Numa conjuntura marcada pelos preços altíssimos dos combustíveis, pela introdução de portagens nas SCUT, pelos cortes nos salários, pela perda continuada de poder de compra, a função do transporte público coletivo ganha uma dimensão superior. Uma boa gestão das empresas de transporte definiria como prioritária uma estratégia para ganhar clientes e utilizadores.
Os transportes públicos e os ferroviários de uma forma particular, deviam aproveitar esta situação para relançar a sua atividade, única forma para fazer baixar os desequilíbrios orçamentais. Ao mesmo tempo que se prestava um serviço fundamental às populações e ao país, promovendo o direito à mobilidade, com ganhos substanciais para o ambiente e para a organização das cidades. O tempo é de transporte coletivo, a própria conjuntura empurra para isso, mas a CP perdeu 3,3% dos passageiros e as medidas do Governo vão no sentido contrário: aumentam os preços, reduzem o passe social e diminuem a oferta de transportes.
Os governos anteriores deixaram as empresas de transportes públicos numa situação desgraçada, acumulando-se défice sobre défice, juros a somar aos juros. A CP paga mais em juros anualmente - 147 milhões de euros - do que em salários e encargos com a segurança social, que somam 122 milhões de euros.
Mas o Governo PSD/CDS agrava ainda mais a situação. A preocupação não é salvar as empresas públicas, é destrui-las, privatizando o que é rentável e colocando no desemprego milhares de trabalhadores e trabalhadoras.
Encerrar cerca de 500 km de linhas, tal qual fez Cavaco Silva nos anos 90, privando uma parte significativa do país, e em particular do interior, de mobilidade ferroviária contribuindo para o seu isolamento, fechar estações, reduzir a oferta de comboios e de carruagens diminuindo a qualidade dos serviços prestados e assim afastar potenciais utilizadores, é o que o Governo tem para oferecer. Não nos iludamos, é isto que está em marcha.
Propõem-se privatizar o que dá lucro, começando pelo transporte de mercadorias - a “CP-Carga”, continuando nos serviços suburbanos e no longo curso, com o serviço “Alfa” para começar, deixando para a CP pública o que dá prejuízo. Existem linhas que dão prejuízo, mas uma lógica de serviço público e uma boa gestão da empresa levariam a que os serviços que dão lucro compensassem estes. Separar o que dá lucro para entregar aos privados é o mesmo que declarar a morte da empresa. Mas o trabalho do Governo não se fica por aqui: antes da entrega aos privados, tratam de aumentar o preço dos bilhetes e das várias modalidades de passes. No sector das mercadorias entregam 400 vagões novos, ao futuro “proprietário”.
A redução de serviços vai sobrar para os trabalhadores, pois facilmente se conclui que sobram ferroviários.
Existe ainda outra consequência muito dramática, que atingirá a empresa de reparação e manutenção do material ferroviário, EMEF. Menos serviços, menos comboios em circulação, logo menos desgaste do material, logo trabalhadores a mais.
Uma parte significativa da frota da CP está hoje parada devido à redução de oferta de serviços, e parte da dívida da CP está no investimento feito em material circulante que agora se encontra encostado. Este é um País sem planeamento, sem rumo, onde se tomam decisões a pensar apenas no dia de amanhã e nos interesses instalados.
O Presidente da CP fala em excesso de capacidade instalada, o Secretário de Estado confirma. Traduzindo é a ameaça de despedimentos que está aí.
A tendência para perder passageiros vai manter-se e aumentar. As receitas vão diminuir, como aconteceu este ano. O aumento de 20% nas tarifas traduziu-se em apenas 8% nas receitas. A CP precisava de uma política bilhética radicalmente diferente daquela que tem sido aplicada, uma política ofensiva que apostasse na juventude para captar novos públicos e os fidelizasse, este é o tempo para isso.
Os últimos desenvolvimentos, que trouxeram a público a ameaça de não pagamento de salários caso os trabalhadores façam greve, só podem ser vistos à luz do que é dito atrás. Para concretizar estes objetivos eles precisam de envenenar a opinião pública, como já começaram a fazer ao falarem das “inúmeras e injustificadas” regalias dos ferroviários e não hesitarão em virar trabalhadores contra trabalhadores.
O plano estratégico de transportes aponta para a redução de administrações e administradores, porque não reconhecem que foi um erro histórico a divisão da CP em várias empresas, cujos interesses se chocam com frequência e unificam estas empresas tutelando-as com apenas uma administração, que significaria uma redução substancial de custos, mas acima de tudo, uma viragem clara no reforço da segurança ferroviária, uma aposta clara no sector ferroviário como estratégia de apoio à economia e uma visão ampla do papel que a ferrovia deve ter na construção de um País equilibrado geograficamente.
Os ferroviários são trabalhadores com consciência de classe, com uma história, com sentido de serviço público. A ferrovia é obra sua, são os governantes que a destroem. Cada linha que fecha é uma amputação do seu esforço. Estão em preparação várias formas de luta para janeiro pela defesa dos postos de trabalho, mas também pela defesa do serviço público ferroviário. É uma luta de todos – trabalhadores e populações. Só assim será possível responder a este ataque às empresas públicas e ao transporte coletivo. Caso contrário a sangria continua.