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Como a Apple tenta evitar a sindicalização dos seus trabalhadores

No início de junho estava prevista a votação da formação do primeiro sindicato numa loja Apple nos EUA, mas foi cancelada com acusações de intimidação e "ambiente coercivo" criado pela empresa conhecida por instituir uma cultura de sigilo e que tenta evitar que a vaga de sindicalizações alastre.
Foto distan bach/Flickr

Em abril, cerca de 70 dos 100 trabalhadores da Apple Store num centro comercial em Atlanta assinaram o pedido ao Conselho Nacional de Relações Laborais para realizar uma eleição sindical, no que será uma estreia para os trabalhadores das lojas desta empresa nos EUA. A subida do custo de vida na cidade mais populosa do estado da Georgia não tem sido acompanhada pela subida do salário e, como disse uma das proponentes da sindicalização ao Endgadget, "toda a gente merece ser capaz de suportar a despesa de viver na cidade onde trabalha".

A iniciativa teve o apoio da Communications Workers of America, que apelou à Apple que abandone as suas táticas anti-sindicais e não interfira nesta eleição marcada para o dia 2 de junho. Mas o que devia ser uma votação histórica acabou por ser cancelada pelo sindicato, alegando o "ambiente coercivo" criado nas últimas semanas pela empresa através de uma "campanha sistemática e sofisticada" de intimidação dos trabahadores da loja.

 

O gigante informático foi das empresas que mais viu os seus lucros aumentar durante a pandemia e esse facto não escapa à atenção de quem lá trabalha ou teve de sair para conseguir sustentar a família. Calcula-se que no ano fiscal passado, que terminou em outubro, cerca de 36% dos 366 mil milhões de dólares de receitas da Apple vieram das vendas em lojas e online. A liquidez resultante destas vendas tem permitido à empresa fazer programas de recompra de ações e distribuir dividendos aos acionistas. "É mesmo importante que os dois lados da moeda tenham um tratamento justo na empresa para a qual todos trabalhamos", acrescentou Elli Daniels, que afirma ter dado este passo com os seus colegas de trabalho "porque adoramos esta empresa, não porque lhe queiramos virar as costas".

Depois de Atlanta, seguem-se Nova Iorque e Baltimore

Depois do sucesso da sindicalização num armazém da Amazon perto de Nova Iorque, os trabalhadores da Apple Store do Grand Central Terminal novaiorquino querem seguir o exemplo. E a sua bandeira é o aumento do salário mínimo para os 30 dólares por hora em vez dos atuais 17 dólares. Para já, tentam convencer 30% dos cerca de 270 trabalhadores elegíveis a assinar a petição a declarar interesse em formar o seu sindicato. E queixam-se de pressões da empresa que tem tentado convencer os trabalhadores de que a sindicalização não é uma boa ideia. Têm trabalhado com o sindicato Workers United, que apoia o movimento de sindicalização nos cafés Starbucks.

A terceira loja a aderir a esta vaga é a de Townson Mall, perto de Batimore, no estado do Maryland, com o apoio da International Association of Machinists and Aerospace Workers e com votação marcada para 15 de junho. Também aqui os salários estagnados enquanto a empresa lucra milhares de milhões de dólares são um dos pontos que fez despertar o interesse pela organização, a par dos horários de trabalho e das medidas de segurança por causa do covid-19. Mas também a votade de ter uma voz em decisões que muitas vezes são tomadas em gabinetes longe das lojas por pessoas que nunca viram os trabalhadores. "A pandemia fez as pessoas que trabalham na linha da frente ganharem consciência do seu valor", diz ao Washington Post Kevin Gallagher, um dos trabalhadores desta loja com sete anos de casa.

Empresa contrata advogados anti-sindicatos e distribui tópicos de conversa para os gestores de loja desmobilizarem trabalhadores

Segundo a revista Vice noticiou a 12 de maio, a Apple está a responder ao que vê como uma ameaça de uma onda de sindicalização distribuindo tópicos de conversa pelos responsáveis das lojas usarem quando abordam trabalhadores. Por exemplo, dizer-lhes que podem perder oportunidades de progressão na carreira dentro da empresa, a possibilidade de tirarem folgas por razões pessoais ou mesmo as promoções com base no mérito. Caso exista um sindicato, avisam os gestores de loja, passará a haver menos flexibilidade, menos oportunidades e a empresa vai ligar menos ao mérito do desempenho de cada trabalhador. Recentemente, a empresa contratou os serviços da firma de advogados Littler Mendelson, conhecida por dirigir campanhas anti-sindicalização, como no caso da Starbucks.

A insatisfação dos trabalhadores aumentou durante a pandemia, com muitos a acusarem a empresa de não fazer o suficiente para garantir a sua segurança. No final de 2021, dezenas de lojas tiveram de encerrar por causa do aumento da incidência da variante Omicron que deixou muitos trabalhadores infetados. E na véspera de Natal houve mesmo um protesto de trabalhadores das lojas a exigir aumento dos salários e melhoria das condições de trabalho.

Também no ano passado, mais de 500 atuais e antigos trabalhadores da empresa responderam ao apelo para juntar queixas de assédio, discriminação e retaliação no trabalho num grupo denominado #AppleToo. Muitos queixam-se que a cultura de segredo instituída na empresa impede os trabalhadores de falarem sobre os problemas que sentem no local de trabalho. Apenas em 2019, com a utilização da plataforma Slack, passou a haver uma forma de os trabalhadores de diferentes setores comunicarem internamente e rapidamente se aperceberem que tinham problemas comuns.

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Neste dossier:

Lutas pela sindicalização nos EUA

Em 2021 a luta laboral nos EUA intensificou-se. Muitos trabalhadores abandonaram publicamente empregos mal pagos e com más condições e houve uma onda grevista. 2022 é o ano da sindicalização. Amazon, Apple, Starbucks e outros locais onde os sindicatos não se conseguiam organizar assistem a processos liderados por jovens não filiados nos sindicatos tradicionais.

Cresce a onda criminosa anti-sindical na Starbucks e Amazon

A Starbucks e a Amazon estão a realizar campanhas paralelas de ataque à sindicalização em todo o país, violando deliberadamente a lei laboral numa tentativa desesperada de derrotar a emergente organização de trabalhadores nas suas empresas. Por Alex N. Press.

Como explicar o aumento das greves nos Estados Unidos?

Se no conjunto do planeta a pandemia expôs as desigualdades mas não correspondeu a um aumento das mobilizações dos trabalhadores, isso não foi o caso dos EUA em 2021. Neste artigo, Kim Moody traz alguns elementos sobre o que já foi chamado de "grande descontentamento" e que pode ser considerado uma viragem nas lutas de classes na principal potência capitalista.

Amazon, Starbucks e o surgimento de um novo movimento sindical americano

Os sucessos recentes mostram que a sindicalização já não parece tão assustadora ou fútil e o facto de terem sido protagonizados por pessoas dos locais de trabalho e não por sindicalistas profissionais anula os argumentos dos patrões de que os sindicatos são elementos estranhos que só querem ganhar quotas. Por John Logan.

Trabalhadores da Amazon celebram a criação do primeiro sindicato na empresa.

EUA: O que está a acontecer é a revolta da nova geração de trabalhadores

Pegue-se nas queixas que há muito fervilham numa geração e nas sensibilidades políticas de alguns dos seus membros, adicione-se a isso setores favoráveis ​​do mercado de trabalho (por enquanto) e a equação de poder que governou os locais de trabalho dos americanos nos últimos 40 anos pode ser alterada. Por Harold Meyerson.

Loja da Target no EUA. Foto de Mike Mozart.

A sindicalização começa a espalhar-se no setor do retalho

Inspirado por uma onda recente de sindicalizações na Starbucks e na Amazon, os trabalhadores do setor do retalho que estão empregados em grandes cadeias de lojas como a Target começam agora a lançar processos de sindicalização por todos os Estados Unidos. Por Alex N. Press.

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No início de junho estava prevista a votação da formação do primeiro sindicato numa loja Apple nos EUA, mas foi cancelada com acusações de intimidação e "ambiente coercivo" criado pela empresa conhecida por instituir uma cultura de sigilo e que tenta evitar que a vaga de sindicalizações alastre.

A Grande Demissão. Montagem publicada no A L'Encontre.

EUA: a admirável “greve geral não declarada”

Ao mesmo tempo que acontece uma vaga grevista no país, há milhares de trabalhadores que se estão a despedir dos empregos, denunciando publicamente abusos laborais através de hashtags como #QuitMyJob. Por Sonali Kolhatkar.