Os robôs de Obama estão a pôr-nos todos em perigo

Os Predadores e Ceifeiros estão a ser enviados pela CIA de Barack Obama, com o apoio de outros governos ocidentais, e apenas em 2009 mataram mais de 700 civis. Por Johann Hari, The Independent

16 de novembro 2010 - 19:50
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A tecnologia de comando à distância foi desenvolvida pelos israelitas, que a utilizam nos bombardeamentos da Faixa de Gaza. Foto de JimNtexas, FlickR

Imagine que, daqui a uma hora, um avião-robô se lançava em direcção a uma casa e a desfazia em pedaços. O avião não tem piloto. É controlado através de um comando a uma distância de 11.250 quilómetros, enviado pelas forças armadas paquistanesas para o matar. Explode todas as casas da sua rua, e transforma a sua família e os seus vizinhos em carvão até que não reste mais nada para explodir a não ser alguns dejectos carbonizados. Porquê? Eles recusam-se a comentar. Nem sequer admitem que os aviões-robô lhes pertencem. Mas declaram aos jornais do Paquistão que tal aconteceu porque um de vocês estava a planear atacar o Paquistão. Como é que eles sabem? Alguém lhes disse. Quem? Não se sabe e não existem quaisquer apelos para travar o robô.

Agora imagine que isto não termina aqui: estes ataques estão a acontecer todas as semanas algures no seu país. Eles fazem explodir funerais e jantares de família e crianças. O número de aviões-robô no céu está a aumentar todas as semanas. Descobriu-se que eles são chamados “Predadores”, ou “Ceifeiros” – a partir do Ceifeiro da Morte. Não se importam o quanto possa implorar, não importa que torne bem claro que é cidadão pacífico a levar calmamente a sua vida, não irá parar. O que deve fazer? Se houvesse um grupo a argumentar que o Paquistão é um país terrível que mereceu ser atacado violentamente, começaria a escutá-los neste momento?

Parece o esboço para o próximo filme de James Cameron – porém, é de facto uma descrição exacta da vida no Paquistão dos nossos dias. Os Predadores e Ceifeiros estão a ser enviados pela CIA de Barack Obama, com o apoio de outros governos ocidentais, e apenas em 2009 mataram mais de 700 civis – 14 vezes mais que o número de mortos nos ataques de 7/7 em Londres. As cheias foram vistas como uma oportunidade para aumentar os ataques, e no mês passado registou-se o maior número de sempre de bombardeamentos com os aviões-robô: 22. Estima-se que na próxima década os gastos com os aviões telecomandados aumentem cerca de 700 por cento.

O governo dos EUA ainda nem sequer admitiu oficialmente que o programa existe: o comentário público mais detalhado por parte de Obama acerca deste assunto foi quando, em jeito de brincadeira, disse à boy band Jonas Brothers que iria lançar sobre eles os aviões telecomandados caso eles tentassem conhecer a sua filha. Porém, o seu conselho de ministros afirma, à porta fechada, que estes ataques dos aviões-robô são “o único espectáculo na cidade” por terem alegadamente morto os jihadistas. Não põem em risco a vida dos soldados americanos que permanecem na Virginia e controlam os aviões-robô como se estivessem num jogo de computador. Eles “minam a ameaça ao Ocidente”, uma vez que “eliminam os campo de treino, matam muitas pessoas que conspiram contra nós, e evitam que os restantes sejam capturados”.

Mas será isso verdade? Os comunicados de imprensa, repetidos sem qualquer tipo de crítica pela própria imprensa após um bombardeamento, falam sempre em "líderes veteranos da al-Qaida" mortos – porém, alguns membros da CIA admitem o quão arbitrária é a sua escolha de alvos. Um dos seus veteranos declarou ao The New Yorker: "Por vezes estamos a lidar com chefes tribais. É frequente dizerem que um dos seus inimigos é a al-Qaida porque se querem livrar de alguém, ou que fizeram asneira porque queriam provar que eram importantes apenas para que pudessem fazer dinheiro”.

Na verdade, o programa tem morto efectivamente alguns jihadistas. Todavia, as provas sugerem que atrai mais jihadistas do que aqueles que mata – e está a provocar as condições para que possa existir um ataque contra mim ou contra si a cada bomba que é lançada.

A tecnologia de comando à distância foi desenvolvida pelos israelitas, que a utilizam nos bombardeamentos da Faixa de Gaza. Eu estive em Gaza durante alguns destes ataques. As pessoas lá estavam apavoradas – e radicalizadas. Tive conhecimento de uma jovem que era contra a violência política e defensora de protestos pacíficos que viu um avião telecomandado explodir um carro cheio de pessoas – e começou a apoiar a Jihad Islâmica e a defender a pior vingança possível contra Israel. Os aviões-robô têm bombardeado com sucesso grande parte de Gaza, desde a Fatah secular ao Hamas Islâmico, passando pela facção extremista da jihad.

Estará o mesmo a suceder no Paquistão? David Kilcullen é um perito no combate às guerrilhas que trabalhou para o general Petraeus, no Iraque, e agora é conselheiro do Departamento de Estado. Ele demonstrou que dois por cento das pessoas mortas pelos aviões-robô no Paquistão são jihadistas. Os restantes 98 por cento são tão inocentes quanto as vítimas do 9/11. Ele afirma: “Não é ético.” E ainda acrescenta: “Cada um destes não-combatentes representa mais recrutas para um movimento militante que tem vindo a crescer exponencialmente, à medida que os ataques dos aviões-robô têm aumentado.”

O professor de História do Médio-Oriente Juan Cole vai directo ao assunto: “Quando bombardeiam as pessoas e matam as suas famílias, deixam-nos enfurecidos. Criam maldições eternas… Isto não é difícil de prever. Se antes eles não eram simpatizantes dos Talibans e da al-Qaida, depois de os bombardearem, irão tornar-se simpatizantes certamente.” É por isso que todos aqueles que têm sido capturados ou têm desertado do círculo de Osama Bin Laden, desde o guarda-costas até ao seu filho, afirmam o mesmo: ele fica deliciado quando os governos ocidentais contra-atacam matando os muçulmanos de forma imprudente.

O jihadismo não é certamente motivado apenas pelos ataques do Ocidente contra os países muçulmanos. Em parte é motivado por um desejo religioso de controlar e tiranizar outros seres humanos das formas mais depravadas: por exemplo, castigar as mulheres que desejem sentir o sol nos seus cabelos. Ainda assim, é um facto comprovado que a violência contra os muçulmanos conduz muito mais pessoas a uma violência vingativa. Até mesmo no relatório de 2004 encomendado por Donald Rumsfeld se afirmava que "a intervenção directa americana no mundo muçulmano" foi a razão principal para o jihadismo.

Um bom exemplo disso é Faisal Shahzad, o americano-paquistanês de 31 anos que tentou colocar uma bomba em Times Square em Maio. Uma inspecção da polícia aos seus e-mails dos últimos 10 anos revelou que ele questiona obsessivamente: "Conseguem dizer-me uma forma de... nos defendermos quando um míssil é disparado contra nós e o sangue muçulmano é derramado?" Os ataques no Paquistão – na parte do mundo de que ele é oriundo – foram a última gota para ele. Quando foi preso, perguntou à polícia: "Como se sentiria se atacassem os Estados Unidos? Vocês estão a atacar um Paquistão soberano." No seu julgamento, ele afirmou: "Quando os aviões explodem, não vêem crianças, não vêem ninguém. Matam toda a gente… Eu sou parte da resposta… Estou a vingar esse ataque."

Apesar disso, muitos defendem os aviões-robô afirmando que: "Temos de fazer alguma coisa." Se uma amiga sua sofresse terríveis queimaduras de terceiro-grau, encorajá-la-ia a incendiar o seu próprio cabelo porque “temos de fazer alguma coisa”? Daria um veneno ainda mais forte a uma vítima de envenenamento, tendo por base essa ideia de que qualquer acção é melhor que nenhuma?

Detesto o jihadismo. A ideologia deles é tudo ao que me oponho: a sociedade ideal deles é o meu Inferno. É precisamente por querer de facto subvertê-los – em vez de posar como um macho – que sou contra este massacre-robô. Aumenta a ameaça. Conduz-nos a uma terrível bola de neve, na qual os EUA lançam mais ataques com os aviões-robô para lidar com o jihadismo, o que torna o jihadismo ainda pior, o que causa mais ataques com os robô, o que torna o jihadismo ainda pior – e daí em diante, num país com armas nucleares e com inúmeros emigrantes na Europa vindos da região aterrorizada. E para agravar esta situação: no seu livro intitulado Obama’s Wars, Bob Woodward afirma que os EUA têm um plano de bombardear de imediato 150 alvos no Paquistão se ocorrer um ataque por parte dos jihadistas na América.

A luta real e necessária contra os jihadistas tem de ter, como ponto central, uma política que lhes retire sistematicamente as suas melhores estratégias de recrutamento. Ainda assim, Obama e a CIA estão a fazer o oposto – a uma banda sonora de gritos de civis inocentes e ao deliciado e sorridente Osama Bin Laden.

15 de Outubro de 2010

Traduzido por Sara Vicente para o Esquerda.net

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