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Alta tensão: Governo recusou alterar lei

Foi graças às acções de vários grupos cívicos que em muitas localidades do país contestaram a instalação de linhas de alta tensão na proximidade de casas e povoações, que em 2008 esta luta ganhou contornos nacionais, com o primeiro encontro nacional de movimentos a ter lugar em Junho. O governo foi forçado a recuar em alguns projectos mas o essencial, a alteração da lei, continua por concretizar. 

A necessidade de assegurar a saúde das populações, sujeitas a exposição prolongada a campos electromagnéticos de alta tensão, foi uma questão que em 2007 saltou para a opinião pública, fruto de uma onda de contestação popular contra as intenções da Rede Eléctrica Nacional (REN) em fazer passar as linhas sobre zonas habitadas. Duas significativas vitórias dos movimentos cívicos tinham marcado 2007: a alteração do traçado de Alta Tensão em Silves e o enterramento da linha de Muito Alta Tensão que liga Fanhões a Trajouce.

Apesar disso, no início de 2008 o Governo deixou claro que nada iria fazer para alterar a lei: o PS chumbou um projecto-lei do Bloco que propunha a redução dos limites máximos de exposição à radiação electromagnética provocada pelas Linhas de Muito Alta Tensão e que obrigava ao enterramento das mesmas nas zonas urbanas. As bancadas da direita abstiveram-se e só o PCP e Verdes votaram com Bloco

Face à falta de estudos nacionais sobre a matéria e de garantias quanto à segurança da saúde das pessoas expostas ao impacto da alta tensão, o projecto do Bloco tinha como orientação o princípio da precaução: o limite geral de 0,4 microtesla (a unidade que mede a densidade do fluxo magnético), deveria ser reduzido para metade junto a zonas residenciais, escolas e hospitais nas linhas a instalar. Nas zonas urbanas consolidadas, não seria permitida a instalação das linhas mesmo que cumpram o limite, obrigando ao soterramento das mesmas.

Chumbada a proposta e sem nenhuma alternativa a ser apresentada pelo Governo sobre a matéria, as populações fizeram-se ouvir. Logo em Janeiro, moradores vizinhos da subestação da REN da Batalha entregaram na autarquia um abaixo-assinado para impedir a construção da linha de muito alta tensão até Lavos e reclamaram o enterramento da nova linha a dois metros de profundidade.

Face ao clima de grande contestação popular que se fazia sentir, a REN, em parceria com a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, anunciou a criação do Centro de Investimento Científico e de Inovação Tecnológica, para desenvolver um estudo pioneiro a nível mundial que durante mais de dez anos irá analisar os efeitos dos campos electromagnéticos sobre os seres vivos.

Á margem da contestação, soube-se em Fevereiro que o Tesouro vendeu, em 2006, acções da REN à empresa estatal Parpública (a holding estatal que gere as participações do Estado em empresas em processo de privatização), por um valor superior àquele a que as acções da empresa foram privatizadas, seis meses depois. Este negócio de privatização da REN - em que o Tesouro vendeu à Parpública cerca de 24% do capital - causou ao Estado um prejuízo de 22 milhões de euros. A privatização de mais de 20% da REN revelou-se a oferta pública de venda mais concorrida de 2007, tendo a procura superado em mais de cem vezes as acções disponíveis.

No mês de Março Lisboa seria palco de uma manifestação, organizada pelo recém-constituído Movimento Nacional contra as Linhas de Alta Tensão nas Zonas Urbanas Habitadas, com o objectivo de contestar vários traçados para instalação de linhas de alta tensão. O protesto, frente ao Ministério da Economia, contou com a participação de moradores de Guimarães (Serzedelo), Almada e Sintra, que entregaram um abaixo-assinado a favor da alteração da lei.

Um mês depois a contestação popular voltou às ruas do Cacém com vários representantes de movimentos a prometer novas acções de protesto contra as intenções da REN, em várias localidades do país.

Em Junho realizou-se o primeiro encontro nacional de movimentos contra as linhas de alta tensão em zonas habitadas, na localidade de Serzedelo, que juntou residentes e representantes de Almada, Batalha e Rebordosa. No encontro foram eleitos os corpos sociais e aprovados os estatutos do movimento nacional, e foi eleita presidente do movimento Helena Carmo.

Em Julho, o Tribunal de Sintra considerou improcedente a acção da Junta de Freguesia de Monte Abraão contra a linha de muito alta tensão entre Fanhões e Trajouce, autorizando a REN a voltar a ligar a linha. Este foi mais um revés sobre um caso que tinha conhecido já alguns desenvolvimentos conturbados: o Tribunal de Sintra tinha sido o único a recusar uma primeira providência cautelar contra a REN, em 2007, que acabou por ser aceite pelos restantes tribunais superiores.

O caso continua ainda nos tribunais já que a Junta de Freguesia de Monte Abraão recorreu da sentença para o Tribunal Administrativo do Sul, o mesmo que em Novembro deu razão à Câmara Municipal de Almada e obrigou a REN a suspender os trabalhos para a instalação da Linha de Muito Alta Tensão entre Fernão Ferro e a Trafaria.

Esta decisão surgiu na sequência de um segundo recurso apresentado pela Câmara de Almada em Agosto, depois do Tribunal de Primeira Instância não ter dado provimento a uma primeira providência cautelar. É exigida a alteração do traçado que irá afectar três estabelecimentos de ensino, contrariando a proibição de estabelecer linhas aéreas sobre recintos escolares.

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Neste dossier:

Portugal em 2008

Em Portugal, o ano de 2008 fica marcado pelas gigantescas mobilizações de professores contra a política educativa do governo. A crise financeira internacional também fez as suas vítimas por cá, tendo o governo preferido salvar os bancos, em vez de defender os mais fracos. Exemplo disso é o novo código do trabalho, aprovado só com os votos do PS, e o aumento da pobreza, do desemprego e da precariedade

Prémio "Precariedade 2008" para José Sócrates

O agravamento da precariedade em 2008, faz com que existam hoje 900 mil trabalhadores, aproximadamente 1/5 da população activa em Portugal, em situação precária. O Governo PS rejeitou a criminalização dos falsos recibos verdes, assim como a integração dos milhares de precários do Estado, e centrou a sua acção em falsos anúncios de "criação" de emprego. 

Aprovado divórcio sem culpa

A nova lei do divórcio foi um dos temas do ano que agitou as relações entre o Presidente da República e o PS. Cavaco Silva vetou a nova lei depois de aprovada no Parlamento, numa posição que lhe mereceu críticas de toda a esquerda parlamentar que o acusou de conservadorismo. Em Setembro o diploma teve novamente luz verde. 

As gigantescas mobilizações dos professores

2008 será sem sombra de dúvida lembrado pelos maiores protestos de sempre que uma classe profissional alguma vez protagonizou contra reformas impostas por um governo. Duas manifestações gigantescas e uma greve que ficou perto dos 100% de adesão, mostraram ao país que os professores não se rendem às políticas burocráticas e economicistas de José Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues. A contestação promete continuar com nova greve nacional a 19 de Janeiro de 2009. 

As fraudes financeiras e os favores à banca

Começando pelo BCP e terminando no BPN e no BPP, 2008 foi o ano em que a máscara dos banqueiros caiu. Foram milhões de euros de prejuízos camuflados na razão inversa dos prémios e regalias para os grandes responsáveis. As fraudes detectadas mostraram a promiscuidade entre o poder político e o económico. Com a agudização da crise financeira, o governo veio em socorro da banca com milhões, algo que nunca tinha ousado fazer com os trabalhadores ou os mais desfavorecidos. 

Novo código do trabalho aprovado só com os votos do PS

Fazendo tábua rasa das suas propostas enquanto oposição, o Partido Socialista aprovou o novo código do trabalho, merecendo rasgados elogios dos patrões e da direita. O fim do pagamento de horas extraordinárias, a legalização da precariedade e o ataque s convenções colectivas são algumas das novas regras que fazem de 2008 o ano em que a balança voltou a pender para o lado dos mais fortes. Só que nem tudo foram rosas para PS e Patrões, dado que o Tribunal Constitucional chumbou uma das normas do código, que assim voltará ao parlamento em 2009.

Universidades na penúria

Se 2007 trouxe à praça pública os escândalos, fraudes e negociatas que envolvem o ensino superior privado português, já o ano de 2008 trouxe à tona as enormes dificuldades financeiras que enfrentam as universidades públicas, face à redução contínua das transferências do Orçamento de Estado. Por outro lado, já quase não existem universidades sem propina máxima, e torna-se cada vez mais insustentável a precariedade a que estão sujeitos muitos dos professores deste sector. 

Populações e profissionais de saúde defendem SNS

Mudou o ministro da saúde mas a políticas mantiveram-se. O fecho das urgências nocturnas e a continuação da degradação do serviço nacional de saúde, levou as populações a saírem à rua de norte a sul do país. O descontentamento dos enfermeiros também ganhou expressão, na maior manifestação de sempre da classe, de que há memória. 

Contra a "Directiva da Vergonha"

A 18 de Junho, o Parlamento Europeu aprovou, por larga maioria, a "Directiva do Retorno", a lei comunitária que facilita a deportação de imigrantes ilegais, e que entrará em vigor em 2010. Em Portugal, como noutros países, as associações de imigrantes manifestaram-se contra o que chamaram "directiva da vergonha". Ainda em matéria de imigração de registar em 2008 os acontecimentos ocorridos no Bairro da Quinta da Fonte, em Loures, e toda a especulação que foi feita sobre a alegada natureza racista dos conflitos.

Alta tensão: Governo recusou alterar lei

Foi graças às acções de vários grupos cívicos que em muitas localidades do país contestaram a instalação de linhas de alta tensão na proximidade de casas e povoações, que em 2008 esta luta ganhou contornos nacionais, com o primeiro encontro nacional de movimentos a ter lugar em Junho. O governo foi forçado a recuar em alguns projectos mas o essencial, a alteração da lei, continua por concretizar. 

Esquerdas convergem contra o neoliberalismo

2008 foi ao ano em que várias personalidades e sectores da esquerda portuguesa se aproximaram para procurar alternativas à governação neoliberal e ao pensamento único. A convergência começou por se fazer sentir no comício festa do Teatro da Trindade, em Junho, e continuou no Fórum Sobre Serviços Públicos e Democracia, em Dezembro. No parlamento, Manuel Alegre e outros deputados socialistas votaram ao lado do Bloco de Esquerda e do PCP em matérias tão fundamentais como o código do trabalho.

PS chumbou casamentos homossexuais

Duas propostas de legalização de casamentos entre pessoas do mesmo sexo, subscritas pelo Bloco e Os Verdes foram chumbadas com votos da maioria dos deputados do PS. Os socialistas recuaram em relação ao compromisso de apresentar a proposta no programa eleitoral de 2009 e impuseram uma contestada disciplina de voto sobre esta matéria.

Número de mortes por violência doméstica duplicou

Foi um ano negro da violência doméstica em Portugal. Em 2008, 44 mulheres foram assassinadas por actuais ou antigos companheiros e maridos, mais do dobro que em todo o ano passado, em que se tinham registado 21 casos. A média deste ano, em termos de homicídio conjugal, permite concluir que, em cada semana, uma mulher é assassinada pelo seu marido ou companheiro. Portugal regista uma das piores estatísticas da União Europeia nesta matéria.

Linha do Tua: os acidentes e a barragem

No dia 22 de Agosto de 2008 um novo acidente na Linha do Tua causou mais uma morte. Foi o quarto acidente em cerca de ano e meio, levantando dúvidas e suspeitas sobre as condições de manutenção da linha. A previsível construção da barragem que vai deixar submersa pelo menos uma parte da Linha do Tua é contestada por cidadãos e movimentos, e apontada como uma das razões que pode estar na origem do "desleixo" com que governo e autoridades têm tratado este assunto. 

Camionistas paralisaram o país

2008 fica marcado por protestos em todo o Mundo contra o aumento do preço dos combustíveis. Em Portugal, os pescadores foram os primeiros a reagir, paralisando por alguns dias a frota pesqueira. Mas a mobilização com maior impacto foi sem dúvida a dos camionistas. Contra a vontade da grande empresa representativa do sector, milhares de camionistas revoltaram-se e montaram um bloqueio de vários dias no mês de Junho, que fez secar bombas de gasolina e obrigar o governo a negociar o que antes recusara. 

Primeira condenação por violência nas praxes

Em 2008, pela primeira vez um tribunal português condenou praticas violentas ocorridas durante cerimónias de praxes académicas em Santarém. Inédita é também a decisão do Tribunal da Relação do Porto de condenar o Instituto Piaget a pagar cerca de 40 mil euros a uma aluna vítima de praxe em 2002. O Parlamento reconheceu pela primeira vez a importância de se discutir este assunto e aprovou por unanimidade, na Comissão Parlamentar de Educação, um relatório com medidas de combate à violência nas praxes.   

Skinheads condenados por discriminação racial

O dia 3 de Outubro de 2008 fica na história portuguesa pela primeira condenação efectiva por discriminação racial. Dos 36 skinheads acusados de crimes de sequestros, ofensas corporais, posse ilegal de armas, distribuição de propaganda nazi e discriminação racial, 23 foram condenados à prisão, embora a mior parte tenha ficado com pena suspensa. Mário Machado, o líder do movimento Hammerskins Portugal apanhou 4 anos e 10 meses de prisão efectiva. 

Bloco elege primeiros deputados nos Açores

Nas eleições regionais dos Açores de 18 de Outubro, o Bloco de Esquerda triplicou o número de votos, passando para 3,3%, e pela primeira vez obteve representação na Assembleia Regional dos Açores, com dois deputados eleitos. O PS venceu novamente as eleições com maioria absoluta, num ano que também fica marcado pela polémica em torno dos vetos de Cavaco Silva ao Estatuto dos Açores. 

Congresso Karl Marx com 150 comunicações

A actualidade do pensamento marxista na presente conjuntura de crise do capitalismo global foi um dos temas que dominou o Congresso Internacional Karl Marx, realizado entre 14 e 16 de Novembro, e promovido pelo Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, pela Cooperativa Culturas do Trabalho e Socialismo (Cutra) e pela Transform Europe (rede internacional de associações culturais).