Monsanto: Do agente laranja ao agente laranja

porNelson Peralta

A Monsanto desenvolveu variedades OGM de algodão e soja resistentes ao herbicida dicamba (igualmente utilizado na guerra do Vietname, semelhante ao 2,4-D) aguardando apenas a aprovação do USDA. Com o cultivo destas variedades geneticamente modificadas regressa a utilização de um dos químicos do infame agente laranja. É um regresso às origens.

23 de março 2014 - 8:37
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Foto da Wikipedia.

Os lucros da Guerra no Vietname

Na guerra do Vietname, o agente laranja foi uma das armas mais importantes utilizadas pelas forças norte-americanas. Era composto por dioxinas extremamente tóxicas (em partes iguais: 2,4,5-T e 2,4-D). A sua concentração no solo e água ficou extremamente elevada e os efeitos na saúde pública e no ambiente foram devastadores. Três milhões de vietnamitas, distribuídos por três gerações, foram afetados. A prevalência de cancro e malformações fetais aumentou. Também um elevado número de soldados americanos sofreu de graves problemas de saúde em resultado da exposição ao químico. Os efeitos no ambiente e na capacidade agrícola foram igualmente drásticos, com perda de floresta e solos pobres, com invasão de espécies vegetais pioneiras e perda de biodiversidade animal e vegetal.

O agente laranja era um herbicida. Argumentava-se na altura que não se tratava de uma arma química, mas apenas de um desfolhante para retirar a cobertura e o esconderijo aos combatentes de guerrilha. A guerra acabou em 1975 com a retirada dos norte-americanos, mas o agente laranja ficou até aos dias de hoje. O herbicida foi fabricado, diretamente para o Departamento de Defesa dos EUA, pela Monsanto e pela Dow Chemical. Hoje, no site da Monsanto podemos ler que “apesar de não ter sido estabelecida uma relação causal entre o agente laranja e doenças crónicas em humanos, alguns governos tomaram a decisão de providenciar certos benefícios médicos a veteranos e às suas famílias apesar de não ter havido uma determinação que um problema individual de saúde tenha sido causado pelo agente laranja”.

A sentença em França

Em 2013, o tribunal de Lyon declarou a Monsanto culpada de envenenamento de um agricultor. Paul François sofreu problemas neurológicos, incluindo perda de memória, cefaleia e disfemia (gaguez) devido à inalação do pesticida Lasso da Monsanto. O uso decorreu em 2004. Em 2007 a França baniu o químico em causa. A gigante norte-americana foi condenada, numa sentença histórica, por não disponibilizar informação adequada no rótulo sobre os riscos. Pela primeira e única vez, um fabricante de pesticidas fora condenado por envenenamento de um utilizador dos seus produtos.

Anteriormente, em 2009, o Tribunal Supremo Francês considerou a Monsanto culpada por publicidade enganosa e por não dizer a verdade sobre a perigosidade do best-seller mundial, o Roundup. A empresa tinha-o anunciado como biodegradável e que deixava o solo limpo. A multa foi de apenas 15 mil euros.

O objetivo

As grandes empresas de organismos geneticamente modificados (OGMs) e de sementes têm as raízes da sua atividade na indústria química. Se antes apenas fabricavam pesticidas, agora procuram um monopólio vertical do negócio. Assim, constroem OGMs resistentes especificamente aos seus pesticidas. O objetivo é vender a semente (“super-semente”), mas obrigar os agricultores à dependência dos seus pesticidas e fertilizantes específicos para aquela planta.

Procuram também produzir variedades OGM que elas próprias segregam pesticidas. Argumentando que se reduz a quantidade de químicos espalhados no ambiente e a contaminação das águas, obliterando o facto que assim esses químicos se introduzem imediata e diretamente na cadeia alimentar.

A estratégia está a resultar. Nos Estados Unidos, se em 2011 34% dos agricultores usavam “super-sementes”, em 2012 eram 49%. A maior parte destas variedades são resistentes ao glifosato (o princípio ativo do Roundup). A empresa, claro está, garante a absoluta segurança do composto, mas vários estudos mostram os perigos para a saúde pública: infertilidade, cancro, Parkinson, entre outras doenças.

Acontece, como é natural, que as ervas infestantes estão também a tornar-se resistentes ao glifosato. É por isso que a Monsanto quer juntar genes que confiram às suas sementes resistência a mais herbicidas, no caso o dicamba.

O regresso às origens

Em janeiro deste ano, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) deu a luz verde à Dow para comercialização do seu novo milho e soja geneticamente modificados resistentes ao seu herbicida 2,4-D. A Monsanto desenvolveu variedades OGM de algodão e soja resistentes ao herbicida dicamba (igualmente utilizado na guerra do Vietname, semelhante ao 2,4-D) aguardando apenas a aprovação do USDA. Com o cultivo destas variedades geneticamente modificadas regressa a utilização de um dos químicos do infame agente laranja. É um regresso às origens.

A estratégia de desenvolver variedades OGM resistentes aos seus químicos leva ao desenvolvimento de resistências naturais nas infestantes e nas pragas. A situação é agravada pela falta de diversidade genética das culturas OGM. Assim, o caminho é a procura de uma combinação de um maior número e mais potentes pesticidas. Uma corrida para o abismo de um cocktail químico que compromete a saúde pública e o ecossistema.

Os agricultores que escolhem não usar as super-sementes são afetadas por elas. O uso intensivo dos pesticidas nas super-sementes – ao serem arrastados pelo vento e pela água – destrói ou reduz drasticamente a produtividade de agricultores que cultivam variedades naturais. É que estas  espécies naturais não são imunes aqueles químicos potentes. A segurança alimentar é comprometida em nome do lucro das grandes multinacionais que desejam um domínio e controlo absoluto sobre o agronegócio.

Portugal submisso à indústria agroquímica

A população mundial de abelhas está a ser dizimada. Uma das causas são os pesticidas neonicotinoides. A União Europeia suspendeu três destes pesticidas, Portugal foi dos poucos estados-membros a votar contra. Em fevereiro, um novo milho OGM da Monsanto foi autorizado na União Europeia apesar da oposição da maioria dos Estados-membros. O voto de Portugal foi decisivo para essa autorização.

A Lei 26/2013 transpõe a Diretiva n.º 2009/128/CE, regulamentando o uso de produtos fitofarmacêuticos, genericamente conhecidos por pesticidas. Se a diretiva europeia estipula a “proteção integrada” (isto é, a procura do melhor método não químico, químico ou a conjugação de ambos para solucionar um problema), a proposta de transposição elaborada pelo governo não continha sequer essa expressão. O governo pretendia uma lei onde vigorava apenas as “boas práticas fitossanitárias” (isto é, todos os problemas têm apenas uma solução química). Por proposta do Bloco de Esquerda, a proteção integrada foi incorporada na lei.

A atividade abusiva e lesiva das multinacionais agroquímica apenas é conseguida com a cumplicidade dos governos. Infelizmente, Portugal tem estado na linha da frente. Esta é também uma das lutas a travar, no país e no planeta.

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