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A Internet socialista criada por Salvador Allende

O escritor bielorusso Evgeny Morozov, criador da série em podcast The Santiago Boys, fala sobre as implicações políticas e sociais do progresso tecnológico e digital promovido por Salvador Allende.
Imagem do Podcast The Santiago Boys.

O programa 20 MINUTOS entrevistou o escritor bielorusso Evgeny Morozov, criador da série em podcast The Santiago Boys, que conta, em nove capítulos, a história da rede digital de informações que Salvador Allende tentou criar no Chile dos Anos 70, como forma de otimizar os resultados do processo de transição para o socialismo no país – projeto que não chegou a ser concluído devido ao golpe de Estado de 11 de setembro de 1973, que está prestes a completar 50 anos.

Em conversa com o apresentador Haroldo Ceravolo, Morozov falou sobre as implicações políticas e sociais do progresso tecnológico e digital promovido por Allende.

Segundo Morozov, “os Santiago Boys eram engenheiros cibernéticos que desenvolveram, durante o governo de Salvador Allende, um projeto que permitisse criar uma economia socialista, mas uma economia muito tecnológica, onde os computadores teriam um papel muito importante, ajudando a gerir a economia chilena”.

“Era um projeto que defendia uma visão muito diferente do projeto neoliberal, que chegaria ao país anos depois, a partir do golpe de Estado de 1973. Neste caso, os engenheiros chilenos eram apoiados por um cientista inglês chamado (Anthony) Stafford Beer, que talvez possa ser o Milton Friedman da esquerda chilena, que procurava criar um sistema alternativo ao modelo neoliberal, mas também ao modelo soviético”, conta o escritor.

Morozov também enfatiza que o projeto de Allende “tentava envolver os trabalhadores, os cidadãos comuns, na utilização dos computadores. Era um sistema muito democrático, não era um sistema tão hierarquizado. É muito interessante se nós compararmos com o que temos hoje, com o poder do Silicon Valley, das big tech, porque essa experiência de Allende deixa-nos muitas lições”.

“Allende queria nacionalizar as empresas estratégicas do país, e começou a fazê-lo com as empresas muito grandes, muito poderosas, e outras que não eram tão grandes mas eram estratégicas. Então, nos primeiros meses foram nacionalizadas umas 200 empresas, mais ou menos. Evidentemente o Estado carecia de pessoal suficiente para administrar todas essas empresas, mas ele tinha engenheiros e economistas de esquerda com conhecimento em cibernética e tentaram desenvolver um projeto para o efeito”, acrescenta.

O escritor bielorrusso também falou sobre os 50 anos do golpe de Estado de 1973, que derrubou o governo de Salvador Allende e interrompeu a experiência tecnológica chilena ele descreve no seu podcast.

“Allende era um presidente muito popular na época do golpe, que chegou ao poder pela via eleitoral, não através de uma revolução, como fez Fidel Castro em Cuba. Isso significava que o Chile de Allende era um projeto diferente do socialismo, e uma ameaça para o sistema (capitalista), principalmente na Europa, em países como França e Itália, que tinham movimentos socialistas muito fortes. Então os Estados Unidos mobilizou a Agência Central de Inteligência (CIA) e algumas empresas multinacionais para impedir o sucesso daquele projeto político”, comenta Morozov.

 

Artigo publicado em Opera Mundi.
Adaptação de português do Brasil (PT-BR) para português de Portugal (PT-PT) por Mariana Carneiro.

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Neste dossier:

50 anos do golpe no Chile

No dia 11 de setembro assinala-se o cinquentenário do golpe militar que derrubou o governo de Salvador Allende e abriu caminho a 17 anos de ditadura violenta de Pinochet, alimentada pela cartilha económica neoliberal. Dossier organizado por Mariana Carneiro.

Salvador Allende em 1971.

Cronologia: Chile (1970-1975)

Cronologia dos principais acontecimentos desde o Governo de Unidade Popular ao golpe militar de Pinochet e suas consequências (1970/1975).

Palácio La Moneda a ser bombardeado.

A tragédia chilena

O golpe militar que derrubou, em 11 de setembro de 1973, o governo da Unidade Popular, esmagou de forma trágica uma aposta na via pacífica e legal para o socialismo. Até ao último dia, o presidente Salvador Allende acreditou que as concessões que fizera à direita e aos militares seriam suficientes para evitar um golpe de Estado. Enganou-se. Por Waldo Mermelstein.

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Como vivi o 11 de setembro de 1973 e os dias seguintes

Fugindo da repressão dos ditadores brasileiros depois do golpe militar de 1964, o jovem Waldo Mermelstein, então com 18 anos, foi para Santiago do Chile estudar economia e engajou-se intensamente nas lutas sociais, militando no MIR. Aqui, o seu relato do dia 11 e seguintes. Por Waldo Mermelstein.

O primeiro ano da Unidade Popular

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Revolução e contra-revolução

Em vez de se apoiarem na mobilização para encurralar e derrotar a direita e os militares, os dirigentes da UP optaram pelo caminho da conciliação. Quando o lock-out dos camionistas, promovido pelos golpistas, foi derrotado, Allende concluiu um acordo com a DC para incluir os comandantes das Forças Armadas no gabinete. O golpe ocorreu pouco depois. Por Waldo Mermelstein.

Allende no 11 de Setembro de 1973.

O que o Chile nos mostrou

Revolução e contrarrevolução enfrentavam-se nas ruas, fábricas campos e minas do país. Diante disto, a UP ficou na metade do caminho, tentando desesperadamente conter o movimento que de certa forma provocou e que a ultrapassou completamente. Por Waldo Mermelstein.

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Chile: 50 anos após a ignomínia - O neoliberalismo imposto à força de bala

Com o golpe contra Salvador Allende, foi imposto um modelo económico contrário aos interesses das classes populares. O famoso "milagre" económico baseado nas privatizações revelou-se um verdadeiro inferno. Por Eric Toussaint e Roberto González Amador.

Carlos Prats.

O legado dos militares que respeitaram a Constituição em 1973

As tentativas dos militares legalistas de impedir que as Forças Armadas transgredissem o governo em 1973 levantam a questão do reconhecimento histórico: quem agiu corretamente em 1973? Os golpistas ou os legalistas? Por Jorge Magasich Airola.

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Podcast The Santiago Boys.

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A 5 de setembro de 1973, a Coordenação Provincial de Cordões Industriais enviou uma carta ao Presidente da Unidade Popular, Salvador Allende. Nele, exigem medidas urgentes para evitar um golpe e uma ditadura militar.

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