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Adiamento da gravidez e decisões reprodutivas
O adiamento da gravidez é um acontecimento da nossa época em muitos países desenvolvidos.
Em Portugal, desde 2000 que o nascimento do 1º filho ultrapassa os 26 anos, tendo vindo sempre a aumentar; desde 2014 está nos 30 anos, mas com progressão sucessiva (30,4 em 2018- INE 2018).
A taxa de fecundidade (nº de filhos por cada 1 000 mulheres) nos diferentes grupos etários, nos dois últimos anos tem no grupo entre 30 e 34 anos o grupo com maior nº de nascimentos, 96,3/1000, havendo uma subida consistente também no grupo com 35-39 anos, sendo estes os dois grupos maioritários em que nascem os bébés.
Este tema é muito falado atualmente porque, correspondendo a situações e representando questões que são importantes na afirmação das mulheres, não deixa de ser um facto que traz consequências em relação à complexidade que abrange atualmente as questões da fertilidade, gravidez e parto nestes grupos etários.
Por que razão adiam as mulheres a gravidez?
Em primeiro lugar porque usam melhor a contracepção e esta destina-se a permitir que a gravidez ocorra quando é planeada e desejada. Em segundo lugar, porque procuram melhorar os seu níveis de educação; sempre que podem, completam o nível secundário ou superior e procuram um emprego antes de engravidarem.
O adiamento da gravidez, da primeira e das seguintes, está também associado à situação sócio económica e às incertezas em relação à garantia de emprego ou carreira; daí que, ao adiamento da primeira gravidez, se siga também uma redução do número de filhos.
Portugal partilha com outros países onde a crise económica teve particular expressão (Grécia, Chipre, Espanha, Malta e Itália), os lugares mais baixos nos índices de fecundidade da Europa.
A estes fatores está também associada uma mais exigente escolha em relação aos e às parceiras que partilharão a paternidade e maternidade.
Apesar de continuarem a existir pressões sociais e familiares para a procriação, as mulheres hoje sabem resistir-lhes de forma bem diferente e com grandes convicções.
Contudo, o adiamento da idade da maternidade traz consequências, que são hoje desafios obstétricos e sócio-demográficos.
A fertilidade feminina vai reduzindo com a idade, já que no ovário o número e a qualidade dos ovócitos se vão reduzindo, havendo uma menor resposta às hormonas de estimulação da ovulação. A taxa de aborto espontâneo é superior nestes grupos etários, (entre 20 e 24 anos a taxa de aborto é de 8-9% e nos grupos de mais de 45 anos é de 74,7%); muitos dos abortos surgem por insuficiência hormonal, mas outros por alterações dos cromossomas que levam a embriões inviáveis.
Também pela idade materna o risco de Síndroma de Down, anomalia em que existem 3 cromossomas no cromossoma 21, vai progredindo à medida que a idade avança: aos 25 anos há um risco de 1/1064 , aos 35 anos o risco é de 1/240 e aos 40 anos é de 1/53.
Se se equacionar a necessidade de tratamentos de fertilização, a taxa de filhos vivos é de 31% acima de 35 anos, mas já só é de 6% aos 42 anos. Não só a fertilidade feminina é afetada pela idade; a fertilidade masculina também se reduz.
Quando há uma FIV, o risco de haver uma gravidez gemelar é mais elevado e associado à transferência de mais de um embrião.
Hábitos de vida pouco saudáveis, transversais à sociedade trazem aos grupos etários mais avançados riscos associados ao sedentarismo, obesidade, tabagismo, hipertensão e diabetes na gravidez. Muitas destas gravidezes são de alto risco para restrição do crescimento do feto se houver complicações associadas à hipertensão, ou excesso de peso do bébé, se a diabetes estiver mal controlada.
Os problemas circulatórios nestes grupos etários já existem (varizes, ou patologia cardíaca), podem agravar-se durante a gravidez e podem levar a acidentes cardiovasculares.
O trabalho de parto parece ter uma duração superior, sobretudo na mulher que tem o seu primeiro filho depois dos 40 anos, pois existe uma resposta insuficiente à ação da hormona que gera contrações; por este motivo e porque muitas vezes as condições médicas ditam a necessidade de uma cesariana, neste grupo etário a taxa de cesarianas é muito elevada.
Por todos estes motivos se diz hoje que a idade ideal para procriar é, entre os 20 e os 35 anos e muitas mulheres têm toda esta informação. Contudo, há muitos fatores que ditam a altura de uma gravidez, fatores pessoais, sociais, profissionais e circunstâncias da vida que não se conseguem planear.
As mulheres, sobretudo as que têm doenças crónicas, têm de planear a gravidez para momentos de estabilização da doença, da redução ou substituição de fármacos, com seguimentos sempre pluridisciplinares, com os vários médicos que a seguem a terem conhecimento do seu desejo de gravidez e conhecedores da importância de um correto acompanhamento.
Se não há outras doenças, a preparação é igualmente importante, com início da toma de ácido fólico no período da preconceção e conceção. Estas gravidezes, sem doenças prévias, são muitas vezes de evolução absolutamente normal.
Portanto é importante que as mulheres e os homens saibam os riscos que correm quando adiam uma gravidez para lá dos 35 anos, sobretudo em termos de riscos de infertilidade, de aborto e de partos menos simples que nas mulheres mais jovens.
Para Mikko Myrskylä[1], demógrafo finlandês, com muitos trabalhos realizados no Reino Unido e também nos EUA, as circunstâncias da vida e as escolhas comportamentais são mais importantes que a idade e que, de uma maneira geral os filhos de mães com mais idade têm menos problemas de comportamento, sociais ou dificuldades emocionais.
Os riscos parecem ser menores que os benefícios, para este autor, mas ele considera muito importante o equilíbrio de saúde quando se programa a gravidez.
Ana Campos é médica obstetra e ginecologista.
Notas
- ^ B arclay K, M yarsala M. Advanced Maternal Age and Offspring Outcomes:Reproductive Agingand Counterbalancing Period Trends. Population and Development Review 42(1):69–94 (MARCH 2016)
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