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As fraudes financeiras e os favores à banca

Começando pelo BCP e terminando no BPN e no BPP, 2008 foi o ano em que a máscara dos banqueiros caiu. Foram milhões de euros de prejuízos camuflados na razão inversa dos prémios e regalias para os grandes responsáveis. As fraudes detectadas mostraram a promiscuidade entre o poder político e o económico. Com a agudização da crise financeira, o governo veio em socorro da banca com milhões, algo que nunca tinha ousado fazer com os trabalhadores ou os mais desfavorecidos.  

O ano de 2008 arrancou com o caso BCP sob investigação: em causa estavam os perdões de dívidas astronómicas a amigos e familiares mas também a constituição de cerca de 17 sociedades off-shores ilegais, que, sedeadas em paraísos fiscais, compravam acções do próprio BCP e emprestavam dinheiro aos membros do seu Conselho Superior. Os prejuízos destas operações começaram por ser estimados em 200 milhões de euros, valor que logo foi recalculado em 350 milhões. Esta reavaliação dos prejuízos aconteceu já com Carlos Santos Ferreira como administrador do BCP, que se transferiu directamente da presidência da Caixa Geral de Depósitos para derrotar Miguel Cadilhe na assembleia geral do banco. A juntar às ilegalidades anteriores, a CMVM anunciou em Julho outras acusações ao banco: prestação de informação falsa ao mercado, omissão de prestação de contas ou irregularidades no financiamento dos pequenos accionistas para a compra de acções próprias.

No parlamento foi criada uma comissão de inquérito para apurar a verdade sobre o caso BCP. Mas muitas das perguntas ficaram sem resposta, porque os principais responsáveis pelas fraudes escudaram-se no segredo profissional ou de justiça para justificar o silêncio face ao parlamento. Bloco de Esquerda e PCP exigiram o levantamento do sigilo profissional mas PS e PSD opuseram-se, impedindo a investigação de ir até ao fim.

Face à superficialidade do relatório da comissão de inquérito, que não colocava odedo na ferida, o Bloco de Esquerda apresentou um relatório alternativo sobre o caso BCP, denunciando a forma como todas as operações fraudulentas se desenrolaram sob a negligência das autoridades supervisoras.

Já em Outubro, e perante os efeitos da crise internacional em Portugal, o governo anunciou uma garantia aos bancos no valor de 20 mil milhões de euros, verba de recurso em caso de incumprimentos de instituições financeiras, um valor equivalente a 11,7% do PIB do país.  A oposição de esquerda acusou o governo de atribuir um "cheque em branco" à banca (4 mil euros por contribuinte), sem sequer exigir explicações e contrapatidas aos bancos.  A proposta viria a ser aprovada pelos deputados do PS, do PSD e do PP, com a oposição do Bloco de Esquerda, PCP e Verdes, e com a abstenção de Manuel Alegre.

Mas a atitude de bombeiro que este governo adoptou com os bancos não se ficaria por aqui. No início do mês de Novembro, Teixeira dos Santos anuncia a nacionalização do Banco Português de Negócios, arruinado na sequência de operações especulativas e ilegais que se prolongaram por vários anos e que levaram à acumulação de 700 milhões de euros de prejuízos. Uma dessas operações foi a aquisição do Banco Insular de Cabo Verde por onde passavam operações paralelas e onde foram encontradas perdas no valor de 360 milhões de euros. E também houve utilização frequente de contas em bancos "off-shore" para evitar o pagamento de impostos. Neste caso, como já tinha acontecido no caso BCP, a supervisão do Banco de Portugal fracassou perante os indícios de actuação danosa do BPN.

Curioso ou não é o facto de os órgãos superiores do BPN pareceram uma galeria de notáveis do PSD: José Oliveira e Costa (que foi detido em Novembro deste ano, indicado por burla, branqueamento de capitais e fraude fiscal), Daniel Sanches, Fernando de Aguiar Branco, Rui Machete e Manuel Dias Loureiro foram alguns dos responsáveis que exerceram altos postos de governação durante os mandatos de Cavaco Silva ou de Santana Lopes. O envolvimento de Dias Loureiro obrigou Cavaco Silva a vir a público dar explicações, protegendo-se a si e ao seu velho amigo, que recusou saír do Conselho de Estado.

Na altura, o Bloco de Esquerda apresentou um conjunto de alterações à proposta do governo para nacionalizar o BPN. Os bloquistas queriam garantir a preservação dos postos de trabalho e a proibição de indemnizações quer aos accionistas envolvidos nas operações ilegais, quer aos actuais administradores do BPN.

Mas o Partido Socialista preferiu ignorar estas sugestões e aprovou a proposta do Governo de nacionalização do Banco Português de Negócios, com os votos contra de todas as bancadas da oposição. A medida permite que os responsáveis pela situação a que o banco chegou recebam avultadas indemnizações, e por isso mereceu o voto contra do Bloco de Esquerda. Os deputados socialistas Manuel Alegre, Vera Jardim e Paulo Pedroso abstiveram-se.

Finalmente, o país foi controntado com a notíca da falência do Banco Privado Português, liderado por João Rendeiro - o homem que tinha semanas antes apresentado um livro em que explicava os seus sucessos nos mercados internacionais. O Banco afundou-se em dívidas devido a operações ruinosas nas bolsas. O Governo começou por dizer que neste caso não interviria, pos tratava-se da falência de um banco que geria fortunas privadas e sem perigo de contaminação para o resto do sistema financeiro. Mas foi sol de pouca dura: dias depois, Teixeira dos Santos anunciava o salvamento pelo Estado do BPP, em nome da imagem de Portugal. Assim, o BPP recebeu um empréstimo de 450 milhões de euros de seis instituições de crédito, incluindo a Caixa Geral de Depósitos, tudo com o aval financeiro do Estado.

Em alternativa, o Bloco de Esquerda propõs que o BPP vendesse os activos de que dispunha, para obter o financiamento necessário, e que os seus donos reforçassem o capital para pagar as dívidas do seu banco. "Os accionistas receberam 30 milhões em dividendos nos últimos três anos (incluindo metade do lucro do ano passado) e são eles quem tem a responsabilidade de responder pelo banco", lia-se num comunicado do Bloco de Esquerda. Mas o governo continuou a fazer orelhas moucas e mais uma vez posicionou-se do lado dos banqueiros, terminando ao ano como tinha começado.

(...)

Neste dossier:

Portugal em 2008

Em Portugal, o ano de 2008 fica marcado pelas gigantescas mobilizações de professores contra a política educativa do governo. A crise financeira internacional também fez as suas vítimas por cá, tendo o governo preferido salvar os bancos, em vez de defender os mais fracos. Exemplo disso é o novo código do trabalho, aprovado só com os votos do PS, e o aumento da pobreza, do desemprego e da precariedade

Prémio "Precariedade 2008" para José Sócrates

O agravamento da precariedade em 2008, faz com que existam hoje 900 mil trabalhadores, aproximadamente 1/5 da população activa em Portugal, em situação precária. O Governo PS rejeitou a criminalização dos falsos recibos verdes, assim como a integração dos milhares de precários do Estado, e centrou a sua acção em falsos anúncios de "criação" de emprego. 

Aprovado divórcio sem culpa

A nova lei do divórcio foi um dos temas do ano que agitou as relações entre o Presidente da República e o PS. Cavaco Silva vetou a nova lei depois de aprovada no Parlamento, numa posição que lhe mereceu críticas de toda a esquerda parlamentar que o acusou de conservadorismo. Em Setembro o diploma teve novamente luz verde. 

As gigantescas mobilizações dos professores

2008 será sem sombra de dúvida lembrado pelos maiores protestos de sempre que uma classe profissional alguma vez protagonizou contra reformas impostas por um governo. Duas manifestações gigantescas e uma greve que ficou perto dos 100% de adesão, mostraram ao país que os professores não se rendem às políticas burocráticas e economicistas de José Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues. A contestação promete continuar com nova greve nacional a 19 de Janeiro de 2009. 

As fraudes financeiras e os favores à banca

Começando pelo BCP e terminando no BPN e no BPP, 2008 foi o ano em que a máscara dos banqueiros caiu. Foram milhões de euros de prejuízos camuflados na razão inversa dos prémios e regalias para os grandes responsáveis. As fraudes detectadas mostraram a promiscuidade entre o poder político e o económico. Com a agudização da crise financeira, o governo veio em socorro da banca com milhões, algo que nunca tinha ousado fazer com os trabalhadores ou os mais desfavorecidos. 

Novo código do trabalho aprovado só com os votos do PS

Fazendo tábua rasa das suas propostas enquanto oposição, o Partido Socialista aprovou o novo código do trabalho, merecendo rasgados elogios dos patrões e da direita. O fim do pagamento de horas extraordinárias, a legalização da precariedade e o ataque s convenções colectivas são algumas das novas regras que fazem de 2008 o ano em que a balança voltou a pender para o lado dos mais fortes. Só que nem tudo foram rosas para PS e Patrões, dado que o Tribunal Constitucional chumbou uma das normas do código, que assim voltará ao parlamento em 2009.

Universidades na penúria

Se 2007 trouxe à praça pública os escândalos, fraudes e negociatas que envolvem o ensino superior privado português, já o ano de 2008 trouxe à tona as enormes dificuldades financeiras que enfrentam as universidades públicas, face à redução contínua das transferências do Orçamento de Estado. Por outro lado, já quase não existem universidades sem propina máxima, e torna-se cada vez mais insustentável a precariedade a que estão sujeitos muitos dos professores deste sector. 

Populações e profissionais de saúde defendem SNS

Mudou o ministro da saúde mas a políticas mantiveram-se. O fecho das urgências nocturnas e a continuação da degradação do serviço nacional de saúde, levou as populações a saírem à rua de norte a sul do país. O descontentamento dos enfermeiros também ganhou expressão, na maior manifestação de sempre da classe, de que há memória. 

Contra a "Directiva da Vergonha"

A 18 de Junho, o Parlamento Europeu aprovou, por larga maioria, a "Directiva do Retorno", a lei comunitária que facilita a deportação de imigrantes ilegais, e que entrará em vigor em 2010. Em Portugal, como noutros países, as associações de imigrantes manifestaram-se contra o que chamaram "directiva da vergonha". Ainda em matéria de imigração de registar em 2008 os acontecimentos ocorridos no Bairro da Quinta da Fonte, em Loures, e toda a especulação que foi feita sobre a alegada natureza racista dos conflitos.

Alta tensão: Governo recusou alterar lei

Foi graças às acções de vários grupos cívicos que em muitas localidades do país contestaram a instalação de linhas de alta tensão na proximidade de casas e povoações, que em 2008 esta luta ganhou contornos nacionais, com o primeiro encontro nacional de movimentos a ter lugar em Junho. O governo foi forçado a recuar em alguns projectos mas o essencial, a alteração da lei, continua por concretizar. 

Esquerdas convergem contra o neoliberalismo

2008 foi ao ano em que várias personalidades e sectores da esquerda portuguesa se aproximaram para procurar alternativas à governação neoliberal e ao pensamento único. A convergência começou por se fazer sentir no comício festa do Teatro da Trindade, em Junho, e continuou no Fórum Sobre Serviços Públicos e Democracia, em Dezembro. No parlamento, Manuel Alegre e outros deputados socialistas votaram ao lado do Bloco de Esquerda e do PCP em matérias tão fundamentais como o código do trabalho.

PS chumbou casamentos homossexuais

Duas propostas de legalização de casamentos entre pessoas do mesmo sexo, subscritas pelo Bloco e Os Verdes foram chumbadas com votos da maioria dos deputados do PS. Os socialistas recuaram em relação ao compromisso de apresentar a proposta no programa eleitoral de 2009 e impuseram uma contestada disciplina de voto sobre esta matéria.

Número de mortes por violência doméstica duplicou

Foi um ano negro da violência doméstica em Portugal. Em 2008, 44 mulheres foram assassinadas por actuais ou antigos companheiros e maridos, mais do dobro que em todo o ano passado, em que se tinham registado 21 casos. A média deste ano, em termos de homicídio conjugal, permite concluir que, em cada semana, uma mulher é assassinada pelo seu marido ou companheiro. Portugal regista uma das piores estatísticas da União Europeia nesta matéria.

Linha do Tua: os acidentes e a barragem

No dia 22 de Agosto de 2008 um novo acidente na Linha do Tua causou mais uma morte. Foi o quarto acidente em cerca de ano e meio, levantando dúvidas e suspeitas sobre as condições de manutenção da linha. A previsível construção da barragem que vai deixar submersa pelo menos uma parte da Linha do Tua é contestada por cidadãos e movimentos, e apontada como uma das razões que pode estar na origem do "desleixo" com que governo e autoridades têm tratado este assunto. 

Camionistas paralisaram o país

2008 fica marcado por protestos em todo o Mundo contra o aumento do preço dos combustíveis. Em Portugal, os pescadores foram os primeiros a reagir, paralisando por alguns dias a frota pesqueira. Mas a mobilização com maior impacto foi sem dúvida a dos camionistas. Contra a vontade da grande empresa representativa do sector, milhares de camionistas revoltaram-se e montaram um bloqueio de vários dias no mês de Junho, que fez secar bombas de gasolina e obrigar o governo a negociar o que antes recusara. 

Primeira condenação por violência nas praxes

Em 2008, pela primeira vez um tribunal português condenou praticas violentas ocorridas durante cerimónias de praxes académicas em Santarém. Inédita é também a decisão do Tribunal da Relação do Porto de condenar o Instituto Piaget a pagar cerca de 40 mil euros a uma aluna vítima de praxe em 2002. O Parlamento reconheceu pela primeira vez a importância de se discutir este assunto e aprovou por unanimidade, na Comissão Parlamentar de Educação, um relatório com medidas de combate à violência nas praxes.   

Skinheads condenados por discriminação racial

O dia 3 de Outubro de 2008 fica na história portuguesa pela primeira condenação efectiva por discriminação racial. Dos 36 skinheads acusados de crimes de sequestros, ofensas corporais, posse ilegal de armas, distribuição de propaganda nazi e discriminação racial, 23 foram condenados à prisão, embora a mior parte tenha ficado com pena suspensa. Mário Machado, o líder do movimento Hammerskins Portugal apanhou 4 anos e 10 meses de prisão efectiva. 

Bloco elege primeiros deputados nos Açores

Nas eleições regionais dos Açores de 18 de Outubro, o Bloco de Esquerda triplicou o número de votos, passando para 3,3%, e pela primeira vez obteve representação na Assembleia Regional dos Açores, com dois deputados eleitos. O PS venceu novamente as eleições com maioria absoluta, num ano que também fica marcado pela polémica em torno dos vetos de Cavaco Silva ao Estatuto dos Açores. 

Congresso Karl Marx com 150 comunicações

A actualidade do pensamento marxista na presente conjuntura de crise do capitalismo global foi um dos temas que dominou o Congresso Internacional Karl Marx, realizado entre 14 e 16 de Novembro, e promovido pelo Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, pela Cooperativa Culturas do Trabalho e Socialismo (Cutra) e pela Transform Europe (rede internacional de associações culturais).