Amazon, Starbucks e o surgimento de um novo movimento sindical americano

Os sucessos recentes mostram que a sindicalização já não parece tão assustadora ou fútil e o facto de terem sido protagonizados por pessoas dos locais de trabalho e não por sindicalistas profissionais anula os argumentos dos patrões de que os sindicatos são elementos estranhos que só querem ganhar quotas. Por John Logan.

26 de maio 2022 - 19:32
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1 de abril de 2022 pode vir a ser lembrado como um dia central na história do sindicalismo norte-americano.

Com um resultado que pode vir a ter ecos em locais de trabalho espalhados por todos os EUA, o sindicato independente Amazon Labor Unionformado inicialmente em 2020 por Chris Smalls, um trabalhador despedido da Amazon por protestar contra aquilo que considerava serem precauções de segurança inadequadas relativamente à Covid-19 – bateu os anteriormente bem sucedidos esforços anti-sindicais da empresa de venda online a retalho. O que significou que o armazém onde trabalhava, em Staten Island, Nova Iorque, será o primeiro a ter a sua força de trabalho sindicalizada.

No mesmo dia, o Starbucks Workers United – uma organização filiada ao Service Employees International Union – ganhou uma outra eleição, elevando a contagem para dez vitórias em onze para o sindicato, desde que triunfou pela primeira vez em Buffalo em dezembro de 2021. Desta vez, foi a torrefação principal na cidade de Nova Iorque que optou por se sindicalizar. A campanha organizativa espalhou-se já a mais de 170 lojas da Starbucks a nível nacional. Várias outras eleições irão acontecer nas próximas semanas.

Entretanto, a repetição da eleição no armazém da Amazon em Bessemer, no Alabama, está dependente de várias centenas de boletins de votos que são contestados. Mesmo que a Amazon ganhe, o Retail, Wholesale and Department Store Union chegou – pelo menos – espantosamente perto no que era considerada uma hipótese de vitória muito remota.

Algo está definitivamente a acontecer no movimento sindical.

Uma forma diferente de organização

Enquanto investigador do movimento dos trabalhadores que tem observado tentativas de sindicalização desde há duas décadas, o que considero tão impressionante quanto as vitórias é a natureza não convencional das campanhas de organização. Tanto as campanhas da Starbucks quanto a da Amazon em Staten Island foram dirigidas por jovens trabalhadores determinados.

Inspirados pelos sentimentos pró-sindical em alguns movimentos políticos, como as campanhas presidenciais de Bernie Sanders, o movimento Black Lives Matter e os Democratic Socialists of America, estas pessoas são as pontas de lança dos esforços de uma reforma a partir dos locais de trabalho em vez de a partir de organizadores sindicais profissionais. De facto, seria difícil encontrar muitos organizadores experientes nas recentes campanhas vitoriosas.

Ao invés, as campanhas têm envolvido um grau significativo de auto-organização – ou seja, trabalhadores que “falam sindicalmente” uns com os outros nos armazéns e nas lojas e que vão ter com colegas noutras lojas da mesma cidade e em todo o país. Isto marca uma mudança profunda relativamente à forma como o movimento sindical operava tradicionalmente, tendendo a ser mais centralizado e dirigido por dirigentes sindicais experientes.

Um renascimento do sindicalismo

Talvez mais importante do que estas vitórias na Starbucks e na Amazon por si só seja o seu potencial para criar um sentimento de otimismo e de entusiasmo em torno da organização sindical, especialmente entre jovens trabalhadores.

Estas votações seguem-se a anos de declínio do sindicalismo nos EUA – tanto em termos de número de membros como de influência.

Antes da pandemia de Covid-19, estas recentes vitórias laborais pareceriam provavelmente inimagináveis. Empresas poderosas e ricas como a Amazon e a Starbucks pareciam então invencíveis, pelo menos no contexto das regras do National Labor Relations Board (NLRB) que estão fortemente enviesadas contra os trabalhadores que defendem o sindicalismo. Segundo estas regras, a Amazon e a Starbucks podem – e fazem-no – forçar trabalhadores, com a ameaça de despedimento, a participar em sessões anti-sindicais, muitas vezes dirigidas por consultores externos muito bem pagos.

A Starbucks tem dito estar a ser “consistente na recusa de quaisquer alegações de atividade anti-sindical. São categoricamente falsas”. Mas, em março de 2022, o NLRB defendeu que a cadeia de cafetarias tinha coagido trabalhadores, colocado apoiantes do sindicato sob vigilância e retaliado contra eles.

Da mesma forma, a Amazon – que no passado publicou concursos de emprego para analistas que deveriam monitorizar “ameaças de organização sindical”, declarou que respeita o direito dos trabalhadores de criar ou não sindicatos.

O significado das recentes vitórias não é principalmente os 8.000 novos sindicalizados na Amazon ou o fluxo gradual de novos sindicalizados da Starbucks. É fazer os trabalhadores acreditar que se os trabalhadores pró-sindicato podem ganhar na Amazon e na Starbucks, então podem ganhar em qualquer lado.

Os precedentes históricos mostram que a mobilização do movimento dos trabalhadores pode ser contagiosa.

Em 1936 e 1937, trabalhadores na fábrica Flint da General Motors fizeram o poderoso fabricante de automóveis ajoelhar-se numa greve com ocupação que rapidamente inspirou ações similares noutros pontos.

Nas palavras de um médico de Chicago, ao explicar a greve posterior das amas da cidade, “é uma daquelas coisas engraçadas. Querem fazer greve porque toda a gente o está a fazer”.

Aproveitar o momento

A pandemia criou oportunidades para os sindicatos.

Depois de terem trabalhado na linha da frente durante mais de dois anos, muitos trabalhadores essenciais acreditaram que não estavam a ser recompensados devidamente pelo seu serviço durante a pandemia nem estavam a ser tratados com respeito pelos seus empregadores. Isto parece ter ajudado a aumentar a popularidade do Amazon Labor Union e do Starbucks Workers United.

A natureza de base destas campanhas privou as empresas de um lugar-comum de décadas que está no fulcro do discurso anti-sindical: que o sindicato é uma “terceira parte” externa que não compreende nem se interessa com as preocupações dos trabalhadores e está mais interessado em cobrar quotas.

Estes argumentos soam ocos quando as pessoas que estão a fazer a sindicalização são os colegas que trabalham ao seu lado quotidianamente. Anula o argumento central das campanhas anti-sindicaisl apesar dos muitos milhões de dólares que as empresas canalizam para elas.

Uma paisagem legal desfavorável

Esta “auto-organização” na Starbucks e na Amazon é consistente com o que pretendiam os autores do Wagner Act de 1935, o estatuto que funda os procedimentos para a representação sindical ainda hoje em vigor.

O primeiro presidente do National Labor Relations Board, J. Warren Madden, compreendeu que a auto-organização poderia ser fatalmente minada se as empresas pudessem desenvolver táticas de pressão anti-sindicais.

“Toda a estrutura da regulamentação se funda neste princípio fundamental: de que o empregador se deve abster de influenciar a auto-organização dos trabalhadores,” escreveu. “Qualquer compromisso ou enfraquecimento deste princípio atinge a raiz da lei”.

Durante o último meio século, empresas anti-sindicais, as suas consultoras e escritórios de advogados - assistidos por um NLRB controlado pelos Republicanos e por juízes de direita – têm minado o processo de auto-organização ao permitir que as votações de sindicalização sejam dominadas pelo empregador.

Mas para o declínio a longo prazo no número de sindicalizados ser revertido, julgo que serão necessárias proteções mais fortes dos trabalhadores pró-sindicato. Uma reforma da lei do trabalho é essencial para que os quase 50% de trabalhadores americanos que não são sindicalizados e que dizem que querem ser tenham alguma possibilidade de o alcançar.

Afastar o medo, a futilidade e a apatia

A falta de interesse popular tem sido, desde há muito, um obstáculo à reforma da lei laboral. Uma reforma significativa da lei laboral não é provável a não ser que as pessoas se envolvam com este tipo de assuntos, os compreendam e acreditam que têm uma palavra a dizer no futuro.

Mas o interesse mediático nas campanhas da Starbucks e da Amazon sugere que o público norte-americano pode finalmente estar a prestar atenção.

Não sabemos onde este movimento – ou momento – sindical nos vai conduzir. Pode evaporar-se ou pode fazer surgir uma onda de organização em todo o setor do serviços de baixos salários, estimulando um debate nacional sobre os direitos dos trabalhadores.

A maior arma que as empresas anti-sindicais têm ao seu dispor para suprimir o impulso sindical são o medo, a retaliação e o sentimento que a sindicalização é fútil. Os sucessos recentes mostram que a sindicalização já não parece tão assustadora ou tão fútil.


John Logan é professor e diretor do departamento de Labor and Employment Studies da Universidade do Estado de São Francisco.

Texto publicado originalmente no The Conversation. Traduzido por Carlos Carujo para o Esquerda.net.

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