Está aqui

Ataques aos direitos civis do pós-11 de Setembro ainda permanecem

Dias antes dos atentados às Torres Gémeas, Anthony Romero tomava posse da histórica associação de defesa dos direitos civis ACLU. Passados 20 anos, diz que ainda há muito por desfazer nas decisões políticas tomadas na sequência do 11 de Setembro.
Prisioneiro de Guantanamo e bandeira dos EUA
Foto Witness Against Torture/Flickr

Num artigo publicado esta semana na revista The Nation, o líder da American Civil Liberties Union (ACLU) passa em revista os 20 anos desde o início do seu mandato, que praticamente coincidiu com os atentados do 11 de Setembro.

“Temos de perceber que os danos provocados após o 11 de Setembro são profundos. Após 20 anos, não é possível virar simplesmente a página. Ainda há muito para ser desfeito”, diz Anthony Romero.

Um mês após os atentados, o Congresso norte-americano apressou-se a aprovar o Patriot Act, que “abriu caminhou a uma nova era de vigilância em massa”, lembra Romero. Com o voto contra de apenas um senador - o Democrata Russ Feingold - muitos senadores viriam mais tarde a confessar nem sequer terem lido as 342 páginas da lei e que o seu sentido de voto foi determinado pela necessidade de transmitir a imagem de unidade em torno do presidente George W. Bush na resposta à tragédia.

Romero lembra que essa atitude contagiou os próprios meios de comunicação social, que tardaram em questionar as consequências do Patriot Act nas liberdades dos cidadãos. Só mais tarde mudaria a perceção pública interna acerca da “guerra ao terror”, que significava na prática “deportações em massa, desenfreada discriminação racial, étnica e religiosa; exigências do FBI para entrevistas "voluntárias" de jovens muçulmanos, sul asiáticos e homens árabes; prisões secretas onde a CIA fazia desaparecer suspeitos; tortura; entregas de suspeitos a países que os torturariam para nós”, resume o líder da ACLU.

As imagens da prisão de Abu Grahib e a revelação dos métodos de tortura autorizada a alto nível transformaram finalmente o debate no país sobre o verdadeiro rumo da “guerra ao terror” e para isso contribuíram bastante as ações judiciais interpostas pela ACLU invocando a Lei de Liberdade de Informação e que permitiram trazer à luz da opinião pública os relatos das torturas e o que se passava no interior da prisão de Guantánamo. As ações judiciais que se seguiram em nome de muitos desses prisioneiros ainda hoje decorrem e dezenas de pessoas permanecem ali detidas, apesar de algumas terem sido já inocentadas e outras nunca terem sido acusadas de nenhum crime.

Anthony Romero diz que quando assistiu ao primeiro julgamento em Guantánamo, ficou claro que “as comissões militares nunca conseguiriam apresentar qualquer versão aceitável de justiça”, pelo que condena o executivo por ter gasto “milhares de milhões de dólares nesta experiência legal falhada e irremediavelmente condenada”. “Há muito que o Presidente Biden devia ter posto fim às comissões militares, fechado Guantanamo e acabado com a detenção militar por tempo indeterminado”, aponta o líder da ACLU.

“O governo ainda usa a ‘no-fly list’ sobretudo contra muçulmanos e pessoas de cor, e as pessoas que lá vão parar por engano ainda não têm um processo justo para sair dela. A maior parte do Patriot Act continua a ser lei. Temos de reconhecer que grande parte da infra-estrutura jurídica e política adotada no rescaldo do 11 de Setembro permanece entre nós hoje em dia”, conclui Romero.

Uma das lições que retira destes 20 anos é a de que “podemos e devemos lutar pela nossa segurança no respeito pelas liberdades civis. E quando nos esquecemos dessa lição, acabamos por nos arrepender”.

(...)

Neste dossier:

Afeganistão, 20 anos após o 11 de Setembro

A retirada das tropas ocupantes coincide com o aniversário das duas décadas do atentado que lhe serviu de pretexto. Neste dossier, olhamos para a situação do país que assiste ao regresso dos talibãs e para o que mudou ou ficou na mesma durante 20 anos de mais uma guerra fracassada dos EUA. Dossier organizado por Luís Branco.

 

Treino na Academia Militar de West Point

EUA gastaram 21 biliões de dólares na militarização desde o 11 de Setembro

Segundo os autores do recém-lançado relatório do Institute for Policy Studies, com uma parte do dinheiro gasto na guerra ao terror, os Estados Unidos podiam ter descarbonizado completamente a sua rede elétrica, eliminado a dívida estudantil, prolongado o Crédito Fiscal Infantil da era covid por dez anos, garantido o pré-escolar gratuito, financiado as vacinas covid em todo o mundo - e ainda sobrava dinheiro para gastar. Artigo de Luke Savage.

Os desconsolados da fuga de Cabul

Os liberais podem mostrar-se tristes por terem dado para um peditório que afinal era um embuste. É lamentável que nem sequer o admitam. Podem mesmo reprovar a "traição" de Biden e jurar que fazem todas as guerras pela democracia mas o embaraço é muito.  Artigo de Luís Fazenda.

Vendedor ambulante expõe bandeiras e posters dos líderes talibãs junto a um mural de uma menina na escola.

O Afeganistão visto pelas mulheres da RAWA

A Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão (RAWA) é uma organização política feminista fundada em 1977 com sede em Quetta, no Paquistão. Nesta entrevista ao Osservatorio Afghanistan, Maryam faz um balanço de 20 anos de ocupação ocidental e apresenta as perspetivas sobre como continuar a luta na nova fase que agora se abre.

Um mural no Afeganistão protesta contra o assassinato de Fakunda Malikzada: 'O assassinato de Fakhunda é uma mancha em todos os homens afegãos'.

Mulheres afegãs correm perigo, mas sempre viveram sob ameaça

A vida das mulheres afegãs corre agora perigo por causa dos talibãs. Mas elas sempre enfrentaram a violência masculina, como relata a investigadora Jenevieve Mannell, que no Afeganistão ouviu muitos testemunhos de mulheres vítimas de violência nos últimos anos.

Prisioneiro de Guantanamo e bandeira dos EUA

Ataques aos direitos civis do pós-11 de Setembro ainda permanecem

Dias antes dos atentados às Torres Gémeas, Anthony Romero tomava posse da histórica associação de defesa dos direitos civis ACLU. Passados 20 anos, diz que ainda há muito por desfazer nas decisões políticas tomadas na sequência do 11 de Setembro.

Forças talibãs tomam conta do aeroporto internacional em Cabul, após a retirada dos norte-americanos.

Os talibãs afegãos: Bilhete de identidade

No momento em que o Emirado Islâmico do Afeganistão é restabelecido, muitas questões permanecem sobre esta organização, a sua hierarquia, os seus recursos e os seus objetivos. Artigo de Dorothée Vandamme.

Amy Goodman e Haroun Rahimi

O que é o Estado Islâmico Khorasan?

Em entrevista ao programa Democracy Now, de Amy Goodman, o professor Haroun Rahimi explica as origens do grupo responsável pelos atentados ao aeroporto de Cabul e como os EUA e os talibãs têm colaborado para os atacar.

Soldado norte-americano em Rajankala, província de Kandahar, Afeganistão.

Quem está enterrado no cemitério dos impérios?

O destino do governo afegão foi apenas o mais recente da longa lista de casos de colapso de entidades fantoche criadas pelo ocupante estrangeiro quando a ocupação chega ao fim. Artigo de Gilbert Achcar.

 

Bruno Neto

“Não podemos levar a um país os direitos humanos com bombas”

Bruno Neto é coordenador de uma missão humanitária que garante o acesso à saúde a comunidades de várias províncias no Afeganistão. Nesta entrevista, fala da incerteza que se vive no terreno e do vazio de alternativas que a intervenção militar externa deixou no país.

Combatente talibã ergue a sua bandeira num veículo em Kandahar. Foto de STRINGER/EPA/Lusa.

Afeganistão: a ocupação dos EUA apenas tirou vidas, a vitória talibã não é sinal de paz

O que os EUA gastaram no Afeganistão nos últimos vinte anos não tem precedentes na história mundial, um investimento que fica nas mãos dos talibãs. A vitória destes são más notícias para os progressistas de todo o mundo. A crítica dos agentes americanos não é motivo para os apoiar. Por Farooq Tariq.

Tariq Ali

Tariq Ali: Debacle no Afeganistão

Todos aqueles que querem continuar a lutar devem mudar o seu foco para os refugiados que em breve estarão a bater à porta da NATO. No mínimo, refúgio é o que o Ocidente lhes deve. Artigo de Tariq Ali.