008 será sem sombra de dúvida lembrado pelos maiores protestos de sempre que uma classe profissional alguma vez protagonizou contra reformas impostas por um governo. Duas manifestações gigantescas e uma greve que ficou perto dos 100% de adesão, mostraram ao país que os professores não se rendem às políticas burocráticas e economicistas de José Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues. A contestação promete continuar com nova greve nacional a 19 de Janeiro de 2009. 

As fraudes financeiras e os favores à banca

Começando pelo BCP e terminando no BPN e no BPP, 2008 foi o ano em que a máscara dos banqueiros caiu. Foram milhões de euros de prejuízos camuflados na razão inversa dos prémios e regalias para os grandes responsáveis. As fraudes detectadas mostraram a promiscuidade entre o poder político e o económico. Com a agudização da crise financeira, o governo veio em socorro da banca com milhões, algo que nunca tinha ousado fazer com os trabalhadores ou os mais desfavorecidos. 

Novo código do trabalho aprovado só com os votos do PS

Fazendo tábua rasa das suas propostas enquanto oposição, o Partido Socialista aprovou o novo código do trabalho, merecendo rasgados elogios dos patrões e da direita. O fim do pagamento de horas extraordinárias, a legalização da precariedade e o ataque s convenções colectivas são algumas das novas regras que fazem de 2008 o ano em que a balança voltou a pender para o lado dos mais fortes. Só que nem tudo foram rosas para PS e Patrões, dado que o Tribunal Constitucional chumbou uma das normas do código, que assim voltará ao parlamento em 2009.

Universidades na penúria

Se 2007 trouxe à praça pública os escândalos, fraudes e negociatas que envolvem o ensino superior privado português, já o ano de 2008 trouxe à tona as enormes dificuldades financeiras que enfrentam as universidades públicas, face à redução contínua das transferências do Orçamento de Estado. Por outro lado, já quase não existem universidades sem propina máxima, e torna-se cada vez mais insustentável a precariedade a que estão sujeitos muitos dos professores deste sector. 

Populações e profissionais de saúde defendem SNS

Mudou o ministro da saúde mas a políticas mantiveram-se. O fecho das urgências nocturnas e a continuação da degradação do serviço nacional de saúde, levou as populações a saírem à rua de norte a sul do país. O descontentamento dos enfermeiros também ganhou expressão, na maior manifestação de sempre da classe, de que há memória. 

Contra a "Directiva da Vergonha"

A 18 de Junho, o Parlamento Europeu aprovou, por larga maioria, a "Directiva do Retorno", a lei comunitária que facilita a deportação de imigrantes ilegais, e que entrará em vigor em 2010. Em Portugal, como noutros países, as associações de imigrantes manifestaram-se contra o que chamaram "directiva da vergonha". Ainda em matéria de imigração de registar em 2008 os acontecimentos ocorridos no Bairro da Quinta da Fonte, em Loures, e toda a especulação que foi feita sobre a alegada natureza racista dos conflitos.

Alta tensão: Governo recusou alterar lei

Foi graças às acções de vários grupos cívicos que em muitas localidades do país contestaram a instalação de linhas de alta tensão na proximidade de casas e povoações, que em 2008 esta luta ganhou contornos nacionais, com o primeiro encontro nacional de movimentos a ter lugar em Junho. O governo foi forçado a recuar em alguns projectos mas o essencial, a alteração da lei, continua por concretizar. 

Esquerdas convergem contra o neoliberalismo

2008 foi ao ano em que várias personalidades e sectores da esquerda portuguesa se aproximaram para procurar alternativas à governação neoliberal e ao pensamento único. A convergência começou por se fazer sentir no comício festa do Teatro da Trindade, em Junho, e continuou no Fórum Sobre Serviços Públicos e Democracia, em Dezembro. No parlamento, Manuel Alegre e outros deputados socialistas votaram ao lado do Bloco de Esquerda e do PCP em matérias tão fundamentais como o código do trabalho.

PS chumbou casamentos homossexuais

Duas propostas de legalização de casamentos entre pessoas do mesmo sexo, subscritas pelo Bloco e Os Verdes foram chumbadas com votos da maioria dos deputados do PS. Os socialistas recuaram em relação ao compromisso de apresentar a proposta no programa eleitoral de 2009 e impuseram uma contestada disciplina de voto sobre esta matéria.

Número de mortes por violência doméstica duplicou

Foi um ano negro da violência doméstica em Portugal. Em 2008, 44 mulheres foram assassinadas por actuais ou antigos companheiros e maridos, mais do dobro que em todo o ano passado, em que se tinham registado 21 casos. A média deste ano, em termos de homicídio conjugal, permite concluir que, em cada semana, uma mulher é assassinada pelo seu marido ou companheiro. Portugal regista uma das piores estatísticas da União Europeia nesta matéria.

Linha do Tua: os acidentes e a barragem

No dia 22 de Agosto de 2008 um novo acidente na Linha do Tua causou mais uma morte. Foi o quarto acidente em cerca de ano e meio, levantando dúvidas e suspeitas sobre as condições de manutenção da linha. A previsível construção da barragem que vai deixar submersa pelo menos uma parte da Linha do Tua é contestada por cidadãos e movimentos, e apontada como uma das razões que pode estar na origem do "desleixo" com que governo e autoridades têm tratado este assunto. 

Camionistas paralisaram o país

2008 fica marcado por protestos em todo o Mundo contra o aumento do preço dos combustíveis. Em Portugal, os pescadores foram os primeiros a reagir, paralisando por alguns dias a frota pesqueira. Mas a mobilização com maior impacto foi sem dúvida a dos camionistas. Contra a vontade da grande empresa representativa do sector, milhares de camionistas revoltaram-se e montaram um bloqueio de vários dias no mês de Junho, que fez secar bombas de gasolina e obrigar o governo a negociar o que antes recusara. 

Primeira condenação por violência nas praxes

Em 2008, pela primeira vez um tribunal português condenou praticas violentas ocorridas durante cerimónias de praxes académicas em Santarém. Inédita é também a decisão do Tribunal da Relação do Porto de condenar o Instituto Piaget a pagar cerca de 40 mil euros a uma aluna vítima de praxe em 2002. O Parlamento reconheceu pela primeira vez a importância de se discutir este assunto e aprovou por unanimidade, na Comissão Parlamentar de Educação, um relatório com medidas de combate à violência nas praxes.   

Skinheads condenados por discriminação racial

O dia 3 de Outubro de 2008 fica na história portuguesa pela primeira condenação efectiva por discriminação racial. Dos 36 skinheads acusados de crimes de sequestros, ofensas corporais, posse ilegal de armas, distribuição de propaganda nazi e discriminação racial, 23 foram condenados à prisão, embora a mior parte tenha ficado com pena suspensa. Mário Machado, o líder do movimento Hammerskins Portugal apanhou 4 anos e 10 meses de prisão efectiva. 

Bloco elege primeiros deputados nos Açores

Nas eleições regionais dos Açores de 18 de Outubro, o Bloco de Esquerda triplicou o número de votos, passando para 3,3%, e pela primeira vez obteve representação na Assembleia Regional dos Açores, com dois deputados eleitos. O PS venceu novamente as eleições com maioria absoluta, num ano que também fica marcado pela polémica em torno dos vetos de Cavaco Silva ao Estatuto dos Açores. 

Congresso Karl Marx com 150 comunicações

A actualidade do pensamento marxista na presente conjuntura de crise do capitalismo global foi um dos temas que dominou o Congresso Internacional Karl Marx, realizado entre 14 e 16 de Novembro, e promovido pelo Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, pela Cooperativa Culturas do Trabalho e Socialismo (Cutra) e pela Transform Europe (rede internacional de associações culturais).