Está aqui

A guerra de independência da Argélia

No dia 5 de Julho de 2022, a Argélia celebra o 60º aniversário de independência, que obteve após uma longa guerra de libertação contra o colonizador francês, que conquistou a Argélia em 1830, então colónia do império otomano, e com uma decisão histórica do general Charles de Gaulle, o então presidente da França. Por Toufik Hadjadji.
Soldados do Exército de Libertação Nacional. Autor: Zdravko Pečar, Museum of African Art (Belgrade). Wikimedia.

No dia 5 de Julho de 2022, a Argélia celebra o 60º aniversário de independência, que obteve após uma longa guerra de libertação contra o colonizador francês, que conquistou a Argélia em 1830, então colónia do império otomano, e com uma decisão histórica do general Charles de Gaulle, o então presidente da França. Esse processo que levou à independência da Argélia é uma vasta temática já abundantemente estudada, e que deu origem a uma ampla lista de publicações (livros, artigos, dossiers, teses de doutoramento,...), documentários, filmes, etc... pelo nesse quadro este artigo limita-se a apresentar uma síntese da guerra de independência.

Em Maio de 1945, após o fim da Segunda Guerra Mundial, a Argélia é uma colónia do vasto império colonial francês, principalmente na África, mas também na Ásia do Sul Leste. Enquanto Marrocos e Tunísia são protectorados da França, a Argélia tem o estatuto de um departamento da França, dirigido por um governador nomeado por Paris, essencialmente agrícola, chamado de "celeiro" da França. O general de Gaulle, herói da resistência francesa à ocupação alemã, é presidente do governo provisório da 3ª republica francesa desde 3 de Junho 1944 até à sua demissão, a 20 de Janeiro de 1946. Em Outubro de 1946, é implantada a quarta republica francesa com regime parlamentar e uma nova constituição.

Messali Hadj (1898 - 1974), considerado como o pai do nacionalismo argelino, reclamou desde 1927 a independência da Argélia. Após a primeira guerra mundial, ele emigrou para França, onde frequentou o partido comunista e chegou, ao longo da sua carreira de militância, a dirigir ou criar vários partidos políticos que foram proibidos pelas autoridades francesas que, de forma intermitente, o encarceram ou deportaram.

No dia 8 de Maio de 1945, durante os festejos da vitória sobre a Alemanha em todo o império colonial francês, militantes argelinos organizaram manifestações pacificas em diversas cidades a reclamar a independência e a libertação de Messali Hadj. Na cidade de Sétif, a leste do pais, um policia mata um jovem manifestante que acenava com a bandeira da Argélia, provocando motins na região que resultam em 103 mortos franceses. Segue-se a repressão sangrenta do exercito francês, que provoca entre 2.000 e 40.000 mortos argelinos (o balanço, ainda em debate, aponta para uma estimativa "razoável" de 15.000 mortos) nas cidades de Sétif, Guelma e Kherrata e arredores. Essa repressão sangrenta do colonizador francês a negar a aspiração à independência levou à radicalização dos militantes argelinos, convencidos de que só a luta armada levará à independência.

É preciso esperar até Outubro de 1954 para ver emergir a Frente de Libertação Nacional (FLN), partido político clandestino fundado por Krim Belkacem (1922-1970), Mostefa Ben Boulaïd (1917-1956), Mohamed Larbi Ben M'hidi (1923-1957), Mohamed Boudiaf (1919-1993), Didouche Mourad (1927-1955) e Rabah Bitat (1925-2000), bem como o seu braço armado, o Exercito de Libertação Nacional (ELN). No mesmo ano, o Messali Hadj, então libertado, criou o Movimento Nacional Argelino (MNA), dando lugar a uma luta feroz entre essas duas entidades políticas para o controlo do movimento independentista, provocando mortos até na comunidade argelina em França. Para acabar com essa luta fratricida em plena guerra de independência, que culminou a 28 de Maio de 1957 com o massacre pelo FLN dos 374 habitantes da aldeia de Melouza, acusados de apoiar Messali Hadj, esse último aceita nesse ano depor as armas e reconhecer a FLN como representante legítima do movimento independentista argelino.

Para iniciar a guerra de independência no país constituído por 8 milhões de argelinos (designados por franceses muçulmanos) e 1 milhão de franceses, a FLN lançou a 1 de Novembro de 1954, designado por dia de "Todos os Santos vermelho", cerca de 30 ataques a diversos símbolos da administração francesa com o país divido pelo FLN em 6 zonas (wilayas) militares. O ataque mais emblemático a marcar o início da guerra de libertação foi a execução de um casal de professores franceses que seguiam a bordo de uma carrinha numa estrada da região dos Aures, no leste do pais. Esses ataques tiveram lugar seis meses depois da derrota do exercito francês no Vietname, outra colónia francesa cuja parte Norte se torna independente nesse mesmo ano, facto histórico que veio reforçar a convicção do FLN de que a luta armada permite alcançar a independência. Classificando esses ataques de acto de terrorismo, François Mitterrand, ministro da administração interna, enviou reforços militares para uma operação de "pacificação", enquanto a censura é extrema na comunicação social.

Em Abril de 1955, teve lugar em Bandung (Indonésia) a importante "Conferência de Bandung" que juntou 29 países africanos e asiáticos recentemente independentes, nomeadamente, além de Soekarno, presidente da Indonésia, Nehru, primeiro-ministro da Índia, Zhou Enlai, primeiro-ministro da China, Gamal Abdel Nasser, presidente do Egito, Norodom Sihanouk, rei da Camboja, e, vindo com a delegação do Egito, Hocine Aït Ahmed (1926-2015), representante da FLN no estrangeiro. Essa conferência marca a entrada na cena internacional dos países descolonizados do "Terceiro Mundo", recusando integrar os dois blocos em confronto, liderados pelos Estados Unidos e a União Soviética, para escolher o "Não alinhamento". A declaração final do congresso condena a colonização e o imperialismo em geral e apela aos países ainda colonizados a lutar pelas suas independências, privilegiando a negociação para uma solução pacifica. O governo francês é nomeadamente pressionado para encontrar soluções para Argélia, Marrocos e Tunísia, sendo a declaração final um potente catalisador dos processos de descolonização. A FLN, fortalecida com esse apoio internacional dos Não Alinhados que não faltará nos anos seguintes, encontra nessa conferência força redobrada para prosseguir com a sua luta para a independência.

Em Agosto de 1955, na região norte leste do "Constantinois" centenas de combatentes do Exercito de Libertação Nacional atacam esquadras de policias e edifícios administrativos enquanto militantes assaltam diversas aldeias, provocando um total de 123 mortos franceses. Segue uma sangrenta repressão militar francesa com apoio de milícias populares de auto defesa que, entre 20 e 25 de Agosto, resulta em 12.000 mortos. A França mobiliza cerca de 60.000 reservistas.

O ano 1956 começa com a descoberta no deserto do Sahara do primeiro jazigo de petróleo (Hassi Mesaoud), depois da descoberta, dois anos atrás, do primeiro jazigo de gás natural. Essas descobertas, que serão seguidas por outras, vão contribuir para o arrastar da guerra, uma vez que, ao contrário da FLN que exigia a soberania em todo o território, a França tinha como objectivo controlar o deserto do Sahara, sobretudo quando, a 26 de Julho de 1956, o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser (1918-1970) nacionalizou o canal de Suez, uma via estratégica para o transporte do petróleo do Médio Oriente para a Europa que, como a França, teve fortes receios de não ter garantias de abastecimento desse petróleo. Por outro lado, a França queria usar a imensidade do deserto do Sahara para lançar em 1960 um programa de ensaios de bombas atómicas para dominar essa tecnologia.

Em Fevereiro de 1956, Guy Mollet (1905-1975), várias vezes ministro da 4ª republica e secretario geral da Secção Francesa da Internacional Operário (SFIO, antepassado do partido socialista francês) é eleito presidente do conselho dos ministros (equivalente a primeiro-ministro de hoje) que concentra todos os poderes, tendo defendido o projecto de paz negociada na Argélia. Durante a sua visita a Argel a 6 de Fevereiro, Mollet é vaiado e até ameaçado de morte por membros da comunidade francesa que recusavam a independência da Argélia, à qual se juntou a impossibilidade de reunir no parlamento uma maioria favorável ao seu projecto. Mollet opta então por uma solução repressiva, recusando qualquer negociação antes de um cessar fogo, que a FLN rejeitou. Para implementar essa solução repressiva, Mollet pede e obteve do parlamento "poderes especiais", instrumentos jurídicos que, nomeadamente, transferem para o exército francês na Argélia poderes de polícia e de justiça, e legalizam os campos de internamentos onde eram trancados um número crescente de habitantes de aldeias suspeitas de prestar apoio aos combatentes argelinos, atingindo um terço da população. Mollet, após a recusa de Pierre Mendes France (1907-1982) e de Gaston Deferre (1910-1986), ambas figuras emblemáticas da SFIO, nomeia Robert Lacoste (1898-1989), um adepto da maneira forte, como novo governador da Argélia (Fevereiro de 1956 a Maio de 1958) e passa o contingente militar para 400.000 soldados. Nesse mesmo ano de 1956, Marrocos torna-se independente (2 de Março) seguido da Tunísia (20 de Março), duas independências de antigas colónias francesas num só mês, que encorajaram o FLN a prosseguir a luta armada, convicto de que a independência estava para breve. A FLN organiza em Agosto do mesmo ano um importante congresso clandestino da Soummam na região da Cabília, onde participam os principais responsáveis da revolução como Mohamed Larbi Ben M'hidi (responsável da zona militar 5), Krim Belkacem (responsável da zona militar 3) ou Abane Ramdane (1920-1957), coordenador de Argel e secretário do congresso. É consagrada a primazia do político sobre o militar e criado o conselho nacional da revolução argelina (CNRA), órgão supremo da FLN, que, por sua vez, nomeia os membros do novo Comité de Coordenação e de Execução (CCE) encarregado de implementar as decisões do CNRA. A partir do Outono, a FLN, decide trazer a guerra para a capital Argel e assim obter uma maior visibilidade da sua luta na comunicação social francesa e internacional: o chefe da FLN da zona autónoma de Argel, Yacef Saâdi (1928-2021), desencadeia uma onda de atentados em locais públicos, lançando o terror na comunidade francesa.

Além da luta armada, e no seguimento da Conferência de Bandug (Abril de 1955), a FLN desenvolve uma actividade diplomática à procura de apoios internacionais, sob a direção do "diplomata" Aït Ahmed, instalado no Cairo (Egito). Assim, ele consegue, nomeadamente com o apoio da Liga Árabe, União Soviética, China, Índia e Egito, que a Organização das Nações Unidas marque na agenda da assembleia geral anual em Nova York de Setembro de 1956 a questão do problema da Argélia. Em Outubro de 1956, o avião onde seguiam Aït Ahmed, Mohamed Boudiaf, Mohamed Khider (1912-1967), Ahmed Ben Bella (1916-2012) e Mostefa Lacheraf (1917-2007), de Marrocos em direcção à Tunísia para participar numa conferência magrebina sobre a paz, é interceptado pela aviação francesa: esses importantes membros da direcção do FLN são encarcerados em França até a independência da Argélia.

No ano de 1957, intensifica-se a guerra assimétrica, com o exercito francês a recorrer à sua aviação quer para bombardear posições de combatentes do ELN, quer para projectar comandos em zonas remotas de difícil acesso. Sucedem-se massacres, torturas, desaparecimentos forçados, esvaziamento de aldeias para campos de internamento, etc... O ELN beneficia de apoios logísticos (armas, medicamentos, etc...) da União Soviética e do Egito, que faziam as suas entregas em campos do ELN na Tunísia ("exercito das fronteiras") junto à fronteira com a Argélia, onde entravam também novos combatentes. Para impedir que o ELN tenha acesso a esses apoios, França lança nessa fronteira a construção de uma barreira electrificada (Linha Morice), e minada a partir de Julho de 1957, à qual é acrescentada uma segunda linha (Linha Challe) em 1959. Na fronteira com Marrocos, onde existem também campos do ELN, a França não ergue esse tipo de barreira, mas aperta o controlo da fronteira: O ELN do interior fica assim com cada vez menos recursos.

Para acabar com os atendados da FLN em Argel, que ainda prosseguem nesse mesmo ano de 1957, o governador Lacoste, investido dos poderes especiais, dá carta branca ao general Massu (1908-2002), chefe da 10ª divisão dos paraquedistas (8.000 efectivos), para desmantelar a rede da FLN em Argel: é a famosa "Batalha de Argel", adaptada ao cinema em 1966 pelo realizador italiano Gillo Pontecorvo (1919-2006). Massu e os seus colaboradores recorrem à tortura sistemática para obter informações ou "retornar" militantes da FLN, mas combatem também militantes comunistas franceses acusados de apoiar o FLN. Assim, Henri Alleg (1921-2013), jornalista e antigo director do diário comunista "Alger Républicain", é encarcerado a 12 de Junho de 1957 e sofre vários sessões de tortura. Durante a sua detenção, ele escreve o seu célebre livro "A Questão", onde denuncia a prática da tortura pelo exército francês, publicado em 1958 pela editora francesa "Les Editions de Minuit". Ou Maurice Audin (1932-1957), matemático e membro do partido comunista francês, detido a 11 de Junho de 1957 e dado oficialmente como "desaparecido" (o seu corpo nunca foi encontrado). O general Massu consegue desmantelar a rede da FLN em Argel e prender Yacef Saâdi.

Face à degradação da situação na Argélia e à incapacidade do governo francês de definir um consenso político para uma solução na Argélia, a França conhece, em Maio de 1958, uma crise política onde, nomeadamente, surge o primeiro golpe dos generais em Argel: o general Massu encabeça um comité a exigir de Paris medidas fortes de apoio ao combate do ELN que, mesmo enfraquecido, consegue ainda dar duros golpes às tropas francesas. Massu consegue obter um consenso para sair dessa crise: chamar o general de Gaulle ao poder. Esse é nomeado pelo presidente da República René Coty (1882-1962) a 1 de Junho de 1958 como presidente do conselho dos ministros, encarregado de constituir um governo e de redigir uma nova constituição que levará à 5ª republica francesa. Um regresso ao poder saudado por toda a chefia militar francesa. Rapidamente, de Gaulle inicia a 4 de Junho uma visita à Argélia para tentar restabelecer a confiança com a comunidade francesa. A nova Constituição, adoptada por referendo em Setembro, estipula, nomeadamente, que o presidente da República é eleito por sufrágio universal, e leva à adoção da 5º República em Outubro. Do seu lado, o Comité de Coordenação e de Execução (CCE) da FLN é substituído, em Agosto de 1958 no Cairo (Egito), pelo Governo Provisório da Republica Argelina (GPRA), dirigido por Ferhat Abbas (1899-1985) e imediatamente reconhecido pelo Egito, Marrocos e Tunísia, e, mais tarde, por outros países árabes e da Europa de Leste: França, apanhada de surpresa, tem agora à sua disposição um interlocutor político legítimo.

Contudo, face à onda de descolonização progressiva no império francês na África e a pressão internacional reclamando a autodeterminação do povo argelino, à qual se junta o facto de que a guerra da Argélia se arrastava sem fim à vista, consumindo cada vez mais recursos e provocando dramas humanos, de Gaulle, com fortes motivações para lançar ambiciosos programas de modernização da França, adquire a convicção de que a Argélia virá a ser independente. Para sensibilizar progressivamente a opinião francesa, de Gaulle recorre às conferências de imprensa televisivas para exercícios de pedagogia e declara, em Outubro de 1958 : "Temos de alcançar a paz dos bravos!"

Embora a França estivesse a ganhar a guerra, para ocupar os militares e enfraquecer ainda mais militarmente a FLN com vista às futuras negociações a serem abordadas em posição de força, de Gaulle lança, no Verão de 1959, uma vasta operação militar (Operação Gerboise) onde o exército recorreu, nomeadamente, ao napalm, que queimava vivos combatentes argelinos e toda a vegetação. O ELN sofre então importantes danos e sai cada vez mais enfraquecido, sempre sem poder contar com o apoio dos exércitos das fronteiras. Num discurso a 16 de Setembro de 1959, de Gaulle declara "o direito dos argelinos à autodeterminação": é o inicio do longo processo de saída da França da Argélia, com a preocupação de instalar no poder um governo que defenda os interesses económicos da França e guardar o controlo do deserto do Sahara. Essa declaração é encarada como uma traição pelos opositores à independência da Argélia, e os mais radicais criam comités para tentar travar o processo de descolonização, não excluindo o recurso à violência. No final de 1959, o coronel Boumediène (1932-1978) do exercito argelino sediado em Marrocos é nomeado chefe do ELN.

Durante o ano de 1960, o general de Gaulle não poupou esforços para defender o seu projecto levando à independência da Argélia. Em Janeiro, exonera o general Massu por condenar o seu projecto, o que leva à rotura com a comunidade francesa, que se sentiu traída. Nesse mesmo mês, grupos dessa comunidade erguem barricadas em Argel e soldados franceses acabam por matar a tiro manifestantes franceses. De Gaulle faz duas visitas à Argélia (Março e Dezembro), sob apertada protecção, num contexto de forte oposição da comunidade francesa, tendo declarado a 4 de Setembro que "A republica argelina existirá um dia". A FLN aproveita a visita dele de Dezembro para lançar nas ruas de Argel centenas de manifestantes a reclamar a independência: a repressão policial provoca 100 mortos, segundo um balanço oficial.

Depois do "sim" ter ganho no seu referendo, organizado a 8 de Janeiro de 1961, acerca da autodeterminação da Argélia, de Gaulle lança as primeiras negociações secretas com o Governo Provisório da República da Argélia (GPRA) na Suíça. Seguem-se várias sessões de negociações, totalizando treze meses de reuniões até se chegar a um documento final que é oficialmente assinado por ambas as partes na última reunião na cidade francesa de Evian em Março de 1962. Entretanto, e para tentar sabotar esse processo de negociação, é criado por militares franceses rebeldes na Argélia em Fevereiro de 1961 uma organização clandestina designada por "Organização do Exército Secreto" (OAS) que reúne também militantes da extrema-direita. Essa organização desencadeia uma onda de atentados contra os apoiantes de de Gaulle, contra militantes e quadros da FLN e destrói várias instalações industriais na Argélia, numa política de terra queimada. Inclusivamente, de Gaulle é alvo de vários atentados, enquanto prosseguem as negociações com o GPRA. A 21 de Abril de 1961, deu-se em Argel o segundo golpe dos generais, encabeçado pelos generais Challe, Jouhaud, Salan e Zeller, bem decididos a não baixar as armas para guardar a Argélia francesa. Esse golpe é rapidamente travado pela chefia militar maioritariamente fiel ao general de Gaulle, sendo os responsáveis do golpe detidos, em fuga ou integrados na OAS.

Outros opositores (clandestinos) a de Gaulle estão dentro do seu próprio governo. Em Paris, na noite de 17 de Outubro de 1961, para quebrar o recolher obrigatório imposto à comunidade argelina pelo delegado da polícia Maurice Papon (1910-2007), a secção parisiense da FLN organiza diversas marchas pacíficas de militantes, dos bairros de lata em direcção ao centro de Paris. Sob ordens de Papon, essas manifestações são duramente reprimidas pela polícia, provocando pelo menos 200 mortos. Essa repressão teve o acordo tácito de Michel Debré (1912-1996), ministro da administração interna que nomeia os delegados da polícia, opositor, como Papon, à independência da Argélia, e que visava sabotar as negociações com o GPRA.

Assinados os acordos ditos de Evian a 7 de Março de 1962 entre o governo francês e o GPRA, então dirigido por Krim Belkacem, onde, entre outros assuntos, a parte argelina concede licenças de exploração do petróleo e do gás no deserto do Sahara, parte integrante da Argélia independente, às petrolíferas francesas, e onde a parte francesa compromete-se a uma assistência económica e financeira para o desenvolvimento da Argélia, entra em vigor o cessar fogo a 19 de Março de 1962. Os acordos de Evian são submetidos a referendo a 1 de Julho em ambos os países, onde obteve uma esmagadora maioria a favor, na tradição de de Gaule em legitimar pelo povo as suas opções políticas. De salientar que o coronel Boumédiene, chefe do ELN em Marrocos, que não participou nas negociações, rejeitou os acordos de Evian, falando de traição.

Depois da entrada em vigor do cessar fogo, a violência prossegue na Argélia: a organização secreta OAS continua com os assassinatos, atentados e destruições de bens públicos; surgem confrontos entre militares franceses e argelinos, como os de 23 de Março de 1962, que provocaram dezenas de mortos; dá-se a vingança dos militantes da FLN ou combatentes do ELN, que matam soldados argelinos que tinham servido no exercito francês ("harkis"), muitos deles abandonados pelo exército francês para uma morte certa; regista-se violência exercida contra a comunidade francesa ameaçada pelo lema "a mala ou o caixão", sendo cerca de 800.000 os franceses que abandonam a Argélia.

Finalmente, a independência da Argélia é oficialmente proclamada a 5 de Julho de 1962, com a transferência da soberania do governo francês ao GPRA. Essa proclamação dá lugar a inúmeros festejos em todo o pais, mas, infelizmente, enlutados pelo massacre ocorrido na cidade de Orã (cidade costeira do Oeste) onde franceses e argelinos pró-franceses são mortos (o balanço varia de 100 a 800 mortos e desaparecidos).

O balanço da guerra da independência ou de libertação da Argélia, que durou sete anos e cinco meses, continua incerto, mas os números mais evocados são: 400.000 argelinos (combatentes e não combatentes) mortos, 30.000 soldados franceses mortos, 4.000 franceses mortos e entre 15.000 a 30.000 "harkis" mortos.

Mal obteve a sua independência, a Argélia não teve tempo de desfrutar da liberdade e da paz. O coronel Boumédiène, sem formação política e aliado a Ben Bella, já libertado, que lhe servirá de montra política, recusa os acordos de Evian e o GPRA recentemente instalado em Argel com a tarefa de redigir uma constituição e agendar eleições legislativas e decide, com o seu exército bem armado, rumar em direção a Argel para tomar o poder. No caminho, vai eliminar os combatentes fiéis ao GPRA, numa luta fratricida: é o início da crise do Verão de 1962 onde será "confiscada" a revolução argelina, obrigando os membros do GPRA a fugir para o estrangeiro...

Lisboa, 30 de Junho de 2022.


Toufik Hadjadji é argelino. Tem Formação académica em Paris na área da engenharia civil com licenciatura, master e doutoramento. Foi investigador no laboratório nacional de engenharia civil (Lisboa) durante uma década. Mnateve atividade de engenharia civil durante quatro anos na constructora Teixeira Duarte, com estadia na Argélia. Faz, de forma intermitente, traduções de documentos técnicos.
(...)

Neste dossier:

60 anos de independência da Argélia

Decorridos mais de 130 anos de colonização francesa, e após uma longa guerra de libertação, a Argélia conquistou a independência a 5 de julho de 1962. Dossier organizado por Mariana Carneiro.

A Organização Armada Secreta francesa e a sua ligação a Portugal

Criada em 11 de fevereiro de 1961 em Madrid, na Espanha franquista, a OAS constituiu o braço armado clandestino e sanguinário dos ultras da "Argélia Francesa". Alguns dos seus membros estabeleceram-se em Portugal durante o Estado Novo e tornaram-se pontas de lança da política colonial portuguesa. Por Mariana Carneiro.

Resistências à Guerra da Argélia

Resistências diversas no seu formato, desde a participação em manifestações ao compromisso com os argelinos, da legalidade à ilegalidade, e nas reivindicações apresentadas (pela paz na Argélia ou pelo direito da Argélia à independência). Por Nils Andersson.

Benjamin Stora: "A Guerra da Argélia não eclodiu misteriosamente após décadas de convívio"

Em entrevista, datada de 2019, à revista francesa L’Obs, o historiador Benjamin Stora afirma que não vamos compreender este conflito de oito anos se não olharmos para o século XIX, e aponta que França continua a omitir a história da ocupação e colonização da Argélia.

A guerra de independência da Argélia

No dia 5 de Julho de 2022, a Argélia celebra o 60º aniversário de independência, que obteve após uma longa guerra de libertação contra o colonizador francês, que conquistou a Argélia em 1830, então colónia do império otomano, e com uma decisão histórica do general Charles de Gaulle, o então presidente da França. Por Toufik Hadjadji.

 

Krivine: “Boa parte da extrema-esquerda teve origem no apoio à revolução argelina”

Neste artigo, de 2004, Alain Krivine fala sobre a posição do Partido Comunista Francês em relação à revolução argelina e defende que o apoio a esta causa está na origem da formação dos “quadros” de 1968 e da “nova extrema esquerda”.

Frantz Fanon: “A guerra da Argélia e a libertação dos homens”

A Argélia, ponta de lança do colonialismo ocidental em África, tornou-se rapidamente o vespeiro onde caiu o imperialismo francês e onde se desmoronaram as esperanças insensatas dos opressores ocidentais. Artigo publicado em novembro de 1958 por Franz Fannon.

A FNLA e a independência da Argélia

A Revolução Argelina deve ser celebrada por todos os que lutam pela autodeterminação e soberania dos povos. O grito de rebeldia de 1 de novembro de 1954 foi um grito de todos os explorados. Por Fabetz.

A revolução argelina mudou o mundo para melhor

A Argélia tornou-se uma nação independente a 5 de julho em 1961. A luta argelina pela libertação do imperialismo francês foi absolutamente central para a paisagem política do século XX. Hoje devemos lembrar a sua história e honrar o seu legado. Por Robert Masey.

Argélia. Fuga para a independência

Independência de França só chegou a 5 de julho de 1962. Quatro anos antes, tinha sido criado o Onze da Independência: jogadores de origem argelina que atuavam em França e abdicaram das carreiras para formar a equipa da Frente de Libertação Nacional e defender a Argélia dentro de campos de futebol espalhados pelo mundo. Por Rui Pedro Silva.

Violência banal na Argélia colonial

Trata-se, com esta história de internamento na Argélia durante o período colonial, de deslocar o olhar centrado na história política da França para a da colonização. Por Sylvie Thénault.

Face à guerra da Argélia, artistas insurgentes

Pequenas constelações de artistas lúcidos denunciavam os massacres de civis, as torturas, todos os desastres da guerra colonial. Por Nils Andersson.