As empresas de transportes públicos têm sido fortemente atacadas nos últimos anos. Todas as críticas visam justificar as reformas efetuadas de acordo com a teoria económica mainstream.
Essas críticas baseiam-se em dois argumentos centrais:
a) O principal problema das empresas de transportes públicos é o sua fraca performance operacional
b) Há excesso de trabalhadores
Contudo, analisadas as contas (Relatórios e Contas) das principais empresas (Carris, STCP, Refer, CP, Metro de Lisboa, Metro do Porto e Transtejo / Soflusa), vemos que estes argumentos são falsos, como irei demonstrar.
Despesas com juros representam 76% dos prejuízos
As reformas postas em prática no setor dos transportes assentam, em grande parte, no argumento da ineficiência operacional das empresas públicas. “Há sobreposições na oferta”, “há autocarros / metros a mais” ou “os preços são demasiado baixos” são alguns dos chavões utilizados pelos responsáveis das reformas nos sectores.
Esta visão nublada do problema dá origem a políticas de aumento dos preços acima da inflação (em 2011 os preços subiram duas vezes 4,5% e 15%) e a fortes reduções no serviço prestado. Ideias defendidas nos últimos 25 anos pelos decisores políticos.
A visão não podia estar mais errada. O principal problema das empresas é financeiro. Entre escolher resolver este ou o problema operacional, os decisores tentam melhorar o segundo. Decisões sem resultados, mas com forte enraizamento na ideologia vigente. Senão, vejamos:
Entre 2005 e 2010, a dívida das empresas de transportes públicos cresceu de 4.770,2 milhões de euros – custo de um aeroporto –, de 14.131,8 milhões de euros para 18.902 milhões de euros.
Gráfico 1
Este aumento é constituído maioritariamente (60%) por encargos financeiros, isto é, pagamento de juros. O sistema pode ser descrito desta forma: há uma dívida sobre a qual se paga juros, mas para se pagarem esses juros temos que pedir mais dinheiro emprestado (sobre o qual se pagam juros).
Gráfico 2
E por quanto mais tempo esta situação se arrasta, maior são os encargos com juros da dívida: por um lado, quanto maior é a dívida, maior é o montante sobre o qual incide a taxa de juro e, por outro lado, quanto maior a dívida, maior é o risco para os credores, logo, a taxa de juro sobe. É o chamado efeito bola-de-neve.
Gráfico 3
Assim, com o passar dos anos é cada vez maior a destruição provocada pelo pagamento de juros aos credores. O pagamento de juros não vai parar de crescer. No final do mandato do atual Governo, em 2015, se nada for feito, a dívida irá crescer mais cerca 5 mil milhões de euros em quatro anos (tendo em conta uma taxa de juro média de 5%, a atual). Em 2010, as empresas de transportes públicos pagaram 712,1 milhões de euros apenas em juros. Este dado demonstra que o resultado operacional teria de ser positivo neste mesmo montante para as empresas registarem lucros. Isto é algo que nunca aconteceu em Portugal, nem em nenhum país. Nunca.
O gráfico 4 (acima) ilustra bem o que deve ser atacado para melhorar a saúde financeira das empresas de transportes públicos.
E este ano a percentagem será ainda maior. E nos próximos anos não irá parar de crescer, em valor, e em percentagem dos prejuízos.
Vemos assim que a principal causa dos prejuízos das empresas de transportes públicos são os encargos com juros, o pagamento de rendimentos aos detentores do capital. Esta estratégia provoca uma degradação galopante e cada vez mais forte do serviço público prestado. Cortam-se linhas – 1.500 km de ferrovia irão desaparecer quando 2011 acabar, desde 1988 - e sobem-se os preços, limitando cada vez mais o acesso à população. Por exemplo, a CP perdeu 103 milhões de passageiros anuais desde 1988 até 2011, de 231 milhões de passageiros para 128 milhões.
Redução de 37% dos trabalhadores em 10 anos
A redução do serviço prestado está igualmente relacionada com o despedimento de trabalhadores, pois quanto menos trabalho, menores as necessidades de trabalhadores nas empresas. O facto de as empresas de transportes públicos registarem prejuízos é também utilizado como argumento para justificar a redução do número de trabalhadores, com os decisores a defenderem, ao longo dos anos, que as empresas públicas do setor têm ‘colaboradores’ a mais.
Como demonstrei atrás, três quartos dos prejuízos devem-se ao pagamento de juros. Não ao número de trabalhadores.
Mas a estratégia seguida é inequívoca: os documentos estratégicos do Estado e das empresas enaltecem as estratégias de redução de efetivos, por um lado, e a diminuição da massa salarial, por outro.
«O vetor dominante da viabilidade económica-financeira da EMEF assenta principalmente no ajustamento dos recursos humanos (…) tarefa que constitui um objetivo desta administração ao longo dos últimos anos»- Plano de Atividades 2011-2015 da EMEF, empresa da CP, detida a 100% pelo Estado.
Esta passagem é bem exemplificativa da cegueira que afeta os decisores públicos e políticos. É esta falta de visão que tem provocado sucessivos despedimentos no sector dos transportes. A análise das contas das empresas demonstra que o número de trabalhadores caiu 37% nos últimos dez anos, nas sete empresas analisadas. Isto é, 8.410 pessoas ficaram sem trabalho.
Gráfico 5
Esta estratégia está condenada ao fracasso. Por tudo o que foi já referido, mas também porque as empresas já pagam mais de encargos financeiros do que em salários, incluindo remunerações com a Segurança Social: 425,1 milhões de euros em salários contra 712,1 milhões de euros em juros.
Gráfico 6
Ou seja, podiam ser despedidos todos os trabalhadores que as empresas continuariam a registar prejuízos, devido à elevada fatura com o pagamento de juros.
Contudo, a redução de trabalhadores é um traço comum na estratégia seguida nas empresas de transportes públicos. E vai continuar nos próximos anos, pois todas, têm já planos para reduzir trabalhadores em 2012 e algumas para efetuar despedimentos em 2013…
Conclusão
A despesa com juros tem contribuído de forma significativa para o aumento da dívida das empresas de transportes públicos. É uma fatura apresentada aos cidadãos, a quem exigem agora sacrifícios para garantir a rentabilidade às instituições financeiras. À medida que os anos passam, os encargos financeiros vão subindo de forma galopante. E este é um dado alarmante, porque ao aumento desta fatura corresponde a destruição dos serviços prestados, a limitação do acesso da população a estes e o despedimento massivo de trabalhadores.
Estas medidas levam, por sua vez, à perda de passageiros, de escala nas empresas, logo, à queda das receitas e ao aumento das dificuldades. A estas responde-se com a mesma estratégia, sucessivamente. É a lógica da austeridade aplicada ao sector dos transportes.
Será esta dívida legítima e sustentável, se para ser paga são despedidos milhares de trabalhadores e se destrói o serviço à população?