Pandemia pode empurrar para a pobreza 500 milhões de pessoas em todo o mundo

A Oxfam lançou o alerta: se não forem tomadas medidas urgentes, a pobreza global poderá abranger 8% da população mundial. Isso seria um retrocesso de décadas para vários países, aponta o estudo apresentado em vésperas da reunião dos ministros das Finanças do G-20.

10 de abril 2020 - 19:52
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Os dados constam de um recente estudo de Andy Sumner e Eduardo Ortiz-Juarez do King’s College London e Chris Hoy da Australian National University, publicado pela United Nations University World Institute for Development Economics Research (UNU-WIDER), que faz projeções sobre o potencial impacto a curto prazo do Coronavirus em termos de pobreza global. O estudo, que tem como referência as linhas de pobreza definidas pelo Banco Mundial: pobreza extrema para quem vive com menos de 1,9 dólares por dia até limiar da pobreza para quem vive diariamente com 5,5 dólares, conclui que no pior cenário, o número de pessoas a viver na pobreza pode aumentar entre 434 milhões e 611 milhões.

Foi precisamente tendo em conta esse estudo e com o objectivo de “enfrentar a crise do coronavirus e reconstruir um mundo mais igual para todos”, que a Oxfam apresentou o “Plano de Resgate Económico para Todos”.

As reuniões dos ministros das finanças do G-20, do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, que terão lugar na próxima semana, não são indiferentes à escolha do momento da apresentação. A organização lançou assim o apelo aos líderes mundiais para aproveitarem esses momentos para chegarem a acordo sobre medidas essenciais que possam permitir a sobrevivência dos países em vias de desenvolvimento a esta crise. Uma “crise económica que se está rapidamente a desenvolver” e que “é mais profunda que a crise financeira de 2008”.

De acordo com a Oxfam, é necessário mobilizar 2,5 biliões de dólares para ajudar os países em vias de desenvolvimento, para “travar a pandemia e prevenir um colapso económico global”. Mas também é necessário que essa ajuda assente “num novo contrato social entre as pessoas, os governos e os mercados, que permita reduzir a desigualdade que continua a crescer nesses países. É essencial garantir às pessoas aquilo que os líderes destes países têm falhado: um acesso universal a cuidados de saúde a garantias mínimas de rendimentos.

O “Plano de Resgate Económico para Todos”

Este plano assenta em dois eixos: as ações destinadas a ajudar as pessoas e as empresas, e as ações necessárias ao pagamento das primeiras.

Entre as ações destinadas à proteção das pessoas, o plano considera essencial a atribuição de ajudas pecuniárias e um aumento massivo dos benefícios e apoios da proteção social, para que as pessoas possam sobreviver, ou a atribuição de subsídio aos trabalhadores. Ao nível das empresas, o plano prevê a possibilidade de resgate das pequenas empresas, que são também as que têm menos meios para lidar com a crise. No caso de resgates de grandes empresas, o plano preconiza a introdução de condições como a defesa dos direitos dos trabalhadores, dos agricultores e dos contribuintes.

Relativamente ao segundo eixo, as ações para financiar a ajuda as anteriores, a Oxfam considera essencial a suspensão e cancelamento da dívida dos países em vias de desenvolvimento, à semelhança do que tem sido pedido por muitas outras organizações mundiais nas últimas semanas. O plano sugere também a emissão de 1 bilião de Direitos de Saque Especiais (SDRs) e o aumento da ajuda, apelando aos países ricos que cumpram os seus compromissos de contribuir com 0,7% do PIB. Por fim, apela à adoção de impostos de emergência solidária, que podem consistir na taxação de lucros extraordinários, impostos sobre as fortunas, sobre produtos financeiros especulativos ou sobre atividades que tenham impacto ambiental.

Uma crise que evidencia ainda mais as extremas desigualdades

Depois da crise de 2008, não se aprenderam lições, os governos continuaram a implementar as mesmas políticas económicas insustentáveis que aprofundam a desigualdade e têm contribuído de forma exponencial para agravar as alterações climáticas. Uma crise em que, como descreveu o Diretor Executivo Interino da Oxfam International, Jose Maria Vera, “os regastes dos bancos e das multinacionais foram pagos pelas pessoas comuns, ao mesmo tempo que se perderam postos de trabalho, os salários foram congelados, e os serviços essenciais, tal como os serviços de saúde foram cortados até ao osso.”

A crise global que agora se apresenta é uma crise que evidencia ainda mais “as extremas desigualdades entre as pessoas ricas e pobres, entre os países ricos e pobres e entre homens e mulheres”.

Em todo o mundo milhões de trabalhadores estão a ser mandados para casa à medida que as empresas fecham. É preciso ter em conta que há 2 mil milhões de trabalhadores no âmbito da economia informal, sem direito a baixa médica paga ou a qualquer direito ou compensação laboral. Esta é a situação de 90% dos trabalhadores nos países em vias de desenvolvimento, 67% nos países emergentes, e 18% nos desenvolvidos.

Em termos de género, a situação é substancialmente pior para as mulheres. Nos países em desenvolvimento 92% das mulheres trabalha na economia informal.

Nos países mais ricos, anos de retrocesso nos direitos laborais e o aumento expressivo da precariedade, têm contribuído para a pobreza. E estes trabalhadores pobres não podem tirar dias para descanso ou para se isolarem do vírus, precisam de trabalhar para sobreviver, apesar da ironia de nos dias que correm isso signifique arriscar a vida diariamente.

Na educação, as soluções que estão a ser adoptadas discriminam as crianças pobres, que não têm acesso a equipamentos digitais mas que ficam privadas também dos programas alimentares que eram proporcionados pelas escolas.

A Oxfam chama a atenção para o facto das respostas dos governos deverem “especial atenção àqueles grupos que são geralmente esquecidos nas decisões políticas, e que, no entanto, estão numa situação de maior vulnerabilidade devido às suas condições de vida e aos efeitos da discriminação social: migrantes, minorias étnicas e raciais, presos, pessoas LGBTQIA+ e pessoas com deficiência”.  

Uma nota positiva

Se por um lado a actual crise pandémica está a expôr as vulnerabilidades das políticas postas em prática pelos vários países e governos, está, por outro lado, a mostrar que as pessoas são capazes de se mobilizar coletivamente de forma solidária. Por isso. nas notas finais, a Oxfam deixa uma nota positiva: “não é preciso isto ser assim. Podemos reconstruir um mundo melhor”. “Juntos podemos aprender as lições desta crise sem precedentes para construir uma economia mais humana e um mundo mais justo”.

 

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