Parto e parentalidades

Historicamente usada como forma de controlo das mulheres e dos seus corpos, o movimento feminista tem vindo a recuperar e reivindicar para si a experiência da maternidade. Tal passa não só pelo direito a decidir se se quer engravidar, mas também pela reivindicação dos direitos da mulher sobre o seu corpo ao longo da gravidez e parto, e pela possibilidade de pensar em formas de reconfigurar a maternidade e a parentalidade. Dossier organizado por Érica Almeida Postiço.

17 de março 2020 - 11:26
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Dossier Parto e parentalidades

Que implicações tem a maternidade na vida de uma mulher? Quais os seus direitos no parto? E qual é o papel dos homens?

Tal como nos restantes países europeus, a idade média para o nascimento do primeiro filho em Portugal tem aumentado de ano para ano, estando atualmente nos 30 anos. Questões de ordem social e laboral justificam a opção pelo adiamento da gravidez. A obstetra Ana Campos analisa os impactos que tal decisão tem na fertilidade, gravidez e parto nas mulheres com mais de 30 anos.

Se em termos de adiamento da idade da primeira gravidez, Portugal acompanha a tendência da Europa ocidental, o mesmo não se pode dizer da taxa de intervenções durante o parto, onde ocupa um dos lugares de topo. O movimento feminista tem vindo a denunciar as intervenções desnecessárias durante o trabalho de parto, qualificando-as como violência obstétrica. Assunto complexo, os episódios de violência obstétrica traduzem-se na perda de autonomia das mulheres num momento de importância crucial das suas vidas. Catarina Barata e Dulce Morgado Neves assinam um artigo que procura contribuir para a visibilização do fenómeno e para o reconhecimento dos direitos das mulheres durante o parto. Mia Negrão explica em que consiste o consentimento informado durante o trabalho de parto, a sua ligação com as boas práticas clínicas e o papel importante que a elaboração de um plano de parto pode ter no resgate do poder sobre o corpo, a autonomia e a autodeterminação da mulher. Fala também sobre as possibilidades de reclamação e denúncia de situações de violência obstétrica. Laura Ramos explica como a sua experiência de violência obstétrica contribuiu para impulsionar um ativismo pelos direitos da mulher na gravidez e parto e a elaboração da petição contra este tipo de violência nas maternidades portuguesas. Recuperamos igualmente um artigo de Mariana Falcato Simões sobre a necessidade de dar início ao debate político sobre este tipo de violência e a necessidade de um enquadramento legislativo da violência obstétrica.

A amamentação é outro obstáculo que as mulheres têm de enfrentar logo após o parto. Se a Organização Mundial de Saúde recomenda a amamentação em exclusivo durante os primeiros seis meses de vida, o leite materno como principal alimento até ao primeiro ano de vida e o prolongamento da amamentação pelo menos até aos dois anos, a verdade é que poucas são as mulheres que se deparam com condições para tal. Ana Filipa Antunes escreve sobre o tema, explicando ser necessária uma atualização da formação dos profissionais de saúde sobre o tema recorrendo à melhor e mais atual evidência científica, bem como à garantia de melhoria das condições dadas às mães trabalhadoras para continuarem a amamentação após o regresso ao trabalho.

Há muito que se sabe que a conquista da igualdade por parte das mulheres exige o envolvimento dos homens, sobretudo no âmbito da família. A igualdade laboral e social são fundamentais, mas também no espaço privado da família é forçoso garantir um real equilíbrio das responsabilidades. Não basta uma partilha das tarefas domésticas, as novas formas de masculinidade reconhecem o pai como um ator igualmente fundamental na educação de uma criança, envolvendo-o assim no cuidados dos filhos. Susana Atalaia explica-nos em que consistem as masculinidades cuidadoras.

Mas a parentalidade não é exclusivamente biológica. Numa altura em que se reconhecem as inúmeras possíveis configurações de uma unidade familiar, é preciso lembrar que quem opta pela adoção como modelo de parentalidade depara-se com os obstáculos muito próprios. Sandra Cunha explica em que medida é que as famílias construídas através da adoção detêm em Portugal um estatuto de inferioridade, obtendo um tratamento desigual na lei e sendo alvo de discriminações no dia a dia.

Por último, uma entrevista a Esther Vivas, autora do livro Mamá Desobediente. Nele, a socióloga denuncia o incómodo que a maternidade ainda causa no movimento feminista, resultado ainda do discurso anti-reprodutivo adotado pelos movimentos da década de 70. Fala-se também da dupla carga de trabalho e mental que recaem maioritariamente sobre as mulheres mães, que conjugam as responsabilidades na esfera produtiva e reprodutiva.

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