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Número de mortes por violência doméstica duplicou
Foi um ano negro da violência doméstica em Portugal. Em 2008, 44 mulheres foram assassinadas por actuais ou antigos companheiros e maridos, mais do dobro que em todo o ano passado, em que se tinham registado 21 casos. A média deste ano, em termos de homicídio conjugal, permite concluir que, em cada semana, uma mulher é assassinada pelo seu marido ou companheiro. Portugal regista uma das piores estatísticas da União Europeia nesta matéria.
Um estudo divulgado pela União das Mulheres Alternativa e Resposta - UMAR, em Novembro passado, revela que só nos primeiros seis meses de 2008 ultrapassou-se o número de vítimas registadas em todo o ano anterior. Outras 64 mulheres foram vítimas de tentativas de homicídio que resultaram em marcas para toda a vida no seu corpo.
O número de vítimas por violência doméstica registado em 2008 aproxima-se dos valores registados em 2004, 42 vítimas mortais de violência doméstica. Desde 2004, 183 mulheres morreram devido a actos de violência doméstica.
O relatório da UMAR revelou que nos últimos três anos existiu alguma tendência para descida de caos de homicídios - 36 em 2005, 37 em 2006 e 21 em 2007 - mas este ano voltou a assinalar-se um extraordinário aumento. As áreas metropolitanas de Lisboa (7 casos) e do Porto (6 casos) são as que registam maior número de vítimas mortais deste tipo de violência.
Quanto à evolução do número denúncias de violência doméstica participadas às autoridades portuguesas, verifica-se um crescimento a um ritmo superior a 11% ao ano desde 2000 e duplicou em 7 anos, atingindo em 2006 as 20 mil denúncias. Só nos primeiros seis meses de 2008 foram apresentadas mais de quatro mil queixas por violência doméstica, apenas no distrito de Lisboa.
Dados divulgados em 2008 pelo Observatório das Mulheres Assassinadas da UMAR indicam que as vítimas e os agressores são cada vez mais novos, quando nos anos anteriores as idades se situavam claramente acima dos 50 anos. A maioria das vítimas mortais de violência de género tem entre 24 e 35 anos. Os agressores têm, na sua maioria, entre 36 e 50 anos.
Além das mulheres continuarem a ser vítimas dos maridos e companheiros ou "ex", estão a sê-lo cada vez mais dos namorados ou "ex". Na maioria dos casos, os homens não aceitam um pedido de divórcio, o fim da união ou do namoro. Os dados do observatório apontam também para a relação entre o aumento dos crimes conjugais e a crise económica e o desemprego, dado que muitas das vítimas e dos agressores estavam desempregados quando ocorreu o homicídio.
No capítulo da prevenção os dados de 2008 são igualmente preocupantes: estudos realizados pela Universidade do Minho, mostram que a violência nas relações amorosas nos jovens entre os 15 e os 25 anos atinge níveis preocupantes e idênticos aos verificados entre os adultos. Um dos aspectos mais alarmantes é que essa violência é cada vez mais precoce e aceite como "natural" pelos próprios, incluindo as situações de sexo forçado. Os dados indicam que a violência entre os jovens dos 15 aos 25 anos é igual à do casamento: 25 por cento dos jovens já foram vítimas de violência numa relação.
A maior visibilidade dos centros de apoio às vítimas e das campanhas contra a violência doméstica fizeram muitas mulheres perder o medo e avançar com queixas, como os números de 2008 revelam quanto ao aumento de denúncias de maus-tratos.
Mas apesar de toda a consciencialização social, os dados apontam para um grande agravamento deste problema, o que levou a UMAR a assinalar o dia 25 de Novembro, Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra a Mulher, com um apelo à solidariedade masculina, através do lançamento da campanha "Não sou cúmplice". A campanha inclui o lançamento de uma petição on-line e várias acções de rua. A organização, dirige-se aos homens, para apelar "para se solidarizarem com as vítimas de violência, retirarem o apoio aos agressores e se demarcarem dos seus actos". "Os homens abaixo-assinados repudiam toda e qualquer violência contra as mulheres, comprometendo-se na consciencialização e intervenção social da sociedade para a igualdade de género e promoção de uma cultura de não-violência", refere o texto da petição.
Um dos aspectos desta realidade que mais preocupa as ONG's, e associações de apoio às mulheres é o da falta de os mecanismos de protecção das vítimas a nível penal e de punição efectiva do agressor.
Veja-se um exemplo: em 2008, no distrito do Porto, os 800 casos de violência doméstica identificados pelas autoridades deram origem a apenas duas detenções.
Por outro lado, as associações contestam o adiamento, por parte do Governo, da implementação de medidas concretas de protecção às vítimas. É disso exemplo o atraso, de cerca de dois anos para a publicação do despacho que isenta de taxas moderadoras as vítimas de violência doméstica que acorrem aos hospitais. A publicação, prometida em 2006, só foi publicada a 5 de Agosto de 2008. Durante esse período foram várias as situações que vieram a público de hospitais - como o caso de São Marcos, em Braga - que cobravam perto de 150 euros pelas consultas e taxas moderadoras às mulheres vítimas de violência doméstica, alegando que só depois de provada em sentença judicial a agressão à mulher é que se poderia isenta-la. Esta exigência foi factor de desmotivação da vítima para denunciar o agressor, dado que num caso em que não existam terceiros envolvidos (se a vítima disser que caiu, por exemplo) apenas está sujeita ao pagamento da taxa moderadora.
O Bloco apresentou no Parlamento um Projecto de Lei sobre a protecção das vítimas de violência de género, que engloba e unifica as medidas nas diversas áreas - o apoio directo às vítimas, na área social, da educação, da saúde e do trabalho.
No final de Novembro o Governo anunciou finalmente medidas que vão ao encontro de soluções há muito defendidas pelas ONG'S e pelo Bloco.
É o caso da garantia de afastamento controlado por vigilância electrónica, através de pulseiras electrónicas para os agressores, que verifica se está a ser respeitada a distância em relação à vítima fixada pelo tribunal, uma medida que permite que não seja a vítima a sair de casa.
Já no que respeita à detenção dos agressores, o Bloco defendeu o fim do flagrante delito como condição legal para a prisão preventiva, e propôs a alteração da Lei, no sentido de garantir a protecção das vítimas. O diploma bloquista incluiu uma alteração ao artigo 257 do Código de Processo Penal para acrescentar que, fora de flagrante delito, o agressor pode ser detido quando "houver razões para crer" que "é necessário impedir o visado de tornar a cometer actos da mesma natureza". O Bloco propôs ainda que nos casos em que a apresentação ao juiz não seja imediata, o agressor possa continuar detido se houver motivos razoáveis para crer que possa repetir o crime.
Face à iniciativa do Bloco, o PS veio a apresentar um Projecto de Lei sobre o assunto, em tudo semelhante, e ambos foram aprovados pela Assembleia da República.
Também ao nível do Código de Trabalho, recentemente aprovado, o Bloco introduziu medidas de protecção às vítimas no trabalho, assegurando que estas não sejam penalizadas em situações em que é necessária a sua ausência do posto de trabalho, para garantir a sua segurança, assim como a confidencialidade de transferências de local de trabalho.
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