Nascido em Constantina, Argélia, a 2 de dezembro de 1950, Benjamin Stora é professor de História do Magrebe no Instituto de Civilizações e Línguas Orientais (INALCO) em Paris e na universidade Paris 13 - Villetaneuse. É fundador do Maghreb-Europe Institute, que dirige desde 1991. Stora dá palestras sobre a história do colonialismo francês nos séculos XIX e XX, sobre as guerras de descolonização e sobre a história da imigração magrebina para a Europa, e dirige um seminário sobre a “Memória da Guerra na Argélia” no Institut d'Etudes Politiques em Paris. Tem inúmeras obras publicadas sobre a matéria e também esteve envolvido em muitos projetos de televisão, rádio e cinema. Stora é igualmente autor de um relatório, apresentado em janeiro de 2021 ao presidente Macron, sobre questões de memória relacionadas com a colonização e a guerra da Argélia.
Qual a razão do silêncio sobre a Argélia colonial, sobre o longo século de ocupação francesa?
A Argélia francesa permaneceu durante muito tempo um tema tabu. O silêncio sobre a guerra foi levantado, tardiamente, há quinze anos. Mas é como se a produção sobre o conflito, que se tornou abundante, tenha criado uma tela, como se esta nos tenha impedido de ir a montante, como se a história da Argélia francesa se limitasse à da guerra. Mas não vamos compreender este conflito de oito anos se não olharmos para o século XIX. Não podemos contar a história a partir do fim. A insurreição de “Toussaint rouge” de novembro de 1954 não eclodiu misteriosamente após décadas de convívio, como querem acreditar parte dos pied-noirs e certos políticos franceses.
A produção literária e artística é mais débil durante este período?
Não há muita. Veja-se o cinema, sem dúvida a principal representação do imaginário. Desde a independência, surgiram pelo menos sessenta filmes sobre a guerra. “Avoir 20 ans dans les
Aurès”, “Elise ou la vraie vie”... Mas as longas metragens sobre a colonização são significativamente menos numerosas. O Emir Abd el- Kader, um dos principais resistentes do século XIX, nunca foi dado a conhecer, o marechal Thomas Bugeaud, o homem da conquista, não existe. Quantos filmes existem sobre esse período? "Fort Saganne", "les Chevaux du soleil”... Não muitos mais. Acontece o mesmo com a literatura. Alexis Jenni, Laurent Mauvignier, Erik Orsenna, Jérôme Ferrari, todos escreveram sobre a guerra. Enquanto relatos do período anterior são extremamente raros.
A conquista foi longa e difícil, diria...
Foi aterrorizante, sanguinária. Começou com a tomada da regência de Argel em julho de 1830, durou até 1871, com a repressão da revolta Mokrani, na Grande Cabília, e até 1902, dentro das suas fronteiras, com a criação dos Territórios do Sul. Mais de meio século, três gerações. Vale a pena ler a obra de François Maspero, “l’Honneur de Saint-Arnaud”i, a biografia deste oficial que escreveu cartas alucinantes à sua noiva. “Tenho dores no braço de tanto matar pessoas”; "Entrei numa rua, tinha sangue até à cintura”. A conquista destrói a imagem de uma implantação aceite, de uma coabitação “pacífica”. É também por isso que ela foi omitida. Os historiadores consideram que entre lutas, fomes e epidemias, várias centenas de milhares de argelinos morreram. A população muçulmana, estimada em 2,3 milhões em 1856, caiu para 2,1 milhões em 1872. As rejeições, os dissidentes existiram desde o início. Não temos noção em França de quantas personalidades da resistência, como Emir Abd el-Kader ou os irmãos Mokrani, fazem parte do panteão nacional argelino. A memória da conquista passa de geração em geração, nunca foi apagada.
Mais de 100.000 soldados enviados, milhões de francos comprometidos. Porquê tamanha aposta na conquista da Argélia no século XIX?
Trata-se de derrotar os britânicos no Mediterrâneo, mas também de estender o Império ao sul e às Américas. A Argélia é um território gigantesco, o maior da África em área, um lugar “ideal” para experiências, de desenvolvimento económico. Fourieristas, Saint-Simonianos, mergulhados na utopia socialista, vão criar comunidades lá. E é o Oriente perto de casa, a menos de um dia de passeio de barco. Os pintores atravessam o Mediterrâneo: Eugène Fromentin, Eugène Delacroix, Gustave Guillaumet, que pintou a miséria em Constantina, Horace Vernet, cuja tela descreve a tomada do acampamento de Abd al-Kader. Há também escritores, Théophile Gauthier, Gustave Flaubert, Guy de Maupassant... O exotismo oriental fascina.
De que forma colonialismo contribui para a grandeza da França?
O pensamento pro-colonial fabrica o nacionalismo francês. O que é a França? É também, sobretudo, o seu império colonial. Se se critica o colonialismo, critica-se o nacionalismo. Ele exprime-se desde o início com a constituição do Exército de África em memória da herança napoleónica. Muitos generais da conquista travaram as guerras de Napoleão, nomeadamente a de Espanha, em 1806, e alguns entre eles, como Bugeaud, vão mesmo inspirar-se na Revolução Francesa e nas colunas infernais da Guerra da Vendeia em 1793... O Império Napoleónico de alguma forma persiste. Napoleão III, em 1860, tentará, em vão, alterar esta situação propondo uma "Reino Árabe" associando as elites muçulmanas. Haverá também, mais tarde, o ideal republicano, o iluminismo. Será uma questão de instalar escolas, de civilizar, fazer outra França.
Como foi construída essa “outra França”?
Uma questão de proximidade e tempo histórico. Os outros países do Magrebe, Marrocos e Tunísia, serão protetorados do Império. O Marechal Hubert Lyautay, primeiro residente geral do protetorado marroquino em 1912, manterá a monarquia cherifiana e associará as elites locais. Mas, na Argélia, foi o exército que tomou o poder entre 1830 e 1870. A colonização não foi pensada, organizada, foi feita de improviso, dependendo das rendições das “tribos árabes”, com milicianos divididos, uns a defender a ocupação total, outros parcial. Sob a Segunda República, em 1848, Argel, Oran e Constantina tornaram-se departamentos franceses. Nenhuma outra colónia do Império foi organizada dessa forma. Com a Terceira República, o sistema administrativo foi reforçado. As cidades do litoral têm a sua autarquia, a sua igreja, o seu coreto, as suas avenidas de plátanos. Surgem edifícios haussmannianos em Argel. Os Chefes de Estado a partir de Napoleão III visitam a Argélia, como faziam com as suas províncias. "A Argélia é a França e a França não vai reconhecer outra autoridade sobre ela que não a sua”, disse François Mitterrand, Ministro do Interior, em novembro de 1954. O que foi feito na Argélia, e não voltará a ser feito no Império, foi esse desejo louco de querer anexar um território como se se tratasse de uma extensão natural da metrópole.
A Argélia foi também foi a única colónia de "povoamento”, com a Nova Caledónia. Na independência, existia quase 1 milhão de pieds-noirs para 9 milhões de argelinos. Por que razão favoreceram o exílio do povo francês o outro lado?
A “população” dos pied-noirs é, de facto, muito díspar. No início da conquista, há os soldados-lavradores, a quem o exército confia terra expropriada. Depois vêm os exilados políticos (os Republicanos após o golpe de Luís Napoleão Bonaparte em 1851, os communards em 1870, os Alsacianos e os Lorenos após a anexação de 1871), mas também os imigrantes pobres cuja instalação é favorecida: trabalhadores franceses à procura de trabalho, viticultores arruinados pela epidemia de filoxera, italianos, malteses, espanhóis, muitos estrangeiros, todos naturalizados por um decreto de 1889. Sem esquecer os judeus, que estavam ali antes da conquista, e se tornarão franceses com o decreto Crémieux de 1870. Em 1881, havia assim 181.000 estrangeiros, 35.000 judeus e 195.000 “franceses de França", um pouco menos de metade.
Para si, Argélia Francesa é desde o início uma ilusão...
Tentámos recriar a França, mas funcionou de forma caótica. O país é muito vasto para ser ocupado uniformemente. Acima de tudo, os muçulmanos não estão associados ao poder administrativo. Terão de esperar até 1944 e 1958 para obter mais direitos, em particular o de votar. O “código indígena” continua até 1944. Os próprios argelinos continuaram a recusar a presença francesa muito depois da "pacificação". Até 1914-18, poucas famílias enviaram os seus filhos para a escola, por medo de perder a tradição, a língua, a religião. Os "nativos" da aldeia de Margueritte expropriados das seus terras revoltam-se em 1901, os notáveis de Tlemcen foram para o exílio em 1911 para escapar do recrutamento, os Aurès também recusaram o alistamento em 1916. Maurice Viollette, nomeado governador da Argélia em 1925, é um dos primeiros a medir as consequências dessa não assimilação. Ele publica "L’Algérie vivra-t-elle?” em 1931. Ministro da Frente popular, ele tenta atribuir mais direitos à elite muçulmana em 1936. Mas o projeto Blum-Viollette nem é debatido na Assembleia Nacional.
Em 1930, a França comemorou o centenário da colonização com grandes festas. Porquê essa efusividade?
É o apogeu. Temos a sensação de que a Argélia está no Império para a eternidade. É um reflexo do nacionalismo francês. Os anticolonialistas, incluindo os surrealistas e os comunistas, são uma minoria. Existia, de facto o famoso texto de Tocqueville em 1847: “Excedemos em barbárie os bárbaros que viemos civilizar”. Mas a preocupação passa por corrigir os erros do colonialismo, não acabar com ele. Apenas uma pequena fração da esquerda é independentista: a esquerda radical-socialista, os anarco-sindicalistas, os trotskistas... As celebrações do centenário duram mais de seis meses e são seguidas pela Exposição Colonial de 1931, em que o pavilhão da Argélia é o mais importante, Mas por detrás do cenário, a agitação política na Argélia está a crescer. A Estrela norte-africana, o primeiro movimento de independência, nasceu em 1926.
O que querem os primeiros nacionalistas?
No início, é "l’Egalité" [Igualdade], o título do jornal de Ferhat Abbas, um dos três pais do nacionalismo Argelino, com Messali Hadj e Abdelhamid Ben Badis. Igualdade política, direito de voto, assimilação, mas não independência. A elite é inicialmente assimilacionista e quer jogar nos interstícios da sociedade colonial, como atesta a emblemática trajetória de Ferhat Abbas, que era pela igualdade e autonomia com manutenção no Império Francês no período entre as duas guerras, depois tornou-se presidente do Governo Provisório da República Argelina em 1958. Existem muitos mal-entendidos, repressões, não reconhecimento dos muçulmanos. Os massacres de Setif, Guelma e Kherrata, a 8 de maio de 1945, servirão de detonador para o movimento independentista.
O período de conquista e ocupação também não é ensinado na escola?
Começamos a ensinar sobre a guerra, mas o que aconteceu antes... Isso continua a ser um ponto obscuro na história. Por outro lado, entre os argelinos, a transmissão da memória de cento e trinta e dois anos de presença estrangeira, de rebaixamento a uma sub-cidadania, a uma sub-humanidade é muito forte. Repete-se de geração em geração: "Qual a razão dessa falta de consideração dos franceses, por nós, argelinos, durante quase um século e meio de colonização?”.
Entrevista publicada em L’OBS n°2858, 15 agosto 2019.
Tradução de Mariana Carneiro.
i Plon, 1993