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Os novos Frankensteins

A Comissão Europeia continua determinada em aprovar o cultivo de uma variedade de milho geneticamente modificado da Pioneer. Se esta investida for bem sucedida, esta variedade de milho irá juntar-se a outra criada pela Monsanto, que já é cultivada na Europa, e abrir mais uma brecha na política anti-transgénicos europeia.

 

Apesar da oposição do Parlamento Europeu e da maioria dos governos representados no Conselho Europeu, a Comissão Europeia continua determinada em aprovar o cultivo de uma variedade de milho geneticamente modificado da Pioneer. Se esta investida for bem sucedida, esta variedade de milho irá juntar-se a outra criada pela Monsanto, que já é cultivada na Europa, e abrir mais uma brecha na política anti-transgénicos europeia.

Os transgénicos são organismos cujos genes foram alterados em laboratório para terem determinadas caraterísticas consideradas úteis por gigantes da agro indústria como a Monsanto, a Pioneer, ou a DuPont que procuram assim garantir um cada vez mais apertado controlo da produção de alimentos no mundo. No caso do milho transgénico, trata-se de uma variedade que liberta um inseticida potente, que, como todos os pesticidas químicos, dizima tanto os insetos prejudiciais à agricultura como os benéficos (os polinizadores, como borboletas e abelhas). Quando agricultores optam por cultivar este milho, ficam reféns da empresa que vende as sementes, já que estas não podem ser replantadas, em troco de promessas de aumento da produtividade que não se concretizam.

A evidência científica disponível desmente a ideia de que a produtividade da agricultura aumente quando se cultivam organismos geneticamente modificados. Num relatório de 2008 do International Assessment of Agricultural Knowledge, Science and Technology for Development, um painel intergovernamental formado por quatrocentos cientistas e representantes da sociedade civil e de instituições internacionais, os dados compilados por cientistas mostram que os transgénicos falham no seu objetivo de oferecer uma maior produtividade ou de reduzir o uso de pesticidas e herbicidas. A síntese do estado do conhecimento é clara ao apontar para a agricultura ecológica de pequena escala como uma solução social e ambientalmente sustentável para alimentar o mundoi.

O cultivo de transgénicos é particularmente pernicioso devido ao risco de contaminação das culturas por polinização cruzada. O pólen pode ser transportado por insetos e pelos ventos por uma distância que pode ir de uns metros a dezenas de quilómetros, pelo que não há barreiras de segurança suficientemente largas para garantir que as novas espécies introduzidas no meio ambiente não proliferem, competindo com as variedades tradicionais e contaminando os cultivos não transgénicos. Este é um problema particularmente agudo para a agricultura biológica, já que a contaminação de uma cultura implica a perda da certificação do produto como biológico, destruindo anos de trabalho e levando à ruína quem não contamina os solos e os rios com químicos perigosos.

No clássico de Mary Shelley, o brilhante cientista Victor Frankenstein consegue dar vida a um ser criado a partir de partes de cadáveres, apenas para ser confrontado por uma monstruosidade que o repugna. O monstro de Frankenstein, rejeitado pelo seu criador e pelas pessoas com que se encontra, torna-se um assassino, pelo que o cientista o persegue até ao Polo Norte para destruir o fruto da sua ambição. A tragédia ilustra a necessidade de conciliar a ciência com a ética e alerta para os perigos de libertar na natureza formas de vida criadas artificialmente, uma lição que empresas como a Monsanto se recusam a aprender. De facto, os novos Frankensteins não só não reagem com repugnância e alarme à proliferação dos seus monstros como fizeram dela o seu modelo de negócio.

 


Sobre o/a autor(a)

Ricardo Coelho, economista, especializado em Economia Ecológica
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Neste dossier:

Monsanto: Há mais de um século a contaminar o planeta

Criada em 1901 como uma empresa de produtos químicos, a Monsanto, hoje dedicada à biotecnologia agrícola, tem vindo, ao longo dos anos, a contaminar o nosso planeta, a controlar a nossa alimentação e a exercer o seu poder e influência junto de governos e organismos públicos. Dossier organizado por Mariana Carneiro.

Monsanto: “Possivelmente a corporação mais temida da América"

A Monsanto passou de uma pequena empresa química para uma extremamente poderosa empresa mundial de biotecnologia agrícola, que a revista Fortune identifica como “possivelmente a corporação mais temida da América". Neste artigo, assinalamos alguns dados que nos ajudam a perceber a dimensão do poder e influência desta empresa.

Os produtos com que a Monsanto contamina o planeta

O envenenamento do meio ambiente e de populações com PCB's, a aplicação massiva de Agente Laranja no Vietname, os perigos para a saúde pública causados pela hormona de crescimento bovino, a contaminação de culturas pelos OGM ou os efeitos do herbicida Roundup nas células humanas são algumas das matérias que a Monsanto procura branquear a todo o custo.

Os atos das sementes

O acesso livre a sementes é a base da soberania alimentar, que é o direito de todos os povos à definição das suas próprias políticas agrícolas e alimentares de forma apropriada às suas circunstâncias particulares. Este direito está hoje a ser atropelado. Artigo de Lanka Horstink.

Monsanto e a controvérsia científica

 

Os organismos geneticamente modificados (OGMS) são um tipo de biotecnologia que enquanto dispositivo político reforça os cânones da ciência moderna. Centrais na discussão sobre a objetividade e missão da ciência, bem como da legitimidade das publicações científicas, os OGMs promovem uma controvérsia que se desenha no eixo norte-sul e na dissidência científica. Artigo de Irina Castro.

As agriculturas do mundo e o negócio das sementes, fertilizantes e pesticidas

 

Não por mero acaso, o percurso histórico de agravamento das desigualdades produtivas e da fome, no século XX, é coincidente com o da história das principais multinacionais que ainda hoje atuam no mercado mundial. Artigo de Ricardo Vicente.

Uma outra revolução verde

Em 1968, o diretor da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), William Gaud, anunciava uma revolução tecnológica para aumentar a produtividade agrícola. Hoje assistimos ao mesmo tipo de discurso, baseado no mesmo tipo de erros.

Os novos Frankensteins

 

 

A Comissão Europeia continua determinada em aprovar o cultivo de uma variedade de milho geneticamente modificado da Pioneer. Se esta investida for bem sucedida, esta variedade de milho irá juntar-se a outra criada pela Monsanto, que já é cultivada na Europa, e abrir mais uma brecha na política anti-transgénicos europeia.

Monsanto: Do agente laranja ao agente laranja

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Máquinas de guerra: Blackwater, Monsanto e Bill Gates

O maior exército mercenário do mundo, Blackwater vendeu serviços clandestinos de espionagem à transnacional Monsanto. Artigo de Silvia Ribeiro, La Jornada, publicado em 2010.

O lado mais sujo da Monsanto

Para impor os seus produtos em todo o mundo, a empresa mobiliza agências de espionagem norte-americanas, vigia cientistas e dispara ataques cibernéticos. Por Marianne Falck, Hans Leyendecker e Silvia Liebrich, no Süddeutsche Zeitung.

Documentários que falam sobre a Monsanto

Neste artigo, o esquerda.net reproduz os documentários “Le monde selon Monsanto” (O Mundo segundo a Monsanto), “Seeds of Freedom” (Sementes da Liberdade)”, “Food Inc.” (Alimentos SA), e “The Future of Food” (O futuro dos Alimentos).