Está aqui

Mais quatro anos para Obama

O presidente Barack Obama foi reeleito presidente dos Estados Unidos da América no dia 6 de novembro, numas eleições muito disputadas – mesmo depois de fechadas as urnas, as sondagens não se arriscavam a prever o vencedor.
Festa da vitória em Chicago. Foto de The Rachel Maddow Show

Foi preciso esperar pelo resultado de um dos principais estados em disputa, o Ohio, para confirmar a vitória do candidato democrata.

Obama venceu com uma boa margem no colégio eleitoral – obteve pelo menos 303 votos, mais do que George W. Bush em 2000, que teve 271 votos – e conseguiu também uma ligeira vantagem no voto popular.

O panorama político nos EUA, porém, manteve-se bastante semelhante ao do mandato anterior, com os democratas mantendo o controlo sobre o Senado, enquanto que os republicanos asseguraram a renovação da sua maioria na Câmara.

Para o sociólogo Immanuel Wallerstein, a reeleição de Obama fez alguma diferença, mas muito menos do que o próprio afirmava ou do que os republicanos temiam.

A vitória de Obama: e agora, o que acontece?

Obama venceu as eleições com uma margem significativa tanto no voto popular quanto no Colégio Eleitoral. Os democratas venceram cada vaga verdadeiramente em disputa no Senado, exceto uma. Isto aliviou os democratas, que andavam preocupados, e espantou os republicanos, que consideravam certa a vitória. Agora, o mundo inteiro quer saber o que este resultado significa para o futuro imediato dos Estados Unidos e do mundo. A resposta não é simples.

Deixem-me começar pela política externa. O governo dos EUA ainda deseja levar a cabo uma política imperial em todo o mundo. O problema que enfrenta é muito simples. A sua capacidade para fazê-lo declinou drasticamente, mas as elites (incluindo Obama) não querem reconhecê-lo. Ainda falam dos Estados Unidos como a nação “indispensável” e o “maior país” jamais conhecido. Trata-se de uma contradição com a qual não sabem lidar. Quanto ao cidadão comum dos EUA, uma sondagem que procurava saber o que motivara o seu voto revelou que apenas 4% responderam que fora a política externa. Apesar disso, a maioria dos cidadãos comuns continua a acreditar no mantra de que os Estados Unidos são o exemplo dourado do mundo.

Podemos, assim, esperar que Obama vá continuar a fazer o mesmo que tem feito: falar duramente, mas de facto atuar prudentemente em relação ao Irão, à Síria, ao Egito, ao Paquistão, à China, ao México e a muitos outros países. Isto evidentemente exaspera a maioria dos outros países e toda a espécie de atores políticos pelo mundo afora. Não é certo que ele possa continuar a andar sobre esta corda bamba sem cair, especialmente porque os Estados Unidos já não podem controlar realmente o que fará a maioria dos outros atores.

Obama está quase tão desamparado em relação à economia – a economia dos EUA e a economia-mundo. Duvido que possa reduzir seriamente o desemprego e, em 2014 e 2016, isto permitirá a recuperação dos republicanos. A questão crucial no momento é a chamada (erradamente) ribanceira fiscal. A questão é saber quem vai suportar o maior peso do declínio económico dos EUA.

Sobre estes assuntos, Obama foi eleito com promessas populistas mas hoje está a seguir uma posição à direita do centro. Propõe um acordo aos republicanos: impostos mais altos para os ricos, junto com cortes significativos na saúde e talvez nas pensões para a maioria da população. Esta é a versão norte-americana da austeridade.

Trata-se de um mau negócio para a vasta maioria dos americanos, mas Obama persegue-o com vigor. O acordo pode, porém, não vir a ser firmado, se a direita republicana estupidamente se recusar a alinhar. As elites empresariais dos Estados Unidos estão a pressionar os republicanos para aceitarem o acordo. Mas, até agora, o impulso de esquerda anti-acordo tem sido muito mais fraco que o impulso da elite empresarial a favor do acordo. Isto é na essência uma luta de classes de tipo muito tradicional, e os 99% nem sempre vencem estas lutas.

Nas chamadas questões sociais, que foram uma verdadeira linha divisória entre republicanos e democratas nesta eleição, os eleitores dos EUA derrotaram os trogloditas. O casamento gay venceu a consulta em quatro estados, e a tendência da opinião pública indica que vai continuar.

Ainda mais importante foi a votação absolutamente assimétrica a favor de Obama e dos democratas por parte dos afro-americanos e dos latinos. Parece que as tentativas ferozes dos governadores republicanos de impedir a sua votação sofreu uma enorme desfeita, e mais eleitores destes grupos votaram que nas eleições anteriores. Para os latinos, a questão-chave foi a reforma da imigração. E importantes figuras do Partido Republicano (incluindo Jeb Bush, ele próprio um potencial futuro candidato presidencial) dizem agora que, a menos que os republicanos cooperem com a reforma da imigração, jamais poderão ganhar eleições nacionais e em muitos estados. O meu palpite é que alguma legislação vai de facto agora passar no Congresso.

Obama foi uma grande desilusão para um grande grupo de apoiantes que são motivados por preocupações ambientais e ecológicas. Disse coisas boas mas fez muito pouco. O motivo disto é que outro grupo de apoio – os sindicatos – têm vindo a argumentar noutra direção devido ao risco de perda de empregos. Obama tem sido evasivo e provavelmente vai continuar a sê-lo. Isto é apenas marginalmente melhor que Romney, que teria encerrado agências que ainda tentam proteger o meio ambiente.

O registo de Obama foi mau em matéria de liberdades civis, na verdade pior, nalguns aspetos, que o de George W. Bush. Atuou agressivamente contra as pessoas que promovem fugas de informação (whistle-blowers). Não fechou Guantánamo e apoiou ativamente o Patriot Act. Usou drones para assassinar inimigos presumíveis dos Estados Unidos. Nestas ações, foi apoiado pela maioria dos parlamentares e pelos tribunais em geral. Não há motivo para assumir que vá mudar de comportamento neste aspeto.

Uma das principais razões, evocadas de quatro em quatro anos, para apoiar os candidatos democratas à Presidência tem sido as nomeações para o Supremo Tribunal. É verdade que se Romney tivesse sido eleito e um juiz não-conservador morresse ou renunciasse, o Tribunal teria virado muito à direita por uma geração.

O que vai acontecer agora que Obama foi reeleito? Há quatro juízes com mais de 70 anos de idade. Não há idade de reforma compulsória. Nenhum dos quatro parece prestes a renunciar, nem mesmo o juiz Ginsburg que tem estado doente. A oportunidade de Obama fazer a diferença depende de o juiz Kennedy renunciar ou morrer e de o juiz Scalia morrer (é certo de que não vai renunciar). Ora isto é completamente imprevisível. Mas se acontecer, a reeleição de Obama terá realmente feito diferença.

Finalmente, qual é o futuro da política dos EUA? Este é o elemento mais incerto de todos. O Partido Republicano parece estar a começar uma guerra civil interna entre os conservadores do tea party e todos os outros. Os outros observam que os republicanos perderam as hipóteses de vencer o Senado devido às derrotas nas primárias de “vencedores seguros” para candidatos extremistas apoiados pelo tea party. Apenas 11% dos votos em Romney vieram de não-brancos. E as percentagens de eleitores latinos estão a subir, mesmo em estados atualmente seguros para os republicanos como Texas e Georgia. Mas se os republicanos começarem a seguir uma linha mais centrista, será que vão perder uma parte significativa da sua base para a abstenção?

Os democratas têm um problema semelhante, apesar de não ser tão sério. Os seus votos vêm de uma “coligação arco-íris” – mulheres (especialmente mães solteiras e mulheres trabalhadoras), afro-americanos, latinos, judeus, muçulmanos, budistas, hindus, sindicalistas, jovens, pobres, e pessoas de alta formação. As suas reivindicações chocam-se com as preferências dos que controlam o partido, incluindo Obama. Desta vez, a base manteve-se leal. Mesmo os que apoiaram candidatos de terceiros partidos, fizeram-no apenas em estados onde os democratas não podiam perder. Não houve estados indecisos (swing states) onde candidatos de terceiros partidos pudessem pôr em causa a eleição.

Será que os liberais do partido sairão agora para terceiros partidos? Parece, no momento, improvável, mas não é impossível. Depende em parte de quão dramática for a queda dos Estados Unidos nos próximos quatro anos. Depende de até que ponto Obama vai ceder em questões “populistas”.

A questão de fundo é que a reeleição de Obama fez alguma diferença, mas muito menos do que o próprio afirmava ou do que os republicanos temiam.Uma vez mais, recordo a todos que estamos a viver num mundo caótico em transição, no qual grandes mudanças de todos os tipos são parte da nossa realidade corrente, incluindo em matéria de lealdades políticas.

Immanuel Wallerstein

Comentário n.º 341, 15 de novembro de 2012

Tradução, revista pelo autor, de Luis Leiria para o Esquerda.net

(...)

Neste dossier:

O Mundo em 2012

Num ano dominado pela crise europeia, a Grécia esteve no olho do furacão. Os mais atacados pela troika foram também os que mais lutaram, com 21 greves gerais em dois anos. Em julho, o  Syriza ficou a menos de 3% de ganhar as eleições, e permanece como a alternativa de governo para o país que luta. A Grécia está no centro do balanço internacional do ano do Esquerda.net. Dossier organizado por Luis Leiria.

A luta por uma Internet livre e aberta

Grandes mobilizações internacionais conseguiram suspender projetos de lei como o SOPA e o PIPA nos EUA e derrotar o ACTA, o Acordo Mundial Contra a Contrafação, no Parlamento Europeu. A espalhafatosa operação policial contra o site de partilha Megaupload também terminou com uma “megavitória” para o seu fundador, o empresário Kim Dotcom.

Putin volta à Presidência da Rússia

Presidente entre 2000 e 2007, primeiro-ministro entre 2007 e 2012, voltou à Presidência em 2012 afirmando que as eleições foram limpas, e enfrentando muita contestação da oposição. Mas a mais ruidosa oposição viria de um grupo punk-rock feminista, as Pussy Riot.

Franceses derrotam Sarkozy na segunda volta

Voto de esperança foi defraudado pelo socialista François Hollande que, apenas cem dias depois da posse, já se mostrava como “um social-liberal igual aos que já conduziram aos desastres grego, espanhol e português", nas palavras de Jean-Luc Mélenchon.

Egito: Irmandade Muçulmana assume o poder

O braço-de-ferro entre os islamitas e as Forças Armadas foi vencido pelo presidente Mohamed Morsi que, depois de vencer as eleições presidenciais, anulou a dissolução do Parlamento, demitiu os principais chefes militares e conseguiu aprovar uma nova Constituição por referendo. Só tropeçou quando tentou assumir poderes quase absolutos. A indignação popular fê-lo recuar.

Todos somos a Grécia!

Até há bem pouco tempo um pequeno partido, o Syriza é hoje a alternativa de poder no país mais castigado pelas imposições da troika. “Há já uns deslocamentos muito rápidos a acontecer na cena política. A sociedade está a procurar um caminho alternativo de saída e a manifestar-se em torno duma aliança nova, progressista, com a esquerda no seu núcleo”, disse Alexis Tsipras.

Assange resiste na embaixada do Equador

Fundador da Wikileaks foi forçado a buscar refúgio na embaixada do Equador em Londres, para não correr o risco de ir parar aos Estados Unidos, onde poderia ser condenado à morte. A partir desse pequeno apartamento, lutou para manter viva a organização e promete divulgar muitos documentos em 2013.

O PRI volta ao poder no México

Enrique Peña Nieto, candidato do PRI, obteve 38,1% dos votos e prometeu fazer um governo diferente. Um cientista político alerta que é preciso aceitar que o México é um país em guerra.

Venezuela diante da incógnita

Chávez venceu com margem confortável em outubro e o seu partido ganhou cinco governos à oposição em dezembro. Mas a possibilidade de o líder da revolução bolivariana não sobreviver à doença levanta enormes incógnitas e desafios.

Mais quatro anos para Obama

O presidente Barack Obama foi reeleito presidente dos Estados Unidos da América no dia 6 de novembro, numas eleições muito disputadas – mesmo depois de fechadas as urnas, as sondagens não se arriscavam a prever o vencedor.

Israel-Gaza: a invasão que não chegou a acontecer

Israel assassinou o chefe militar do Hamas que negociava uma trégua permanente e desencadeou uma ofensiva. Mas nunca chegou a fazer a anunciada invasão terrestre. Segundo Uri Avnery, o Hamas venceu mais este episódio do conflito.

ONU eleva Palestina a Estado observador não membro

Resolução teve 138 votos a favor, entre 193 países, e 41 abstenções. Apenas nove países votaram contra. Decisão foi uma pesada derrota para Israel e os EUA. Em represália, Israel anunciou a expansão dos colonatos e o confisco dos impostos palestinianos. No final do ano, pareciam estar reunidas as condições para uma terceira intifada.