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Camionistas paralisaram o país

2008 fica marcado por protestos em todo o Mundo contra o aumento do preço dos combustíveis. Em Portugal, os pescadores foram os primeiros a reagir, paralisando por alguns dias a frota pesqueira. Mas a mobilização com maior impacto foi sem dúvida a dos camionistas. Contra a vontade da grande empresa representativa do sector, milhares de camionistas revoltaram-se e montaram um bloqueio de vários dias no mês de Junho, que fez secar bombas de gasolina e obrigar o governo a negociar o que antes recusara.  

Entre 8 e 12 de Junho de 2008, o bloqueio organizado pelos camionistas levou o país à beira do caos. A decisão foi tomada no dia 7 de Junho, num plenário que juntou mais de mil transportadores de mercadorias, na Batalha, um dia depois de terem ensaiado um primeiro bloqueio na cidade do Porto. A decisão foi tomada contra a principal associação representativa do sector (ANTRAM), ultrapassada pela determinação de centenas de pequenos e médios transportadores, que exigiam compensações do governo face ao aumento dos combustíveis. Entre as exigências estava o acesso ao gasóleo profissional (taxado com imposto mais baixo), a redução das portagens à noite, o apoio ao abate de veículos, incentivos à formação profissional e a suspensão do pagamento do IVA referente a facturas que ainda não tivessem sido pagas pelos clientes.

A paralisação durou cinco dias e teve momentos de grande tensão, dada a atitude determinada dos piquetes. Ao terceiro dia um camionista que participava num piquete de greve, perto de Torres Novas, morreu na sequência de um atropelamento por um pesado. Enquanto a ANTRAM continuava a recusar apoiar a paralisação, constituia-se uma comissão que liderava os protestos e o governo via-se cada vez mais obrigado a mudar de interlocutor.

O combustível começou a faltar em vários pontos do país, e a GNR teve que escoltar vários camiões-cisterna, nomeadamente os que se dirigiam para o aeroporto da Portela. Nesta altura, as palavras do primeiro-ministro não deixavam antever nenhuma cedência: "Não poremos em causa o interesse geral por qualquer interesse específico".

No dia 10 de Junho, a greve chegou a ser desmarcada por pressão da ANTRAM sobre a comissão que estava à frente dos protestos. Mas passado algumas horas, e depois de consultados os piquetes, os camionistas voltaram ao bloqueio. No dia seguinte, e perante o agudizar da situação com cada vez maior escassez de combustíveis nos postos de revenda, a ANAREC lança o alerta: "O país pára se o bloqueio se mantiver durante um ou dois dias".

Foi então que na noite de dia 11 de Junho, num plenário que juntou os piquetes de greve, os camionistas decidiram terminar a paralisação, aceitando as medidas que o governo foi obrigado a negociar não só com a ANTRAM mas também com a comissão que liderou os protestos, aprovando um pacote para aliviar as consequências da crise dos combustíveis sobre o sector, ou seja: a aplicação de tarifas de portagens reduzidas, no período nocturno, para profissionais do sector do transporte de mercadorias; a manutenção do valor do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP); a manutenção do imposto de camionagem aos valores de 2007 durante os três próximos orçamentos de Estado; a indexação do frete ao custo do aumento dos combustíveis.

A decisão do plenário da Batalha não foi, no entanto, consensual. Alguns transportadores em luta consideraram que foi alcançada "uma mão cheia de nada", em particular por não terem conseguido o "gasóleo profissional", taxado por imposto mais baixo. Apesar disso, a decisão de terminar o bloqueio foi acatada em todo o país.

O protesto dos camionistas teve um grande impacto, quer em termos mediáticos, quer ao nível das consequências para o país. Mas não foi a única mobilização em 2008 contra o aumento do preço dos combustíveis. Também no mês de Junho (nos dias 2 e 17) realizaram-se por todo o país buzinões de protesto. Para um dos automobilistas citado pela Agência Lusa, este governo "merece muitas buzinadelas" e "toda a gente está na miséria mas as grandes petrolíferas têm lucros fabulosos e cada vez são maiores".  Ainda antes, no final do mês de Maio e início de Junho, os armadores e pescadores portugueses paralisaram a frota pesqueira. Viveram-se igualmente momentos de grande tensão, com o peixe a escassear em alguns locais e com confrontos a registar em algumas lotas.

Entre a greve dos pescadores e a greve dos camionistas, o Bloco de Esquerda apresentou um projecto de lei para controlar o preço dos combustíveis. "O truque de vender hoje muito caro o que ontem se comprou mais barato é inaceitável", afirmou Francisco Louçã na apresentação da proposta, prevendo uma descida de 10 a 14 cêntimos por litro com a aplicação da nova fórmula de cálculo.

Dois dias depois (a 3 de Junho) a Autoridade da Concorrência revelou não ter identificado qualquer infracção à lei da concorrência na formação dos preços dos combustíveis em Portugal, uma conclusão muito criticada por partidos e sectores sociais e que viria a preceder, com quatro dias de diferença, o grande bloqueio protagonizado pelos camionistas. Reembolso IVA

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Neste dossier:

Portugal em 2008

Em Portugal, o ano de 2008 fica marcado pelas gigantescas mobilizações de professores contra a política educativa do governo. A crise financeira internacional também fez as suas vítimas por cá, tendo o governo preferido salvar os bancos, em vez de defender os mais fracos. Exemplo disso é o novo código do trabalho, aprovado só com os votos do PS, e o aumento da pobreza, do desemprego e da precariedade

Prémio "Precariedade 2008" para José Sócrates

O agravamento da precariedade em 2008, faz com que existam hoje 900 mil trabalhadores, aproximadamente 1/5 da população activa em Portugal, em situação precária. O Governo PS rejeitou a criminalização dos falsos recibos verdes, assim como a integração dos milhares de precários do Estado, e centrou a sua acção em falsos anúncios de "criação" de emprego. 

Aprovado divórcio sem culpa

A nova lei do divórcio foi um dos temas do ano que agitou as relações entre o Presidente da República e o PS. Cavaco Silva vetou a nova lei depois de aprovada no Parlamento, numa posição que lhe mereceu críticas de toda a esquerda parlamentar que o acusou de conservadorismo. Em Setembro o diploma teve novamente luz verde. 

As gigantescas mobilizações dos professores

2008 será sem sombra de dúvida lembrado pelos maiores protestos de sempre que uma classe profissional alguma vez protagonizou contra reformas impostas por um governo. Duas manifestações gigantescas e uma greve que ficou perto dos 100% de adesão, mostraram ao país que os professores não se rendem às políticas burocráticas e economicistas de José Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues. A contestação promete continuar com nova greve nacional a 19 de Janeiro de 2009. 

As fraudes financeiras e os favores à banca

Começando pelo BCP e terminando no BPN e no BPP, 2008 foi o ano em que a máscara dos banqueiros caiu. Foram milhões de euros de prejuízos camuflados na razão inversa dos prémios e regalias para os grandes responsáveis. As fraudes detectadas mostraram a promiscuidade entre o poder político e o económico. Com a agudização da crise financeira, o governo veio em socorro da banca com milhões, algo que nunca tinha ousado fazer com os trabalhadores ou os mais desfavorecidos. 

Novo código do trabalho aprovado só com os votos do PS

Fazendo tábua rasa das suas propostas enquanto oposição, o Partido Socialista aprovou o novo código do trabalho, merecendo rasgados elogios dos patrões e da direita. O fim do pagamento de horas extraordinárias, a legalização da precariedade e o ataque s convenções colectivas são algumas das novas regras que fazem de 2008 o ano em que a balança voltou a pender para o lado dos mais fortes. Só que nem tudo foram rosas para PS e Patrões, dado que o Tribunal Constitucional chumbou uma das normas do código, que assim voltará ao parlamento em 2009.

Universidades na penúria

Se 2007 trouxe à praça pública os escândalos, fraudes e negociatas que envolvem o ensino superior privado português, já o ano de 2008 trouxe à tona as enormes dificuldades financeiras que enfrentam as universidades públicas, face à redução contínua das transferências do Orçamento de Estado. Por outro lado, já quase não existem universidades sem propina máxima, e torna-se cada vez mais insustentável a precariedade a que estão sujeitos muitos dos professores deste sector. 

Populações e profissionais de saúde defendem SNS

Mudou o ministro da saúde mas a políticas mantiveram-se. O fecho das urgências nocturnas e a continuação da degradação do serviço nacional de saúde, levou as populações a saírem à rua de norte a sul do país. O descontentamento dos enfermeiros também ganhou expressão, na maior manifestação de sempre da classe, de que há memória. 

Contra a "Directiva da Vergonha"

A 18 de Junho, o Parlamento Europeu aprovou, por larga maioria, a "Directiva do Retorno", a lei comunitária que facilita a deportação de imigrantes ilegais, e que entrará em vigor em 2010. Em Portugal, como noutros países, as associações de imigrantes manifestaram-se contra o que chamaram "directiva da vergonha". Ainda em matéria de imigração de registar em 2008 os acontecimentos ocorridos no Bairro da Quinta da Fonte, em Loures, e toda a especulação que foi feita sobre a alegada natureza racista dos conflitos.

Alta tensão: Governo recusou alterar lei

Foi graças às acções de vários grupos cívicos que em muitas localidades do país contestaram a instalação de linhas de alta tensão na proximidade de casas e povoações, que em 2008 esta luta ganhou contornos nacionais, com o primeiro encontro nacional de movimentos a ter lugar em Junho. O governo foi forçado a recuar em alguns projectos mas o essencial, a alteração da lei, continua por concretizar. 

Esquerdas convergem contra o neoliberalismo

2008 foi ao ano em que várias personalidades e sectores da esquerda portuguesa se aproximaram para procurar alternativas à governação neoliberal e ao pensamento único. A convergência começou por se fazer sentir no comício festa do Teatro da Trindade, em Junho, e continuou no Fórum Sobre Serviços Públicos e Democracia, em Dezembro. No parlamento, Manuel Alegre e outros deputados socialistas votaram ao lado do Bloco de Esquerda e do PCP em matérias tão fundamentais como o código do trabalho.

PS chumbou casamentos homossexuais

Duas propostas de legalização de casamentos entre pessoas do mesmo sexo, subscritas pelo Bloco e Os Verdes foram chumbadas com votos da maioria dos deputados do PS. Os socialistas recuaram em relação ao compromisso de apresentar a proposta no programa eleitoral de 2009 e impuseram uma contestada disciplina de voto sobre esta matéria.

Número de mortes por violência doméstica duplicou

Foi um ano negro da violência doméstica em Portugal. Em 2008, 44 mulheres foram assassinadas por actuais ou antigos companheiros e maridos, mais do dobro que em todo o ano passado, em que se tinham registado 21 casos. A média deste ano, em termos de homicídio conjugal, permite concluir que, em cada semana, uma mulher é assassinada pelo seu marido ou companheiro. Portugal regista uma das piores estatísticas da União Europeia nesta matéria.

Linha do Tua: os acidentes e a barragem

No dia 22 de Agosto de 2008 um novo acidente na Linha do Tua causou mais uma morte. Foi o quarto acidente em cerca de ano e meio, levantando dúvidas e suspeitas sobre as condições de manutenção da linha. A previsível construção da barragem que vai deixar submersa pelo menos uma parte da Linha do Tua é contestada por cidadãos e movimentos, e apontada como uma das razões que pode estar na origem do "desleixo" com que governo e autoridades têm tratado este assunto. 

Camionistas paralisaram o país

2008 fica marcado por protestos em todo o Mundo contra o aumento do preço dos combustíveis. Em Portugal, os pescadores foram os primeiros a reagir, paralisando por alguns dias a frota pesqueira. Mas a mobilização com maior impacto foi sem dúvida a dos camionistas. Contra a vontade da grande empresa representativa do sector, milhares de camionistas revoltaram-se e montaram um bloqueio de vários dias no mês de Junho, que fez secar bombas de gasolina e obrigar o governo a negociar o que antes recusara. 

Primeira condenação por violência nas praxes

Em 2008, pela primeira vez um tribunal português condenou praticas violentas ocorridas durante cerimónias de praxes académicas em Santarém. Inédita é também a decisão do Tribunal da Relação do Porto de condenar o Instituto Piaget a pagar cerca de 40 mil euros a uma aluna vítima de praxe em 2002. O Parlamento reconheceu pela primeira vez a importância de se discutir este assunto e aprovou por unanimidade, na Comissão Parlamentar de Educação, um relatório com medidas de combate à violência nas praxes.   

Skinheads condenados por discriminação racial

O dia 3 de Outubro de 2008 fica na história portuguesa pela primeira condenação efectiva por discriminação racial. Dos 36 skinheads acusados de crimes de sequestros, ofensas corporais, posse ilegal de armas, distribuição de propaganda nazi e discriminação racial, 23 foram condenados à prisão, embora a mior parte tenha ficado com pena suspensa. Mário Machado, o líder do movimento Hammerskins Portugal apanhou 4 anos e 10 meses de prisão efectiva. 

Bloco elege primeiros deputados nos Açores

Nas eleições regionais dos Açores de 18 de Outubro, o Bloco de Esquerda triplicou o número de votos, passando para 3,3%, e pela primeira vez obteve representação na Assembleia Regional dos Açores, com dois deputados eleitos. O PS venceu novamente as eleições com maioria absoluta, num ano que também fica marcado pela polémica em torno dos vetos de Cavaco Silva ao Estatuto dos Açores. 

Congresso Karl Marx com 150 comunicações

A actualidade do pensamento marxista na presente conjuntura de crise do capitalismo global foi um dos temas que dominou o Congresso Internacional Karl Marx, realizado entre 14 e 16 de Novembro, e promovido pelo Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, pela Cooperativa Culturas do Trabalho e Socialismo (Cutra) e pela Transform Europe (rede internacional de associações culturais).