Drogas em Portugal: É proibido mas pode-se fazer. E às vezes somos presos

Com a descriminalização, criou-se uma mudança na perspectiva em relação ao consumidor de drogas: este passou de criminoso a doente. Do tribunal para a comissão de dissuasão da toxicodependência ou, em última instância, da prisão para a coima. Continua proibido, mas pode-se fazer. Não acontece praticamente nada. E às vezes somos presos. Por Alex Gomes, activista da MGM Lisboa.

10 de julho 2011 - 16:35
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Este ano assinala-se o décimo aniversário da lei que descriminalizou a posse para consumo e o consumo das drogas em Portugal. Assim, criou-se uma mudança na perspectiva em relação ao consumidor de drogas: este passou de criminoso a doente. Do tribunal para a comissão de dissuasão da toxicodependência ou, em última instância, da prisão para a coima. Continua proibido, mas pode-se fazer. Não acontece praticamente nada. E às vezes somos presos



A política da “guerra às drogas” encontra-se completamente descredibilizada actualmente, facto para o qual terá contribuído recentemente o relatório da Comissão Latino-Americana de Drogas e Democracia, composta por ex-presidentes do Brasil, México e Colômbia, pelo Nobel da literatura Mario Vargas Llosa, o escritor Paulo Coelho, entre outras personalidades e que apela a uma “mudança de paradigma” na forma como se lida com o fenómeno das drogas a nível global.



O “caso português” tem sido apontado a nível internacional por muitos especialistas (como por exemplo o reputado constitucionalista norte-americano Glenn Greenwald, ou a revista Time) como um exemplo a seguir, tendo em conta o fracasso retumbante da política proibicionista radical de “guerra às drogas” desencadeada pelos EUA e adoptada pela ONU. De facto, a descriminalização das drogas em Portugal não levou a nenhum aumento exponencial do tráfico ou do consumo, como foi na altura prenunciado pela direita conservadora. Pelo contrário, hoje Portugal é dos países da UE com menores taxas de consumo de drogas. As comissões de dissuasão da toxicodependência têm cumprido um papel importante nos casos de consumo abusivos e consequentemente problemáticos e, sem este acompanhamento, não seria possível hoje fazermos um balanço claramente positivo da descriminalização em Portugal.



Podemos considerar a lei portuguesa como “vanguardista”? Sim, quando comparada com as leis da maior parte dos Estados. Contudo, há que ter em conta países (como Espanha, Holanda, alguns estados norte-americanos, a Suíça, o Quebec ou, mais recentemente o Uruguai) onde encontramos leis mais avançadas que a portuguesa.



A toxicodependência é uma questão demasiado grave para continuar a ser mal tratada pelo poder político. O consumo abusivo de drogas acarreta problemas sociais, sanitários e económicos por todo o mundo. O proibicionismo tem amplificado o problema dando espaço ao desenvolvimento de máfias cada vez mais influentes e poderosas, contribuindo para um mercado negro estimado em mais de 300 mil milhões de dólares anuais. Estas máfias, na busca pela obtenção do máximo lucro, além de adulterarem as substâncias causando mortes através de falsas overdoses, envolvem-se por vezes em autênticas guerras civis contra os Estados ou entre si próprias, resultando em ainda mais mortes. Por outro lado, o proibicionismo desperdiça recursos públicos ao perseguir e prender consumidores, por vezes até condenados como traficantes. Lidar com esta problemática implica não só saber fazer a distinção entre as diferentes substâncias psicotrópicas entre si, como os seus variados tipos de consumo. É aqui que a canábis assume um papel central.



A canábis é de facto uma droga "singular". Sendo a droga ilegal mais consumida no mundo, o seu consumo, quando comparado com o de outras drogas legais como o álcool ou o tabaco, não justifica a sua proibição. Se num passado razoavelmente recente a ignorância derivada da pouca informação credível ou mesmo da desinformação oriunda de mitos e preconceitos serviram para justificar a sua proibição, actualmente estes motivos já não colhem junto da maioria das pessoas que tem ou tiveram um contacto mínimo com esta droga.



Existem, grosso modo, três modelos de enquadramento legal da canábis: o holandês, o norte-americano e o espanhol. O primeiro, mais conhecido, é aquele no qual a canábis é comercializada em coffe-shops; o norte-americano disponibiliza a canábis enquanto medicamento para o tratamento das mais variadas patologias; e por fim, o espanhol, que permite o cultivo da canábis para consumo próprio e que consequentemente tem levado à proliferação de clubes sociais de canábis, uma espécie de cooperativa de cultivo para consumo da planta. Este último modelo parece ser o mais ajustado ideologicamente ao programa socialista do BE.



A descriminalização foi um passo importante, mas não chega. Os consumidores de canábis continuam a ser penalizados por incongruências da lei actual. O cultivo para consumo continua a ser um crime punível com pena de prisão, algo que força os consumidores a recorrer a traficantes. Também por esse motivo, e porque a lei de descriminalização do consumo só se aplica aos casos de posse iguais ou inferiores a dez vezes a dose média diária, os tribunais podem condenar por tráfico quem tiver doses superiores, mesmo sem provas e podendo tratar-se de casos de pessoas que, por questões económicas ou de segurança, optaram por comprar de uma só vez uma grande quantidade, permitindo-lhes diminuir o contacto com traficantes.



Portugal precisa de continuar a ser vanguarda: o proibicionismo não funciona e a melhor maneira de lidarmos com o fenómeno das drogas passa por enquadrar legalmente o seu acesso.

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