NATO, para que te quero?

porLuís Fazenda

A NATO tem sido o exército cuja divisa é o dólar, o braço armado do capitalismo “ocidental”, hoje capitalismo global.

16 de novembro 2010 - 21:00
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Avião F/A-18C “Hornet” prepara-se para ser catapultado do porta-aviões USS Theodore Roosevelt. Foto US Army Korea - IMCOM

Portugal é um país fundador da NATO em 1949 (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Ao tempo vigorava no país, como se sabe, uma ditadura fascista, comandando um vasto império colonial em África. Situar estes factos é sempre indispensável: eles mostram que a NATO consolidou o fascismo e o colonialismo portugueses, mostram também que essa aliança militar nunca teve como intuito a defesa da “democracia”.

No pós 2ª guerra mundial, as ilhas dos Açores e, em menor escala, o continente luso, eram territórios estratégicos para as pontes aéreas americanas e para o controlo naval do sudeste atlântico. Esse interesse americano ditou a pertença de Portugal na NATO, para alívio do ditador Salazar. A referência estratégica era a contenção da U.R.S.S. a leste e dos seus satélites europeus. Note-se que a aliança militar rival, o Pacto de Varsóvia, só foi criada em 1953, posteriormente, apesar de a NATO se proclamar como organização “defensiva”. A autonomia dos estados-peões dos americanos, ou dos estados-peões russos, era quase nula. A tal ponto que a França de De Gaulle veio a retirar-se da estrutura militar da NATO. Atitude semelhante foi seguida no bloco oposto pela Jugoslávia de Tito. De ambos os lados do que se convencionou chamar de Guerra Fria vingou o militarismo das potências-chefe, submetendo os seus “alinhados”, de facto subordinados.

A NATO tem sido o exército cuja divisa é o dólar, o braço armado do capitalismo “ocidental”, hoje capitalismo global. A protecção da NATO é a defesa da propriedade das companhias e activos financeiros que hegemonizam os mercados, fazendo coincidir a defesa desses factores com a defesa dos interesses político-militares dos EUA, em vários contextos geoestratégicos.

A ameaça explícita até aos anos 50 do século passado era identificada com “o comunismo”. Depois da implosão da U.R.S.S. e do Pacto de Varsóvia, a ameaça que tem vindo a declarar-se como finalidade de combate da NATO é “o terrorismo”. O dito combate ao terrorismo, Bush proclamou mesmo a “guerra geral ao terror”, tomou como pretexto a acção violenta de grupos islamitas radicais, tipo Al-Qaeda, para generalizar uma pressão constante de controlo policial do planeta. Os “exemplos” para a pressão geral mais recentes aí estão: Afeganistão e, embora sem a direcção formal da NATO, o Iraque. Num recente livro de memórias (muito recentes, não fosse esquecer-se), George W. Bush diz mesmo que invasões ao Irão, Síria e Líbano foram planeadas ao pormenor e por pouco não se efectuavam.

O clamor dos povos que deu a volta ao planeta com o desembarque pavoroso no Iraque contiveram outras agressões no imediato. Obama trouxe, entretanto, uma nuance no desenho do conceito estratégico da NATO: ganhar os povos para a ideia de que esta é a polícia “boa”, a cavalaria que defende o estilo de vida ocidental numa guerra infinita de ameaças difusas (convencionais, químicas, bacteriológicas) e, portanto, infinitas. Obama vai mais longe ao tentar adequar a rede militar ao quadro capitalista prevalecente: alargar à Rússia e à China o contrato de ajuda e coexistência armada. A NATO global para o imperialismo global. A proposta de “parcerias” é genuína. É, por isso, que a acusação que é feita aos anti-imperialistas de serem anti-americanos é não apenas falsa, porque sempre isentámos o povo norte-americano da máquina de guerra do Pentágono, como hoje a Rússia e a China são também colaboradores do diktatmundial, com peso crescente, empurrando uma reformulação a prazo da estrutura militar da NATO, para os abranger.

Não deixa de ser uma ironia para os políticos que recomendam, há décadas, um “governo” da globalização económica e financeira, que esse governo seja, de facto, um governomilitar, apesar das fachadas de cimeiras de G7, 8, 9, ou 20! A NATO não traz a democracia à globalização com “parcerias” com ditaduras, ou meias-democracias como é o caso da Federação Russa. Esse braço armado das Bolsas de capitais e mercadorias tem mesmoum conflito com a democracia, como se verifica pelo atropelo da Constituição e leis da própria nação de Washington. Como é o caso manifesto da tortura, sequestro, campos de concentração, etc. Já não falando da manipulação habitual das agências de espionagem e eliminação física.

O “governo” da globalização pratica a invasão manu militari, utiliza meios de extermínio de massa de civis, comolinha de estratégia militar.

A defesa da democracia política, da democratização global, do papel da cidadania nas instâncias internacionais, é mesmo uma causa que devendo abrigar-se na Carta das Nações da ONU, só pode afrontar a NATO, os seus parceiros de dentro e de fora!

A Cimeira da NATO de 2010 em Lisboa é o palco para esse novo acordo geral do capitalismo. O presidente russo Medvedev, uma emanação do Czar Putin, até dialoga com Barack Obama onde vai ser o local do escudo anti-míssil, desta vez um escudo com “rosto eslavo”. É o abraço do urso, símbolo novo da NATO.

Entretanto, os europeus já se resignam pelo facto de não irem ser desactivados os arsenais de armas nucleares obsoletas estacionadas neste continente, em especial mais de 200 ogivas alojadas na Alemanha e Espanha, que já passaram todos os prazos de validade.

Portugal, especializado em cimeiras de má memória, oferece o habitat para a função, porém é desconsiderado pela própria aliança militar. O Pentágono desclassificou as utilidades da Base das Lajes e também da sede do comando de Oeiras. No novo quadro internacional, o território e o mar português já não são peça-chave no dispositivo, e o militarismo pátrio é despromovido, apesar da hotelaria da Cimeira.

É, portanto, a “ingratidão” dos estrategas político-militares no seu melhor… Portugal tem tropas no Afeganistão e Kosovo, 80% das suas forças destacadas ao serviço da NATO. Envia até para a caldeira afegã companhias de “Comando” quando a chefia americana de guerra nos tinha solicitado apenas “formação” de tropas locais. Fez mais: desenvolveu exercícios navais conjuntos com Marrocos para EUA ver, sem querer saber da sorte do Saara ou do direito internacional. Portugal compra submarinos, helicópteros de combate, tanques, caças aéreos, unicamente para projecção de forças a longa distância, ao serviço da máquina militar que Salazar ajudou a fundar.

Durante muitos anos, após o 25 de Abril de 74, a doutrina política dominante referia-se ao contributo para a NATO como uma obrigação para com os “aliados”. Aqui ou além, com uma nota crítica. Apesar da inconsequência de Portugal, deve até referir-se que o presidente da república Sampaio se demarcou das teses da “guerra preventiva” hoje banais no novo conceito estratégico da NATO, e até condenou os bombardeamentos à ex-Jugoslávia.

O facto hoje é que PS, PSD e CDS, com a bênção do presidente da república Cavaco Silva, entendem que a presença no Afeganistão, por exemplo, não é apenas um favor à potência hegemónica. Afirmam que estamos mesmo a defender a segurança e a soberania de Portugal no outro lado do planeta. Diz-se que estamos aí a “conter” o terrorismo que nos pode atacar no espaço nacional. A calma do Alentejo resgata-se em Cabul. No turbilhão dos dias, das crises, das acelerações das crises políticas, as pessoas não se dão conta destas teorias extremistas que fazem depender as forças armadas da “departamentalização” americana.

É só ouvir os generais a falar no parlamento, todos os chefes militares. O eflúvio destas teses veio preencher o espaço vazio pela morte do tão apregoado “pilar europeu” da NATO. Não há, nem houve, pilar europeu, nem sequer uma primeira pedra. A Inglaterra, a França, e até a Alemanha ou a Espanha, buscam arduamente estar à direita do presidente americano antes que esteja a Rússia, ou a China.

O “soarismo”, entretenimento de cenários falhados, para consumo de políticos centristas, bem preconizava que Bruxelas podia fazer a ponte entre as Armas e o Direito Internacional. Essa mão europeia, “moderadora” da polícia americana, e obreira da distensão, sempre foi novela, e agora foi parar ao arquivo. O pilar europeu da NATO começou por se chamar “União Europeia Ocidental” – UEO, um tratado de características para-militares. Há poucos meses, depois de uma dissolução quase clandestina, o presidente do parlamento Jaime Gama propôs que a denúncia do tratado fosse votada sem discussão. Assim foi. Em alguns segundos foi-se a tentativa mais sólida, com origem em Mitterrand e Khol, de estabelecer o pilar europeu da NATO. O facto não mereceu uma única notícia – há funerais que são clandestinos até mesmo para os estados. A Alemanha em compita com a Inglaterra, e até com a Turquia, receia estar insuficientemente militarizada, apesar da parceria que estabelece com a França, para liderar a própria UE, agora que se mudam todas as peças do xadrez da NATO e não quer ficar para trás.

>Nós invocamos a maioria mundial. Os povos repudiam tanto o imperialismo como o terrorismo. Tudo isso é barbárie a rejeitar. Sem escamotear que os povos têm direito à insurreição contra a opressão. Isto até figura na Constituição da República Portuguesa. A paz pode ser objecto de um outro acordo mundial, de estados e comunidades, mas isso implica desarmar o imperialismo. Luta longa, já se vê. Mas via de sentido único.

O autor destas linhas sempre esteve contra os bloco político-militares, “nem NATO, nem pacto de Varsóvia”. A neutralidade militar, “Portugal fora da NATO e NATO fora de Portugal” continua a ser um objectivo absolutamente necessário a atingir para a expansão democrática e para uma oportunidade socialista, para alterações ibéricas e europeias. Pequenos países podem abanar a ordem internacional, é um multiplicador que não pode ser ignorado.

Há uns anos atrás, foi divulgado um relatório militar espanhol que concluía, para embaraço geral, que Portugal era tomado por forças convencionais em poucas horas. A anedota que se seguiu foi mais cáustica do que a realidade: descobriu-se rapidamente que os espanhóis tinham subavaliado os engarrafamentos da 2ª circular… mas não há semáforos em Cabul.

15. 11. 2010

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