Enquanto cientista do clima há mais de 25 anos, tenho orgulho do trabalho feito pela minha profissão nas últimas décadas em alertar a humanidade para o desenrolar da crise climática. Mas à medida que a emergência se agudiza, precisamos enquanto cientistas de mudar a forma como abordamos o problema — ou arriscamos tornar-nos parte do problema.
A ciência climática tem sido em grande medida uma história de sucesso. O físico sueco Svante Arrhenius calculou com precisão o quanto a duplicação do dióxido de carbono na atmosfera contribuiria para o aquecimento do planeta, isto no ano de 1896.
O Relatório Charney de 1979 suscitou preocupações sobre a iminência de uma crise climática muito antes de o conseguirmos provar diretamente. Em resposta, a comunidade científica aumentou o seu empenho na investigação e tem conduzido avaliações científicas regulares para construir uma posição consensual e enviar uma mensagem forte aos decisores políticos para incitá-los a ação.
O problema é que ao fim de 40 anos desse empenho, por mais bem-intencionado, não teve nenhum impacto no curso carbónico do planeta. Desde meados do século XIX, as emissões de CO2 provocadas por ações humanas cresceram exponencialmente, em média 1.65% por ano desde 1850.
A ONU tem sido impotente para parar o aumento de emissões. Wolfgang Knorr.
Houve alturas em que as adversidades económicas paralisaram temporariamente as emissões, como os choques petrolíferos do início da década de 1980, o colapso do bloco soviético e a crise financeira de 2008. Mas isso não teve nada a ver com a política climática.
Se continuarmos esse crescimento exponencial apenas por mais cinco anos, já teremos esgotado a provisão de carbono que nos garante uma probabilidade de dois terços em limitar o aquecimento a 1.5ºC. Isso é o que diz o IPCC, o organismo da ONU responsável por comunicar a ciência do colapso climático. Outros cientistas preveem que já perdemos o barco.
Apostas cobertas
A nossa penosa lentidão em agir não é culpa dos cientistas. Mas a crise é agora mais urgente que nunca, e a abordagem atual ao problema está a começar a tornar-nos parte do problema.
Os cientistas são conservadores por natureza. Essa tendência está intimamente ligada à forma como a ciência funciona: antes de uma teoria ser aceite, é necessário que seja escrutinada repetidamente para se ter a certeza de que se vai aguentar.
Normalmente, essa é uma prática correta. Mas ela levou os cientistas do clima a subestimarem de forma consistente tanto a velocidade a que o clima se está a desestabilizar, como a gravidade da ameaça que isso coloca.
O IPCC é o principal culpado disto. Ele tem a dificuldade acrescida de ser obrigado a procurar a ratificação dos governos mundiais para os seus relatórios e ao mesmo tempo tem sido sempre apontado por subestimar a crise iminente.
Os cientistas de todo o mundo que contribuem para os relatórios deste organismo devem estar atentos ao seu histórico de conservadorismo equivocado, e afinarem a sua abordagem para o futuro. Claro que as incertezas são inerentes aos modelos sobre como e quando o clima se irá desestabilizar, mas quando o que está em jogo é tão importante como agora, temos de funcionar segundo o princípio da precaução — o normal ónus da prova para os cientistas deve ser invertido.
Risco aceitável
Ao atual nível de 1.1ºC de aquecimento global, as alterações climáticas e o colapso ecológico já estão a desalojar e a matar centenas de milhares de humanos, e a mandar para a extinção outras espécies. Acima de 1.5ºC, no entanto, os riscos para a humanidade e os ecossistemas aumentam significativamente.
Apesar disso, o objetivo da ONU para as emissões de carbono atingirem o zero líquido em 2050 só nos dá uma probabilidade de dois para um de limitar o aquecimento global abaixo deste nível. Esse objetivo tem por base um dos muitos cenários potenciais apresentados pelos cientistas do IPCC no seu relatório de 2018.
Profissões como as de médico não aceitariam essa aposta para preservar a vida se tivessem melhores probabilidades à disposição. Porque é que isto não é verdade para os cientistas do clima? Temos de mudar tanto as nossas ideias como as da sociedade acerca do que é o nível aceitável de risco para apresentar aos líderes de governo, e por conseguinte aos habitantes desta planeta.
Aqui e agora
Mesmo os cenários referidos que nos dão meia hipótese de limitar o aquecimento a 1.5ºC assentam em tecnologias com eficácia ainda por provar no que toca a sugar o dióxido de carbono da atmosfera na segunda metade do século. Também não levam em conta o panorama político no qual esses cenários se aplicam. Os líderes políticos têm consciência de que um aquecimento acima de 3 ou 4 graus nos leva a um ponto para além da capacidade da civilização se adaptar, e mesmo assim recusam-se a tomar medidas como a eliminação progressiva global dos subsídios aos combustíveis fósseis que custam por ano pelo menos 100 mil milhões de dólares.
Perante uma genuína ameaça existencial à nossa civilização, nós enquanto cientistas temos de mudar o nosso foco dos cenários de longo prazo que dão uma falsa sensação de controlo sobre a crise climática e traçam cortes drásticos nas emissões como sendo facilmente realizáveis.
Em vez disso, devemos concentrar-nos no aqui e agora. Por exemplo, o nosso sistema alimentar global já é vulnerável aos fenómenos climáticos extremos. Se as secas atingirem vários países ao mesmo tempo, não há garantias de que as nossas cadeias de abastecimento alimentar — em que as entregas chegam “mesmo a tempo” para minimizar custos — não irão colapsar na próxima década ou na seguinte.
Comparando com o imenso volume de investigação dedicada aos impactos incertos do aquecimento global em 2050 ou 2100, sabemos assustadoramente pouco sobre a fragilidade das cadeias de abastecimento — ou de outras partes da nossa pontual e eficiente economia global — no curto prazo. Redirecionar recursos para estas vulnerabilidades a curto prazo tão subinvestigadas é vital, não só porque isso irá fazer a crise climática e ecológica parecer mais próxima do que os abstratos aumentos de temperatura e orçamentos de carbono.
Afinal de contas, a forma como o mundo responde à crise iminente depende do grau da sensação de urgência de ação radical por parte dos seus cidadãos e líderes. Ao reenquadrarmos a nossa investigação e ao mudarmos os níveis aceitáveis de risco e incerteza, talvez os cientistas do clima possam finalmente ajudar a humanidade a mudar o seu rumo carbónico.
Wolfgang Knorr é investigador em geografia e ciência dos ecossistemas na Universidade de Lund, na Suécia. Publicado no portal The Conversation. Traduzido por Luís Branco para o esquerda.net.