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Para lá da marioneta
O bloco central é uma marioneta manobrada, à vez, por Merkel, por Bruxelas e pelos grandes grupos económicos, à mistura com credores e especuladores tão gananciosos como descontrolados. A marioneta é uma personagem dum teatro orçamental que passou do cenário das negociações para o cenário da indefinição e logo passará para o cenário da viabilização orçamental. Ainda dei por mim a pensar, num momento de idealismo, que a marioneta olhou para o orçamento de 2011 e recuou perante o horror económico. No entanto, a peça do capitalismo medíocre, apostado numa brutal transferência de custos sociais para os mais vulneráveis, apostado na predação dos recursos públicos, está escrita. Os cortes na despesa pública, os mais profundos desde o 25 de Abril, vão originar quebras intensas, e assimétricas, nos rendimentos públicos e privados. É esse o efeito, é a economia do medo. E depois ainda há quem tenha a desfaçatez de vir dizer que é tudo muito promotor da poupança.
Levemos a sério, por um minuto, os argumentos dos economistas que maximizam sinecuras e que inspiraram a loucura do PEC III: equilíbrio das contas públicas, credibilidade internacional, financiamento da economia portuguesa, sustentabilidade das políticas sociais. Este são as palavras oficiais do regime. Mas as medidas oficiais, que complementam as palavras do regime, também as contradizem. Cortar nos salários e nos apoios sociais e aumentar o IVA comprime o mercado interno o que gera recessão e aumenta o desemprego. E as previsões costumam sair furadas: por exemplo, na precoce Irlanda previa-se um crescimento de 1% para 2009, no seguimento da austeridade, e acabou-se com uma quebra de 10%. Seguem-se novos cortes e um processo deflacionário. É assim que se pretende corrigir os desequilíbrios com o exterior, numa União construída para fazer com que o ajustamento se faça exclusivamente pelo “factor trabalho”, para usar a desumana expressão de Cavaco. Estamos em plena “doutrina do choque”, com ou sem FMI.
O diabo está nos detalhes desta utopia. Quem fez as contas sabe que os cortes salariais, que imitariam uma desvalorização cambial a sério e indisponível, são brutais. Entretanto, o mercado interno europeu, comprimido pela austeridade, assegurará uma saída para as exportações abaixo das previsões oficiais. A recessão continuará a pressionar as contas públicas e a garantir, neste ambiente intelectual moribundo, novos cortes. As falências, a quebra de rendimentos e o resto que se sabe aumentarão as dificuldades em servir a dívida privada e pública e logo afectarão o financiamento de toda a economia, levando ao incumprimento dos pagamentos. Os especuladores sem freios ampliarão tudo. Ciclo vicioso.
Os moralistas das finanças públicas farão a demagogia do costume porque o peso da dívida pública num PIB diminuído poderá não cair como se espera. Como se contraria isto? Com resistência social e política por toda a Europa. Só assim se poderá impedir este capitalismo de pilhagem, por enquanto no valor de mais de cinco mil milhões de euros em Portugal, entre cortes e impostos regressivos. Entretanto, temos de reconhecer que parte da saída para a crise é europeia e passa por um estimulo financiado pelo fundo europeu recém-criado, pelo BCE e por euro-obrigações, como defendem os estudos económicos da Confederação Europeia de Sindicatos. Não se apela à solidariedade da Alemanha, mas sim ao seu interesse próprio. A alternativa é ver o colapso dos seus mercados e os seus bancos a arder, tal como as periferias: Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha. Os PIGS. E não esqueçamos o Leste europeu. O reforço do “estúpido” PEC, com sanções selectivas, é assim a expressão da miopia das elites europeias face ao desastre. O governo, claro, aceita tudo.
Por este caminho, vamos para a destruição do Estado-Providência e de todas as regras que protegem os trabalhadores, sem nada sobrar de uma economia civilizada. Será o objectivo deste euro? Os irresponsáveis que nos colocaram num euro disfuncional, os mesmo que ainda podemos ouvir por todo o lado, estão descansados nas suas mordomias. O povo não. Eu confio mais no povo. Greve Geral.
29 de Outubro de 2010
João Rodrigues
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