Gabriel Coelho

Gabriel Coelho

Professor de Matemática e Ciências Naturais, co-criador do podcast Quarteto dos Três Ateus Miguel e Gabriel

Abril foi o povo na rua; novembro, o regresso das instituições. Abril quis a utopia; novembro impôs o pragmatismo. Hoje, quando o discurso oficial tenta colocar ambos no mesmo altar, é preciso lembrar o que se perdeu. Abril não foi só uma data: foi um verbo.

O mundo não precisou de um Grande Irmão com cartazes nas paredes; bastou um ecrã e uma linguagem corrompida para transformar o real em impostura. O moderno totalitarismo não se impõe pela força, mas sim pela erosão do sentido das palavras.

A empatia não é um adorno da moral, é a sua origem. O preço de a negar é o deserto moral em que já começamos a viver. Por tudo isto, um muito obrigado à Mariana, à Sofia, ao Miguel, ao Diogo e às centenas de ativistas, presos e torturados pelo crime de empatia.

Que forças são essas, amiga, que ao longo da História te têm empurrado para o silêncio, para a cozinha, para a sombra? São forças muito concretas, económicas, religiosas, políticas, que encontraram na tua opressão uma forma de manter privilégios, sustentar impérios e perpetuar desigualdades.

Em momentos de crise económica ou insegurança social, o velho reflexo ressuscita: culpar o estrangeiro, desconfiar do diferente, erguer muros. É um eco de tempos em que tal atitude podia salvar uma vida, mas hoje apenas empobrece sociedades e reforça divisões artificiais.

O dogma religioso, sobretudo quando aliado ao poder colonial, foi amplamente utilizado como instrumento de domínio cultural, político e sexual sobre os povos colonizados.

A emancipação plena passa também por uma rutura simbólica e política com sistemas de dominação espiritual que condicionam vidas e desejos. Temos que defender uma esquerda verdadeiramente laica, que não relativize práticas opressivas justificadas pela fé.